Uma prática que já é realizada há mais de 40 anos nas florestas nacionais do Japão está chegando ao Brasil: o shinrin yoku, ou “banho de floresta”, uma terapia introduzida pela Agência Nacional de Florestas com o objetivo de minimizar o estresse da população por meio do contato com a natureza.
No Brasil, o Instituto Brasileiro de Ecopsicologia (IBE) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) assinaram Acordo de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação previsto para ser desenvolvido ao longo de cinco anos, de 2021 a 2026, para não apenas introduzir o “banho de floresta” no país, como torná-lo uma política pública oferecida dentro das Práticas Integrativas e Complementares (PICs) pelo Sistema Único de Saúde para toda a sociedade.
“O Projeto Banho de Floresta visa a estimular a aproximação da sociedade com as áreas naturais, entrelaçando os caminhos que conduzem à saúde humana, à conservação da natureza e à geração de benefícios socioeconômicos, promovendo a relação entre saúde e natureza”, defende Guilherme Franco Netto, coordenador da área de saúde, ambiente e sustentabilidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e secretário executivo de estratégia da entidade para a Agenda 2030, plano de ação para as pessoas, para o planeta e para a prosperidade da Organização das Nações Unidas.
Ele ressalta a importância de respeitar as características de cada bioma e de cada etnia brasileira. “O banho de floresta só faz sentido se a cultura e as tradições dos povos originários forem respeitadas, uma vez que eles têm grande vantagem sobre nós ao darem sentido às suas vidas a partir de uma relação com a natureza”.
Uma das metas do projeto, já em andamento, é o termo de referência que trata das diretrizes da prática. “As duas entidades já estão trabalhando na identificação de financiamentos para o estudo que vai demonstrar a eficácia dos efeitos na saúde do banho de floresta. Uma pesquisa de campo fará o detalhamento dos locais onde a prática será implantada, em quais biomas, para que possamos avaliar os aspectos quantitativo e qualitativo para a saúde”, observa Netto.
Segundo ele, “na literatura, especialmente a japonesa, há farta informação sobre os benefícios para a saúde física e mental, como diminuição dos níveis de estresse e da pressão arterial, melhora dos marcadores de diabetes e impacto positivo sobre a saúde mental, atuando na ansiedade e na depressão e, ainda, possibilitando que as pessoas passem a se relacionar num momento em que estão tão fechadas em si mesmas”.
Netto informa que a Fiocruz está em contato com o pesquisador japonês Yoshifumi Miyazaki, o protagonista da ideia do banho de floresta, a fim de usufruir de sua expertise. “Estamos conversando sobre uma possível cooperação com a Japan International Cooperation Agency na esperança de que ela possa alavancar esse projeto”.
Outra meta é criar um protocolo para nortear quais áreas poderão ser utilizadas para o banho de floresta. “Precisamos estabelecer os critérios internos que vão identificar a biodiversidade, a qualidade do ar e da água, as condições de segurança e de acesso, aspectos que já são levados em consideração pelo Instituto Brasileiro de Ecopsicologia”, comenta Netto.
Formação de guias
Muitos benefícios virão com a implantação do Projeto Banho de Floresta. “A ideia é fazer com essa prática seja incorporada à cultura brasileira de forma fundamentada e que possa se constituir em um elemento de políticas públicas na medida em que pudermos compreender melhor como ela vai interagir com os biomas brasileiros”, explica Marco Aurélio Bilibio Carvalho, presidente da International Ecopsychology Society, diretor do Instituto Brasileiro de Ecopsicologia e psicólogo clínico.
Para ele, o termo de cooperação com a Fiocruz “representa um grande passo no que diz respeito às pesquisas sobre a temática na área de saúde e natureza. Com a grandeza de sua história e a partir da excelência que marca o trabalho da Fiocruz no país, será possível avançar no conhecimento de áreas sensíveis que interconectam a saúde humana e a preservação ambiental”.
Bilibio defende que a experiência do contato com o mundo natural tem profundo significado psicológico, pois revela o encontro entre a natureza interior e a exterior. “Essa prática possui todos os elementos centrais para uma experiência conectiva de grande qualidade. A saúde é um fenômeno sistêmico e relacional e não pode estar dissociada da saúde dos ecossistemas nem sequer da saúde do planeta”.
Ele revela que as duas entidades parceiras encontram-se neste momento iniciando o desenho da pesquisa e a captação de recursos. “Estamos também trabalhando nas diretrizes pedagógicas para o ensino do banho de floresta e profissionalização dos futuros guias, ressaltando que o Instituto Brasileiro de Ecopsicologia já oferece a formação em banho de floresta”. (AED)
Experiência subjetiva muito rica
O Instituto Brasileiro de Ecopsicologia tem trabalhado para “qualificar e definir diretrizes e protocolos para a vivência do banho de floresta na esfera pedagógica, formando terapeutas florestais, avançando no processo de certificação e reconhecimento de áreas mais apropriadas para essa prática de acordo com os dados de pesquisas internacionais”, comenta Marco Aurélio Bilibio Carvalho.
Ele ressalta que o banho de floresta tem uma potência enorme do ponto de vista tanto do bem-estar quanto da sensorialidade. “É uma experiência subjetiva muito rica, que atua em duas esferas: como elemento de saúde e como elemento de proteção ambiental. A floresta entrega essa exuberância de vida animal, vegetal, as forças da natureza, o barulho da água, o canto dos pássaros, os vários tons de verde. Esse é o poder central que gera essa experiência de relaxamento”. (AED)
Pioneirismo de Yoshifumi Miyazaki
Em 1990 o pesquisador japonês Yoshifumi Miyazaki realizou a primeira prática de medição fisiológica dos efeitos do banho de floresta, a partir do nível do cortisol nas pessoas. Ao longo desses anos, a pesquisa passou por 63 lugares e analisou 756 participantes, sendo a maior base de dados já levantada sobre o tema no mundo.
Miyazaki explicou que a base da pesquisa está na compreensão da relação do homem com a natureza e a interação entre ambos. Ele defende que a sociedade não pode desconsiderar que durante 6.000 ou 7.000 anos ela evoluiu dentro da natureza.
No entanto, desde a Revolução Industrial as pessoas passaram a sofrer com o estado de estresse. “O estresse faz parte do ser humano contemporâneo, mas acredita-se que ele foi feito para se adaptar à natureza. Ao fazer o banho de floresta, o indivíduo se integra à mata e entra em sincronia com esse ambiente e, como resultado, acontece um relaxamento fisiológico, o estresse abaixa e a imunidade passa a funcionar melhor. É o que chamamos de efeito medicinal de prevenção, ou seja, não cura a doença, mas previne que o corpo adoeça”, explicou. (AED)