Comportamento

Masking: um alto custo para esconder o autismo

Ativista alerta que mascarar uma deficiência leva o indivíduo a um constante estado de estresse


Publicado em 04 de abril de 2022 | 04:13
 
 
 
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“Vivemos numa sociedade capacitista. Então, desde pequenos, somos levados a entender as deficiências e as diferenças como coisas negativas. Aprendemos muito cedo que ser identificado como autista ou como pessoa com deficiência pelas outras pessoas muitas vezes leva a situações de discriminação e violência. Sentir medo, vergonha ou insegurança, ter direitos negados, ser infantilizado, ser excluído... Ninguém gosta dessas coisas, ninguém”. 
 
É assim, em tom de desabafo, que Fernanda Santana, secretária geral da Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas (Abraça), fala sobre razões que motivam a prática do masking, que, resumidamente, diz respeito ao ato de um sujeito com autismo esconder essa característica por meio da imitação de comportamentos de pessoa não autistas. 
 
Esse contingenciamento, essa tentativa de esconder traços pessoais, tende a gerar uma série de consequências nocivas. “Sofrimento psicológico. Mais crises. E uma limitação nas nossas possibilidades de enfrentar certas barreiras. Por exemplo, quando o masking envolve não se permitir fazer stims (movimentos autorregulatórios, como chacoalhar as mãos, balançar o corpo, estalar os dedos, pular, fazer certos sons…) em público, ficamos ‘desarmados’, sem uma estratégia importante de regulação sensorial – ou seja, conseguimos lidar com menos estímulo e de forma mais dolorosa”, indica Fernanda, que prossegue: “Fazer masking também nos põe em um estado de estresse constante, porque ficamos nos policiando o tempo inteiro. Embora não seja causa e consequência, a prática está muito relacionada a baixa autoestima e insegurança. Algumas pessoas desenvolvem depressão e têm problemas graves com ansiedade”. 
 
Com base na própria experiência e nos diálogos que mantém com a comunidade de pessoas autistas, Fernanda diz perceber que o masking é mais comum na adolescência e juventude. “Quando você é criança, percebe menos o modo como as outras pessoas olham pra você”, justifica. Ela lembra que há também um recorte de gênero a ser considerado. “O masking é mais comum em mulheres e outras pessoas identificadas como meninas no nascimento. Eu acredito que tenha a ver com o modo como a gente é socializada. Os contextos sociais são diferentes, e não temos os mesmos privilégios que as pessoas que crescem sendo tratadas como meninos. Há mais tolerância em relação a certas diferenças quando alguém é visto como menino. E isso também continua sendo verdade em outras fases da vida. Este é um ponto bastante importante de ser entendido e considerado quando falamos de acesso a diagnóstico. Temos um número grande de mulheres autistas sem diagnóstico porque conseguem esconder, a duras penas, suas características mais evidentes”, sinaliza. 
 
Apesar do contexto social opressivo, a secretária geral da Abraça garante: deixar de praticar o masking é libertador. “Toda pessoa autista já tentou (esconder características do autismo). Alguns de nós conseguem melhor, outros pior. Mas o custo é muito alto. Eu parei de tentar parecer o que eu não era no final da adolescência, início da vida adulta, quando meu autismo foi identificado”, lembra. “Me entender como autista e me sentir acolhida foi fundamental para que eu parasse de investir uma grande quantidade de energia em algo que me fazia mal. Minha vida ficou muito mais leve, passei a gostar de mim mesma e focar aquilo que realmente importava. Isso me fez ter um ganho enorme de qualidade de vida, e foi muito importante na construção da minha identidade enquanto pessoa”, relata, inteirando que ter uma rede de apoio que veja o autismo como diversidade, permitindo a essas pessoas sentir-se incluídas e aceitas, torna mais fácil não tentar se esconder. 
 
A ativista do movimento de pessoas com deficiência lista as formas mais comuns de masking: 
 
- Suprimir os stims, mesmo que essa supressão cause sofrimento psicológico;  
- Ultrapassar os limites pessoais, expondo-se a estímulos sensoriais que sabidamente podem sobrecarregar ou iniciar uma crise; 
- Deixar de informar a deficiência ou de pedir o apoio de outras pessoas, por receio do que os outros vão pensar, mesmo que essa falta de apoio muitas vezes represente uma barreira para o exercício dos direitos; 
- Concordar com coisas ou situações com que não se queira concordar ou mesmo que não se entendam bem, por receio de ser visto como diferente dentro de um grupo – o exemplo mais clássico é o abuso de álcool ou drogas ou ser levado a situações de abuso sexual. “Mas eu já conheci até mesmo uma pessoa que disse que se casou contra a vontade para cumprir com as expectativas das outras pessoas”, conta Fernanda.

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