Comportamento

Procrastinação pode resultar em consequências desastrosas para a saúde

Ato de adiar tarefas importantes ou necessárias pode afetar tanto o emocional quanto o físico da pessoa, alerta especialista

Por Raphael Vidigal Aroeira
Publicado em 22 de abril de 2024 | 06:00
 
 
 
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O cardápio da sorveteria é de dar água na boca, enquanto o calor de lascar arrebenta a tarde lá fora. Mesmo ansiando o momento de refrescar o corpo, a escolha não ocorre. Há cerca de 50 sabores à disposição do cliente: morango, creme, chocolate, abacaxi, coco, etc.

O psiquiatra Bruno Brandão atribui a dificuldade em tomar uma decisão diante de um cenário de diversas opções a um tipo de perfeccionismo que ele nomeia de “maximização decisional”, o que pode estar relacionado ao temível ato da procrastinação. “A pessoa quer ter certeza absoluta de estar tomando a melhor decisão, e, aí, acaba não tomando decisão nenhuma e posterga para depois”, observa.

Brandão relembra outro caso emblemático, quando uma marca de desodorantes abarrotou as prateleiras com quinze fragrâncias diferentes de seu produto e viu as vendas despencarem. Logo, voltou atrás e passou a oferecer apenas três variedades. Novamente, o psiquiatra confirma sua tese: “O excesso de opções aumenta a tendência de procrastinação”.

O que pode ser constatado com os catálogos das plataformas de streaming e o hábito, cada vez mais comum, de conferir as capas sem decidir por nenhum, gastando mais tempo nessa atividade do que assistindo ao filme em si. Ou, mesmo, ao passar o dedo por horas a fio nos aplicativos de relacionamento.

Marca da nossa época, as redes sociais também aumentam a tendência à comparação, especialmente para quem tem “padrões rígidos de autocobrança”, outro fator que “pode levar à paralisia diante das expectativas”.

“Nesse sentido, a sociedade contemporânea atua para nos induzir a procrastinar. É importante aceitar a suficiência ao invés da perfeição. Tomar o sorvete de creme e, se o de flocos for melhor, outro dia eu provo. Ou tomar o sorvete de morango porque, para a proposta de conversar com a minha namorada nessa tarde, ele é suficiente”, exemplifica o psiquiatra, que define a procrastinação como “o adiamento de algo que consideramos benéfico a nós mesmos”.

Conflito entre razão e emoção 

Em suma, Brandão compreende a procrastinação como “um conflito, em que queremos ou necessitamos realizar uma ou mais tarefas, mas adiamos, numa posição contrária aos nossos objetivos”. Além do perfeccionismo, ele divide o problema em três dimensões: expectativa negativa em relação ao futuro; grau de motivação; e impulsividade.

No primeiro quadro, o psiquiatra diferencia pessoas com a chamada “mentalidade fixa” e “de crescimento”. O caso da “mentalidade fixa” tende a atribuir os problemas a causas externas, ao passo que o segundo traz para si a responsabilidade, interiorizando-a. “Se a pessoa tem expectativa negativa em relação ao futuro e acredita que as coisas não dependem dela, prefere não fazer nada, já que ‘vai dar errado’”, diz.

Como valor subjetivo e não racional, a motivação seria encontrar sentido naquilo que se realiza. “Há pessoas com maior propensão ao tédio, que precisam estar muito motivadas para cumprirem suas tarefas, e que vão depender do quão entusiasmadas estão. Quando ocorre a desmotivação, começa a procrastinação”, explica o especialista.

Por fim, a impulsividade surge naqueles que “vivem o imediatismo na base da empolgação”. “Essas pessoas têm dificuldade para dizer ‘não’ à tentação imediata e aceitar o que não é tão excitante, mas pode ser importante”, sublinha. Brandão dá como exemplo pessoas que “entram para a academia ou iniciam uma dieta, mas, passada a empolgação inicial, cedem ao controle remoto e ao pote de sorvete”, afirma.

Assim, “comer brócolis e levantar peso” funciona só nas primeiras semanas, e esses compromissos vão sendo procrastinados para cada vez mais adiante, a eterna e inatingível “próxima segunda-feira”. Em termos filosóficos, Brandão resume a procrastinação como “esse conflito constante entre razão e emoção”, traduzido na neurociência como as partes cognitiva e afetiva do cérebro.

As consequências negativas são, no dizer do psiquiatra, uma “verdadeira enxurrada”. “Ansiedade, estresse, sentimento de culpa, arrependimento, sensação de fracasso” emergem dessa contradição entre o que se idealiza e o que propriamente se alcança. Com a saúde mental afetada, doenças físicas, de ordem gastrointestinal e vascular, podem aparecer.

Procrastinação pode estar ligada a quadros de depressão

O psiquiatra Bruno Brandão avalia que o conflito inerente à procrastinação “aumenta o risco de se desenvolver um quadro depressivo”. Mas essa ordem pode se inverter, e o hábito de procrastinar estar relacionado a uma depressão ainda não devidamente diagnosticada.

“É preciso investigar. O cansaço é um sintoma inespecífico de uma série de doenças, que pode ser causado por um problema físico, na tireóide, ou em razão de má alimentação, insônia e também ansiedade intensa, depressão e outros transtornos mentais”, salienta. Ele sustenta que “não há benefícios em procrastinar uma atividade”.

Ao contrário de “abandonar determinados projetos”, numa decisão mais firme e definitiva que supera a letargia do que se mantém suspenso. Por conta disso, o psiquiatra repele a pretensa frase de autoajuda “não desista nunca”. “Se no meio do caminho de um relacionamento, um trabalho, um concurso, você descobre que aquilo não é para você, que está te fazendo mal, que você está sendo abusado, você deve desistir sim, e buscar uma coisa melhor”, afiança.

Brandão também recorre ao conceito de “desamparo aprendido” para explicar a procrastinação, quando, após um número de tentativas, a pessoa se convence de que “não vale mais a pena tentar e passa a procrastinar”. “Observamos muito desse tipo de quadro em diagnósticos de depressão”.

 

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