PROCESSO LENTO

Terceirização de vistoria do Detran-MG trava, e empresários contabilizam perdas

Serviço deveria ter começado no dia 1º de abril, mas sofreu com atrasos, e não há mais data de conclusão do processo; empresários investiram até R$ 2,5 milhões

Por Isabela Abalen
Publicado em 19 de maio de 2023 | 09:30
 
 
Alexandre Martins, proprietário da Tech Vistorias & Franchising, montou uma matriz em Belo Horizonte e mais 170 unidades no Estado Foto: Tech Vistorias & Franchising / Divulgação

terceirização do serviço de vistoria de veículos em Minas Gerais passou do prazo e não tem mais data certa de conclusão do processo. As empresas terceirizadas contavam que, desde 1º de abril, estariam funcionando plenamente, como prometido pelo delegado Eurico da Cunha Neto, diretor do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-MG) em janeiro deste ano. Nesta semana, mais cancelamentos atrasaram o processo. Com contas acumuladas, empresários ameaçam abandonar o negócio. Investimentos foram de R$ 150 mil a R$ 2,5 milhões.  

 

O objetivo é que a avaliação de veículos em Minas funcione de forma ágil, com qualidade de serviço, menos burocracias e sem onerar o bolso do cidadão – os valores foram tabelados pelo governo de Minas e só aumentarão com o aval do Estado. Mas, passado mais de um mês desde o prazo de finalização, a falta de receita pesa nas contas dos empresários, que mantêm os custos com aluguel e adequação de imóvel, compra de equipamentos e pagamento de equipe, por exemplo, desde junho de 2022.   

 

“A verdade é que as empresas já estão sufocadas pela demora. O investimento de cada empresário não fica em menos de R$ 150 mil – alguns, passam do milhão. São pessoas que acreditaram no projeto, alugaram imóveis, treinaram funcionários e estão sem gerar renda há quase um ano. Começa a ficar insustentável”, explica Natália Cazarini, presidente do Sindicato das Empresas de Vistorias de Identificação Veicular e Motores (Sindev-MG). 

 

Demora na regularização 

Mesmo que empresas de vistoria terceirizadas estejam regularizadas desde 2008 e em funcionamento em outros Estados do país, em Minas o processo teve início após a publicação do Decreto 48.511, de junho do ano passado. Desde então, três tipos de empresas passam pelo processo de credenciamento: de vistoria de veículos, de cursos de formação de vistoriadores e de tecnologias de informação (TI), que vão oferecer as ferramentas digitais do serviço. São ao todo seis etapas, desde análise de documentos até avaliação de conformidade e corpo técnico.  

 

As escolas de formação já estão com processo finalizado, e três funcionam no Estado, o que permitiu o treinamento de quase mil vistoriadores. Agora, as empresas de vistorias dependem somente da integração dos sistemas de TI. Este último passo iria acontecer nos dias 23, 24 e 25 de maio, na semana que vem, mas foi cancelada sem marcação de nova data. 

 

“Esse processo deveria ter ocorrido em fevereiro, passou para abril, e acaba de ser adiado novamente. É a única etapa que falta e, sem ela, ficamos parados. As empresas que estão investindo em grandes centros, como BH, Contagem, Betim, estão com um aluguel absurdo”, continua Cazarini. “Essa demora na liberação dos credenciamentos gera incertezas e medo de prejuízos incalculáveis”, lamenta.  

 

Com o acúmulo de contas, alguns negócios já estão ameaçando abandonar o projeto antes mesmo do seu início. “Conheço empresários que não estão aguentando mais pagar o aluguel e estão fechando. Essas empresas se programaram para estarem operando em uma data, mas muitos vão ficar no meio do caminho”, conta Alexandre Martins, diretor da empresa de vistorias veiculares Tech Vistorias & Franchising, que possui matriz em Belo Horizonte e mais 170 unidades no Estado.  

