É praticamente impossível pensar no Carnaval sem ter em mente a infinidade de adereços, fantasias e máscaras que colorem as ruas, avenidas e sambódromos Brasil afora. Mas, por mais que a festa momesca tenha ganhado uma dimensão ainda mais extravagante e imponente no país, a origem da folia e do uso dos acessórios carnavalescos veio de longe. Registros históricos apontam que a tradição teve início em salões luxuosos de Veneza, na Itália, em meados do século XV. À época, as máscaras eram um item indispensável da festa, que misturava no mesmo espaço ricos e pobres.
Nesses bailes de máscaras, que mexiam diretamente com as hierarquias sociais, as máscaras e fantasias tornavam nobres e plebeus irreconhecíveis. Agora, séculos depois, as fantasias não têm um simbolismo tão diferente. Embora o propósito nem sempre seja o anonimato, a sensação provocada por essa possibilidade e até mesmo a chance de experimentar-se como algo que não se é no dia a dia são significados que costumam estar por trás das nossas escolhas. É isso o que explica o psicólogo Jailton Souza.
“Geralmente as pessoas utilizam de alguns artifícios para projetar algo comportamental ou algum interesse através das fantasias. Desta forma, elas podem ser uma projeção daquilo que a gente idealiza, do que já fomos ou até mesmo do que somos”, afirma o psicólogo. O especialista acrescenta ainda que o próprio ambiente mais livre das festas de Carnaval contribuiu para que as pessoas se sintam mais à vontade para colocar para fora coisas que em outros momentos podem esconder. “ Como todos estão mais extrovertidos, podem soltar suas fantasias em todos os aspectos”, observa.
Jailton pondera que mesmo fora do período momesco costumamos usar fantasias ou mascarar comportamentos. Nesse sentido, a folia pode significar também uma libertação dessas amarras. “A gente pode utilizar desses momentos para trazer à tona o que realmente somos. Quando temos, por exemplo, pessoas que parecem mais sérias ou introvertidas, elas podem utilizar fantasias mais divertidas como as de palhaços. Sem a fantasia, talvez ela não conseguisse externalizar esse lado mais alegre e extrovertido, seja por conta do trabalho, da forma como foram criadas, seja por causa do meio em que elas vivem”, explica.
Preconceitos também ficam evidentes
Mas nem tudo são flores. Da mesma forma que o uso de fantasias e adereços pode impulsionar as pessoas a externalizar novas nuances da personalidade, serem mais divertidas e até menos contidas, o uso de máscaras - não somente no sentido literal - também pode evidenciar questões negativas. Vestimentas que emulam vivências, por exemplo, podem ser escolhidas em tom jocoso e escancarar preconceitos e falta de aceitação. “Um homem extremamente preconceituoso em relação à diversidade sexual, não se intimida em se vestir de mulher. Ele aposta nisso como se o fato de ser mulher fosse uma fantasia, mas não é. Uma vivência que não pode ser entendida dessa forma”, afirma Jailton.
“É preciso estar atento. Não é qualquer coisa que pode se transformar em uma fantasia e estar trajado como algo não significa que você tem liberdade para brincar com aquilo”, acrescenta ele, citando como exemplos pessoas que se vestem de indígenas ou que utilizam black face. “Nesse caso há uma perversão ao brincar com a dor, a luta e a diversidade do outro”.
Especialista em terapia cognitivo-comportamental, a psicóloga Renata Borja chama atenção para os excessos que também podem ser cometidos diante da sensação de anonimato proporcionada pelo uso de fantasias. “Precisamos de regras para viver em sociedade e isso é natural. Algumas pessoas, principalmente aquelas mais impulsivas e que tem um baixo autocontrole podem se sentir mais propensas a contravenções e excessos em ambientes que possam não ser reconhecidas ou conhecidas. É como se o sistema de recompensa da pessoa fosse ativado com menos autocrítica e menos freio”, ressalta. “O ser humano vive em sociedade e quer pertencer a ela, por isso opta por buscar seguir as regras, no entanto, quando se vê fora do ambiente limitador, pode acontecer dele infringi-las por pensar que não tem ninguém observando e se permitir usar o sistema de recompensa de forma desadaptativa”, completa.