É mais fácil perceber o que há em comum entre Charles Darwin (1809-1882) e Karl Marx (1818-1883) do que entre a cauda do pavão e a capa do Batman. Mas o psicólogo Cláudio Paixão alinha todos esses exemplos para discorrer sobre o mesmo tema, que acompanha a humanidade há séculos e já passou por momentos de alta e de baixa, como uma autêntica montanha-russa. Estamos falando da barba, que adornou, na velhice, tanto o rosto do teórico do evolucionismo quanto se tornou indissociável ao semblante do mais influente pensador político da história, associado, sobretudo, ao comunismo. O inglês, e o alemão, se unem ao herói e à ave exuberante.
“Darwin dizia que a barba era sinal de maturidade sexual. Como a barba aumenta o tamanho da mandíbula, passa a imagem de que o rosto é mais forte, cria essa ilusão de virilidade. É um fenômeno parecido com a cauda do pavão, que é totalmente disfuncional, e precisamos lembrar que o pavão vem da Ásia, onde existem tigres, leões, panteras, lobos, ursos, serpentes enormes e toda sorte de predadores que poderiam se aproveitar dessa cauda desajeitada, mas, quando o pavão a abre, ela causa uma impressão, tem um componente de atratividade. Já pensou o Batman voando sem aquela capa? Não daria a mesma impressão de força”, afirma o psicólogo.
Ele aproveita o ensejo para contar um caso de tom anedótico. Trocando mensagens com um colega pelo celular, Paixão enviou “um texto singelo” sobre a série “Batman”, protagonizada por Adam West e Cesar Romero nos anos 1960, quando recebeu uma resposta inusitada: “Estou vacinado contra vocês, comunistas barbudos!”. Paixão ficou surpreso, mas logo compreendeu a relação estabelecida. “Essa ideia de que os barbudos são malucos, excêntricos, socialistas, comunistas, de esquerda, rebeldes, revolucionários, provavelmente vem da ligação com figuras famosas, como Marx, Engels, Fidel Castro, Che Guevara, e também com os hippies”, aposta o entrevistado.
Do poder à sabedoria
De acordo com uma pesquisa da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, a barba de densidade média foi considerada a mais atraente pelos entrevistados, ao mesmo tempo que os barbudos foram vistos como melhores pais, por serem percebidos como mais protetores. Paixão, no entanto, considera fundamental contextualizar os dados. “Esse resultado é fruto de um recorte temporal, de um grupo e de uma região específicas”, pondera. Ainda que, na linha dos estudos de Darwin, a presença da barba emita, biologicamente, um sinal de maturidade para a relação sexual e de dominância entre os machos, Paixão ressalta o caráter cultural do adereço.
“Em algumas culturas, a barba significava poder. No Antigo Egito, há representações de faraós com barba no queixo, alguns colocavam até barba postiça. Na Grécia, sugeria sabedoria, quase todos os filósofos gregos usavam barba. Já o Império Romano relacionava a barba aos bárbaros que eles queriam subjugar, e, por isso, incentivavam o corte de cabelo e a raspagem dos pelos da face”, observa o psicólogo. A partir da Idade Média, os padres católicos também iniciaram sua cruzada contra a barba, justamente para se diferenciarem dos judeus e árabes muçulmanos. Outra mudança que afetou a noção de barba e seu “histórico atributo de masculinidade” ao redor do mundo foram as descobertas do cientista francês Louis Pasteur (1822-1895).
Ao detectar a “presença de micróbios em barbas sujas, recomeça uma discussão que vai até o início do século XX, aliando o ato de se barbear a questões de higiene”, diz Paixão. Nesse período, algumas empresas começaram a exigir que seus funcionários se barbeassem, e o rosto limpo e escanhoado dos executivos passou a ser a norma. A moda do bigode na década de 1920, que depois cai no ostracismo, voltaria com força total nos anos 1970, em “um movimento principalmente do público gay, que começa a se espalhar”. “Nas épocas de efervescência da barba, sempre surgem práticas de cuidado. Na Grécia Antiga, havia o costume de se usar óleos e azeite de oliva para amaciar a barba. Já os marinheiros usavam essências de folhas esmagadas com rum”.
Hábitos de higiene
A tentativa dos soldados marítimos era “melhorar o odor, pois eles passavam bastante tempo embarcados, sem as condições ideais de higiene”. “Sempre houve barbas sujas e mal cuidadas, e, de fato, você precisa ter cuidado com a barba, porque ela está exposta ao sol, ao ambiente, ao ar. Assim como temos o hábito de lavar as mãos, se você quer conservar uma barba mais cheia, é importante lavar, hidratar com óleo, creme ou loção, aparar o bigode e o entorno da boca, para evitar o contato com restos de alimentos”, sustenta Paixão, que recorre à letra de uma canção do duo Palavra Cantada. “Barba é igual criança, você só deve ter se estiver disposto a cuidar. É como diz a música: ‘Criança não trabalha, criança dá trabalho…!’”, diverte-se.
Pessoas com muita barba sofrem preconceito e são alvo de ofensas
As imagens que escandalizaram o mundo tiveram profundo impacto na concepção que passou a vigorar em relação à barba após os ataques terroristas às Torres Gêmeas, no fatídico dia 11 de setembro de 2001. A conclusão é do psicólogo Cláudio Paixão. “Como uma cultura de dominância, os Estados Unidos passaram a divulgar a barba com uma representação negativa”, afirma. Segundo ele, o fato de os terroristas usarem barba foi o estopim para tal entendimento. Paixão considera a estratégia equivocada, dada a generalização. “Logo, se associa a aparência de um determinado grupo populacional, sejam muçulmanos de qualquer lugar do mundo, aos árabes, e, deles, com terroristas, o que não procede, é uma fantasia”, diz, combatendo esse preconceito.
O próprio Paixão já foi alvo de ofensas, e teve que ouvir que sua barba era “nojenta”, “sinal de desleixo”, entre outros impropérios. Hoje, porém, ele percebe que os tempos são outros. “De 2010 para cá, volta a moda da barba, com toda uma infraestrutura de produtos para lidar com a pilosidade facial”. Quando começou a trabalhar como psicólogo, ele deixou a barba crescer para passar uma ideia de “amadurecimento”. Mas, para além do sentido estético e cultural, ele salienta o caráter biológico. “Para alguns estudiosos, a barba possui função fisiológica, ajuda a filtrar o ar das narinas, e protege o rosto do ressecamento, especialmente naquelas regiões mais frias”, conclui.