As motivações dos adolescentes para praticar o autociberbullying são ao mesmo tempo curiosas e preocupantes, segundo o levantamento do Cyberbullying Research Center. Uns responderam que queriam ser engraçados ou que, por se sentirem tristes, precisavam da atenção dos outros. Alguns estavam em busca de uma reação dos amigos para saber se eles “eram realmente amigos”. Outros relataram problemas com baixa autoestima ou auto-ódio, “porque já se sentiam mal e queriam piorar”.
O pesquisador Justin W. Patchin concluiu seu artigo com uma mensagem-chave: pais, educadores, agentes da lei e autoridades que investigam o ciberbullying devem estar abertos à possibilidade da ocorrência de autodano digital e entender que há sempre um problema a ser resolvido. As vítimas de mensagens prejudiciais, independentemente do remetente, precisam de ajuda, pois as autoagressões podem indicar um pedido de socorro de um jovem em sofrimento psicológico.
“Os adolescentes que são vítimas de bullying – seja por um estranho, um companheiro ou por si mesmos – muitas vezes precisam de apoio, amor e, acima de tudo, atenção saudável”, é a conclusão do estudo, acrescentando que pessoas que trabalham com a juventude devem considerar a gravidade desse fenômeno e proporcionar aos jovens em dificuldades o auxílio de que eles precisam muito antes de decidir se machucar.
Mas, na hora de avaliar um caso concreto de autociberbullying, é fundamental tomar cuidado para não culpabilizar a vítima, que, no caso, é também a autora. “Essa não é uma escolha racional, é retrato de um sofrimento, um sinal claro de que essa pessoa está com um sofrimento muito importante, que ela tem vergonha e medo de revelar e deve receber apoio logo. Antes de julgar e condenar, escute e discuta”, alertou o psicólogo da SaferNet Brasil Rodrigo Nejm.
O tabu em torno das ideias suicidas e da depressão pode piorar tudo. “Por que você faz isso?”, “Eu te dou amor”, “Você tem tudo” são discursos aparentemente para proteger, no entanto, segundo Nejm, podem ser ainda mais opressivos para quem está vulnerável. Para o psicólogo, até essa suposta carência do adolescente que faz algo para “chamar atenção” é um grande pedido de ajuda.
O mundo digital tomou tamanha proporção na vida da criança e do adolescente hoje que eles se tornaram mais fragilizados diante da avaliação do outro, opina a psiquiatra infantil da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Ana Maria Lopes. “É uma geração diferente do jovem que nasceu na década de 60 e 70 e teve oportunidade de estabelecer um diálogo mais próximo das pessoas, receber um cartão de Natal”, diz. Ela lembra que os adolescentes de 12 a 17 anos já nasceram inseridos na rede social como forma de comunicação principal. “Eles sempre têm que mostrar nas redes socias que estão bem, mas, por meio desse autociberbullying (com um perfil falso), eles têm a oportunidade de postar sobre seu sofrimento”, diz Ana Maria.
Alerta. Na escola e na turma de amigos de Clarissa*, 12, em Belo Horizonte, ainda não teve nenhum caso descoberto de autodano digital praticado de maneira anônima, mas ela cita várias situações de ciberbullying e, inclusive, de garotas que falam mal de si mesmas publicamente online. “Já vi várias crianças falando em Instagram, Twitter, Snap: sou uma trouxa, ninguém gosta de mim, eu sou um bosta, sou gorda, ridícula...”, contou Clarissa.
Já houve uma situação de uma colega dela expor que tentou suicídio porque se achava estranha. “Outra vez, um menino criou um grupo no Facebook (Nós Odiamos Fulana) para fazer piada com uma garota que tinha desagradado a ele, e os pais foram chamados na escola para ver vídeos sobre bullying, a gente já teve que fazer trabalhos”. (*Nome fictício)
Quando há crime. Para que ocorrências de bullying sejam investigadas pela polícia é necessário que a vítima ou alguém denuncie. As ofensas em grupo ou individuais no meio digital podem ter caráter criminoso se caracterizadas como injúria, difamação e calúnia. “Nos Estados Unidos, as pessoas entram mais na esfera civil do que criminal”, afirmou o delegado Felipe Nogueira da 1ª Delegacia de Crimes Cibernéticos de Belo Horizonte. O mais difícil é a identificação dos autores que geralmente usam perfis falsos.
Meio digital reproduz ações do mundo real
Em sua consequência mais drástica, o bullying e o ciberbullying levam jovens a cometem suicídio. Na era digital, essa atitude extrema vem sendo cada vez mais transmitida ao vivo em redes sociais. Thiago Nagafuchi acaba de desenvolver tese de doutorado na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) sobre o suicídio na era digital. No estudo, ele percebeu que as pessoas em sofrimento têm necessidade de comunicá-lo, mas encontram barreiras porque o suicídio ainda é um tema não dito, um tabu. “Mais de dois terços dos respondentes da pesquisa disseram que já pensaram em suicídio. Ou seja, é comum, em algum momento da vida, a pessoa já ter pensado em suicídio, mas ninguém tem coragem de falar sobre isso”.
Para Nagafuchi, as pessoas tendem a fazer no meio digital o que elas já faziam fora dele. Ele alerta para a necessidade de que tanto as redes sociais, que são empresas, quanto os formuladores e pensadores de políticas públicas reflitam sobre formas específicas de fazer prevenção na internet. “É algo que demanda formas ágeis, já que muitas coisas acontecem em tempo real. É um desafio gigantesco”.
N[úmeros
312 atendimentos por ciberbullying foram registrados em 2016 na SaferNet Brasil
6.000 ocorrências de crimes em ambiente virtual estão em andamento na Delegacia de Crimes Cibernéticos de Belo Horizonte