Comportamento

Mau ou bom humor? Qual o seu estado de espírito diante da vida?

Estudiosos classificam as emoções como reações imediatas e temporárias ao que vivemos, mas que podem até ser estimuladas em determinada situação


Publicado em 22 de setembro de 2021 | 03:30
 
 
 
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“Como vocês fazem para sempre estar de bom-humor?”. Foi esta a pergunta de um ouvinte do Interess@, programa da rádio Super 91,7 FM, que alia informação e entretenimento e que tem como marca a leveza com que os mais diversos temas são tratados. E, de fato, o quadro pode, na maior parte do tempo, ser classificado como “bem-humorado” – embora a bancada predominantemente feminina recorra, às vezes, à seriedade necessária para falar de assuntos mais delicados.  

Contudo, ainda que o bom humor seja um componente da atração, isso não significa que as jornalistas titulares da bancada entrem e saiam do ar todos os dias, religiosamente, nesse estado de espírito. Em diversas ocasiões, as apresentadoras externaram, em um primeiro momento, não estar no “melhor dia” delas, mesmo que, no decorrer do programa, esse mal-estar fosse cedendo lugar a uma sensação de contentamento.  

A resposta à pergunta do ouvinte, portanto, é que o bom humor não está garantido por nenhuma fórmula mágica. E admitir que, eventualmente, ficamos mesmo mais “borocoxôs” não é só uma atitude de honestidade conosco e com quem nos acompanha, mas também um sinal de respeito. “É oportuno que, em uma sociedade em que, para muitos, a principal forma de interação com a realidade passa pela experiência nas redes sociais, nós possamos também falar sobre outros estados de humor, demonstrando que nem sempre estaremos contentes e satisfeitos”, opina a psicóloga humanista Paula Figueiredo. 

A especialista em política pública e saúde mental acredita que, de certa forma, falar mais abertamente sobre as nossas emoções pode funcionar como um antídoto à “lógica do Instagram” – expressão que tem sido utilizada para se referir a um fenômeno em que somos levados a crer que a vida do outro é melhor e mais satisfatória que a nossa, algo que acontece na medida em que acompanhamos o cotidiano dessas pessoas por meio de postagens que podem nos fazer acreditar que a felicidade e o bom humor devem ser a regra e que qualquer emoção entendida como negativa precisa ser anulada. “Por isso, é sempre bom lembrar que o que vemos nessas mídias são apenas recortes de momentos específicos, fragmentos que passam por filtros sociais e tecnológicos”, observa a psicóloga.  

Cultivar boas emoções 

Feita a ressalva sobre o risco de se comparar com o que, muitas vezes, vai se revelar uma performance ou um recorte, Paula Figueiredo lembra que é, sim, possível cultivar o bom humor.  “Podemos criar hábitos que provocam reações favoráveis, adotando atitudes que sabemos que têm a tendência de nos fazer sentir bem”, diz, acrescentando que essa postura não vai nos impedir de ter momentos de mau humor. “Afinal, o nosso estado de humor não é permanente. Tanto que diversos autores da psicologia classificam as emoções como reações imediatas e temporárias ao que vivemos”, indica. 

“É importante destacar que o cultivo de boas emoções passa necessariamente pelo acolhimento de todas as emoções, inclusive aquelas que classificamos como negativas ou ruins”, destaca. Ela situa que as nossas emoções são como placas de sinalização no trânsito, de forma que ignorá-las não é uma boa ideia. “Se ignoramos esses sinais, a tendência é que esse desconforto se manifeste de outra forma ou em outro momento. Então, é fundamental que a gente tente identificar o que está por trás daquele estado de espírito”, diz.  

“A atitude de suprimir emoções é potencialmente tóxica. Devemos compreender que o mau humor é apenas a ponta do iceberg, sendo uma manifestação de emoções que estão em camadas mais profundas, como a tristeza, a raiva, o ciúme e a frustração. E se eu não olho para esse sinal que meu corpo está me dando, pode ser que essa emoção se torne crônica, o que pode desencadear psicopatologias”, informa. 

Paula assinala ser comum que pessoas mais introspectivas sejam erroneamente classificadas como mal-humoradas. “Mas há também quem demonstre mau humor mais constantemente. Isso pode acontecer porque o sujeito está enfrentando uma situação complicada, como um luto ou o desemprego. Não dá para exigir que, diante de uma adversidade assim, a pessoa esteja simplesmente sorrindo diante da vida. E vamos ter ainda casos em que essa constante manifestação de mal-estar vai ser um sintoma psicopatológico”, examina. 

Autoconhecimento. Além de aprender a lidar com todas as emoções, o autoconhecimento é um elemento crucial para o desenvolvimento de hábitos que favoreçam o bom humor. “Só assim vamos conseguir entender como nosso corpo vai reagir a alguma atividade ou circunstância. Tem quem vai se sentir melhor quando tem contato com a água, tem que vai recorrer à meditação ou a exercícios de respiração. Não há regra, porque essa reação vai ser individualizada. E, por isso, não faria sentido falar em receitas prontas, como pregam aquelas postagens que prometem oferecer ‘cinco dicas para cultivar o bom humor’”, critica. 

Realista esperançoso 

“Uma vez, o (escritor) Ariano Suassuna disse que o otimista é um tolo, o pessimista é um chato e que o bom mesmo é ser um realista esperançoso. Eu não poderia concordar mais com essa análise”, diz Paula Figueiredo. Para a psicóloga, o hábito do bom humor vai dialogar com a nossa capacidade de equilibrar uma visão de mundo que parte da realidade, mas que é pautada pela esperança. 

“Com a pandemia, estamos vivendo situações que nos despertam emoções negativas. E isso reverbera na maneira como lidamos com a realidade. Ao mesmo tempo, temos visto ganhar força um movimento de pensamento positivo, que defende que a gente não se entregue ao mau humor e ao pessimismo”, diz, sinalizando ser importante que a gente lide com o cotidiano e tenha um olhar de otimismo diante da vida, “mas sem fazer disso um instrumento de alienação da realidade que vivemos e que é, sim, problemática e que vai, sim, nos despertar emoções como a tristeza e a frustração”.  

“O desafio, portanto, passa por, simultaneamente, entender a realidade em que estou inserido, sem ilusões, mas estando atento ao vislumbre de um horizonte de possibilidades”, argumenta.

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