O imaginário como via de acesso à vida afetiva. Esta é a proposta do “sonho acordado”, metodologia criada em 1920 pelo francês Robert Dessoille e trazida ao Brasil pelas mãos de Washington Loyello. Atualmente recebe o nome de “experiência imaginativa”, oferecida pela Escola Internacional de Especialização em Processo Imaginativo, da Itália, e que contempla os achados da neurociência sobre o sonho noturno e o imaginário. 

A metodologia é oferecida pela psicanalista e monja Maria Bernadette Biaggi, fundadora do Istituto Biaggi, que, com o apoio da Casa de Leitura Dirce Côrtes Riedel, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e da Escola Internacional de Especialização em Processo Imaginativo, promoverá o evento virtual “Sonho Acordado: A Experiência Imaginativa entre o Brasil e a Europa” (ver agenda). O evento vai evidenciar a potência do imaginário dialogando com as neurociências, as artes, a psicanálise e a psicoterapia.  

“O imaginário é via de realização de possíveis ações, sem o risco das ações reais, facultando escolhas mais assertivas, em especial nos momentos de turbulência, além de nos proporcionar experiências de silêncio. Esse momento de união promove saúde, se torna fonte de sonhos e desenvolve a capacidade de vivenciar a leveza do brincar, criar hipóteses e novos caminhos de acesso à realidade. É um processo em que a vivência da espiritualidade alarga o espaço mental, o eu dividido na banalidade do dia”, explica a psicanalista. 

Para ela, a espiritualidade “é uma experiência de abertura para o infinito, o ilimitado, que vai além da esfera intelectual e tem a ver muito mais com o sentido que o indivíduo encontra para a sua existência. É a conexão entre o eu e o trânsito entre o relativo e o absoluto. Pode ou não estar ligada à vivência religiosa. Podemos pensá-la nas relações humanas, na arte, na natureza e no encontro consigo mesmo”, diz. 

Bernadette ressalta que a espiritualidade hoje é estudada pela ciência. “A Organização Mundial da Saúde aprofunda suas investigações como constituinte do conceito multidimensional de saúde abarcando as dimensões dessa abertura nas dimensões corporais, psíquicas, estéticas e sociais. A potência do imaginário expande ainda mais essa conexão”. 

Dentro do processo do “sonho acordado” vale fazer uma distinção entre imaginação e fantasia. “A imaginação é criativa e abre os canais de percepção, possibilitando escutar o que atravessa nossa mente. Abre a vida para a espiritualidade, os horizontes dos sentidos e nos possibilita dar forma, significar a experiência que fazemos da realidade. É uma experiência da qual se originam novas versões de si mesmo”, ensina a psicanalista. 

Já fantasiar “é devaneio interior que, em graus extremos, pode desconectar o indivíduo da realidade, atingir estados caóticos e gerar ansiedade e angústia, numa bulimia desenfreada do desejo sem compreensão da realidade interna e externa, gerando uma sensação de vazio sem fim, obstruindo a autopercepção e a realização”, observa Bernadette. 

 

AGENDA: No próximo dia 24 acontece em ambiente virtual, das 9h às 17h, o evento “Sonho Acordado: A Experiência Imaginativa entre o Brasil e a Europa”, que vai apresentar a psicoterapia de Robert Desoille e a experiência imaginativa, seus usos terapêuticos e suas intercessões com a filosofia, as ciências humanas e as neurociências. Haverá ainda o lançamento dos livros “Perturbante Bellezza” e “A Poética de Gaston Bachelard”. Ingressos pelo Sympla: 

  

Ultrapassando os limites da forma 

 

Esse espaço subjetivo proporcionado pelo método do “sonho acordado” “abre caminho para a experiência da espiritualidade, em que pensamento, imaginação e emoção frequentam a plenitude da criatividade, o esculpir-se no movimento do ‘universo em expansão’. É a potência da atividade do imaginário. Esse tempo do sonhar, do imaginar, nos traz a vida em uma dimensão de esperança, alegria, excitação e nos faz transcender a realidade do vazio”, propõe Maria Bernadette Biaggi. 

O pensamento do psicanalista britânico Wilfred Ruprecht Bion corrobora essa relação íntima entre o imaginário e a espiritualidade. “Ele nos traz um vértice místico-religioso de um encontro em determinado estado de mente, que denominou de ‘at-one-ment’, que podemos alargar para ‘at-one-ment-with-other’, ou seja, estar em uníssono, em harmonia consigo mesmo e com o outro. Representa a fusão com o outro, dois em um, que é equivalente a um estado definido como empatia, mas com uma maior complexidade”, explica Bernadette Biaggi. 

Esse processo, ressalta a psicanalista, “está presente seja no religioso que experimenta um estado de exaltação diante de uma revelação divina, seja no psicanalista que assiste a uma revelação que emerge da névoa do discurso manifesto do paciente, seja em qualquer experiência em que o indivíduo ultrapassa os limites da forma”.  (AED) 

  

Imagens e seu idioma 
 

Uma das abordagens durante o evento será a do músico e artista visual Alê Fonseca, que vai falar sobre “a fissura da imagem”. “A potência da imagem é ser sempre espelho. Imagem é aquilo que vemos e reconhecemos como tal. Ela inexiste no plano, na superfície, mas existe na lente, no olho, no cérebro onde é reconhecida e chamada de ‘imagem’”, comenta o artista. 

Para ele, “reconhecemos como imagem aquele pedaço de algo e lhe damos sentido por reconhecermos ali algo já sentido. A imagem em sua fixidez nos joga em movimento assim que aceitamos o seu convite para o vínculo. Logo, esse circular do olhar sobre a imagem se transforma em uma espiral que penetra o observador, provocando cadeias associativas mais e mais profundas à medida que mais elementos internos são convidados a dançar essa dança circular (da imagem)”, diz. 

O artista considera que o poder das imagens “é ser espelhos e portas para percursos oníricos, simbólicos em direção a pequenos despertares”. “Estudar as imagens e me entregar a elas é como aprender o seu idioma único, pessoal”, finaliza.  (AED)