Comportamento

Produtividade tóxica: quantidade não é sinônimo de qualidade

Em um mundo cada vez mais competitivo e que nos cobra excelência e infalibilidade, não é incomum nos compararmos a colegas e duvidarmos da nossa própria capacidade


Publicado em 20 de abril de 2023 | 06:46
 
 
 
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Em um mundo que nos cobra cada vez mais produtividade e excelência, é natural que fiquemos desconfiados de nossa própria capacidade quando nos vemos em um ambiente profissional acirrado e competitivo. Não raras vezes, pensamos que estamos fazendo menos – ou pior – do que as pessoas com as quais convivemos nos espaços profissionais. A sensação de que estão entregando melhores resultados pode surgir e gerar frustrações, inseguranças e fazer com que duvidemos de nossas competências e habilidades.

O estudante de direito Henrique Alvarenga de Moraes, 19, começou a se comparar com os colegas de faculdade logo no início da graduação. “Eu achava que era bom no ensino médio, tirava notas boas. Na faculdade, vi que tem gente muito mais dedicada, talvez muito melhor que eu. É uma coisa complicada ficar constantemente se comparando com outras pessoas. Para mim, esse momento chegou no segundo período do curso”, conta.

A incômoda situação acabou gerando prejuízos emocionais ao estudante, que passou por períodos marcados por desmotivações e inseguranças, seguidos por uma resolução consciente de que nada nem ninguém pode e consegue ser tão bom o tempo todo: “No meu caso, é muito cedo para decidir qualquer coisa, tenho muita coisa pela frente. Não importa o que os outros estão fazendo, importa o que você faz”.]

Segundo Moraes, aceitar que você não pode produzir sem parar, naquele ritmo do “tudo ao mesmo tempo e agora”, alivia possíveis desilusões.

A psicóloga Renata Borja diz que o ser humano tem algumas necessidades básicas: ser amado, se sentir adequado, pertencente a um certo grupo e, por fim, “todo mundo quer se sentir capaz”. Quando tais carências não são atendidas de alguma maneira, o sentimento de vazio, rejeição e suposta incapacidade podem atacar em cheio nossa autoestima.

A especialista afirma que a comparação, dependendo de como é feita, pode provocar emoções e comportamentos diferentes – positivos ou negativos. “Todo mundo faz algum tipo de comparação, mas não necessariamente em um grau que possa ser prejudicial. Se o foco está em melhorar, posso me inspirar em alguém e desenvolver outras habilidades que não tenho”, pondera a psicóloga, que acrescenta: “Por outro lado, se me comparo e vejo que não tenho recursos para melhorar, provavelmente vou me deprimir, desenvolver algum tipo de ansiedade”.

Renato Borja ressalta que é fundamental entender que somos seres diferentes e que “não é porque não se tem o modelo do fulano que se é ruim”. Márcio Aurélio Pires, 61, já se comparou a outros motoristas e julgou que alguns colegas tinham mais habilidades para resolver questões relacionadas ao trabalho.

“Isso existe em qualquer área”, aponta. “A gente nunca se sente capacitado o suficiente para poder encarar o mercado porque acha que sempre tem alguém melhor. Já me deparei com isso várias vezes”, ele completa. Pressões internas e externas invariavelmente chegam para atrapalhar. Querer abraçar o mundo não é um bom caminho: “Você tem que procurar fazer bem sua função, estar preparado, mas fazer muita coisa e não fazer nada direito também não adianta”.

Segundo Renata, muitas pessoas acreditam que ser produtivo significa exclusivamente cumprir tarefas e obrigações profissionais. E assim o fazem para se sentirem realizadas e felizes consigo mesmas. Isso é um equívoco e uma bola de neve enormes. “Ser ativo e fazer tarefas vão fazer você se sentir bem? Sim. Tenho que fazer o tempo todo? Não”, alerta a especialista em terapia cognitivo-comportamental.

É preciso ter equilíbrio para ser produtivo – não pode ser “oito ou oitenta”, como diz o ditado. É o que a psicóloga salienta: “Trabalhar em excesso não quer dizer necessariamente que a pessoa seja produtiva. A pessoa produtiva deve ter foco, quantidade não é sinônimo de qualidade. E para ser produtivo não é preciso abdicar de outras áreas da vida”.

Afinal, precisamos ser o melhor em tudo que fazemos? A resposta para esta pergunta se mostra imperativa: não – e tampouco temos de viver para sermos os melhores. Aceitar falhas, defeitos e vulnerabilidades impede que soframos desnecessariamente. Produtividade tóxica é um termo que devemos debater.

Para a estudante de jornalismo Maria Luísa Melo, 18, habitarmos uma sociedade cada dia mais disposta à competição profissional tem a ver diretamente com o capitalismo, que estimula e incentiva a concorrência – desleal ou não – no mercado: “Aquele que não possui o poder de domínio é, na maioria das vezes, massacrado, sugado o tempo todo. Se não produz, você é fraco, ruim. Isso prejudica as pessoas nos meios sociais. Elas se tornam inseguras, se comparam muito com as outras. Isso prejudica o convívio com os demais”.  

Quando a psicóloga Renata Borja fala em equilíbrio, a estabilidade em diversos aspectos de nossas vidas vem acompanhada de certos cuidados que devemos ter para não cairmos em emboscadas. “Atividade física é fundamental para nossa regulação emocional, assim como sono e alimentação de qualidade e investimentos na saúde mental por meio de lazer e da espiritualidade. A gente não pode só cumprir obrigações. Quanto mais regulados emocionalmente estivermos, maior será nossa produtividade em menos tempo”, conclui a especialista. 

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