 

Alexandre já contratou 12 funcionários que passaram por treinamento de vistoria e recebem salário normalmente. A loja matriz, localizada na Savassi, região Centro-Sul de BH, teve um investimento alto em qualidade. “Levamos em consideração as obrigações do decreto, mas fomos além, é uma loja modelo que não existe em todo o país. A situação é complicada porque são funcionários registrados, que estão sendo pagos mesmo sem entrar dinheiro”, continua.  

 

O empresário já estava com o estabelecimento montado e seguindo todos os requisitos exigidos pelo governo antes mesmo da publicação do decreto de junho de 2022. “Fomos um dos primeiros a ficar prontos em Minas. A previsão era de abertura em dezembro, depois em fevereiro, e foi se postergando. É um projeto muito bem feito e que será bem executado, só precisa começar a andar”, diz.  

 

Do lado das empresas de Tecnologia de Informação (TI), Luís Neca, diretor da empresa Oxxy.Net, aguarda as novas datas das provas dos sistemas. “Estávamos marcados para dia 23 de maio, então recebemos um e-mail dizendo que foi cancelado e que a nova agenda seria avisada com dez dias de antecedência. Não temos nenhuma informação sobre o motivo desse cancelamento”, conta. No e-mail, está escrito que o adiamento foi “a pedido do presidente da comissão”.  

 

Na semana que vem, seria realizada a prova técnica de integração e processamento do sistema para que fosse, então, finalizado o credenciamento das empresas. “Nos deram o prazo para final de abril, gera uma expectativa muito grande, principalmente pelos investimentos que têm sido feitos. Ficamos apreensivos para iniciar logo o trabalho, gerar receita e minimizar os custos que estamos tendo”.  

 

Para os sistemas de TI, um valor aproximado de investimento foi de R$ 2,5 milhões. Os valores precisam cumprir exigências como armazenamento de fotos e filmagens por dez anos, sistemas de nobreak, gerador, servidores de banco de dados, entre outros. “O investimento é alto. O serviço pede captura de informações e formação de base de dados, imagens em alta resolução, sistemas ágeis”, continua. Neca está conseguindo manter o serviço por receita de outras empresas em funcionamento no Brasil. 

 

O que diz o Detran-MG

O Detran-MG não respondeu sobre o atraso no credenciamento das empresas, apenas afirmou que elas passam, no momento, por análise das documentações. De acordo com o órgão, antes da implementação do serviço no Estado, haverá um projeto-piloto em três cidades mineiras ainda a serem definidas. “Com previsão de início das atividades no primeiro semestre de 2023”, afirma. Essa informação não estava detalhada nos decretos do Estado.   

 

Privatização é bem-vinda por usuários

Uma fila de três quarteirões esperava pelos motoristas que agendaram uma vistoria de veículo no Nova Gameleira, na região Oeste de Belo Horizonte, nessa quinta-feira (18). Na espera debaixo de sol, a notícia de privatização do serviço foi bem recebida.  

 

“Penso que privatizar é uma boa. Assim, acredito que todo o processo de vistoria possa acontecer mais rápido”, diz Thiago Rezende, gerente de vendas de 40 anos. Para ele, uma das melhorias que precisam acontecer é a possibilidade da avaliação do veículo em outras áreas da capital, além da unidade no Nova Gameleira. “Oferecer o serviço em outras áreas da cidade seria melhor. Assim, não concentraria todo mundo aqui. Além de que pede um deslocamento maior”, continua.  

 

Já o gerente de tecnologia da informação, Bruno Souza, de 35 anos, espera que as empresas possam oferecer um atendimento ao cliente mais satisfatório. “A minha opinião é que vai melhorar. Eu estou fazendo um retorno, por um problema que foi apontado no guidão da minha moto. Do jeito que a equipe tratou o assunto, me senti desrespeitado, sem voz, mal entendi o motivo do problema”, relata.  


  
Segundo o empresário Alexandre Martins, a entrega do serviço vai corresponder às expectativas. “Para a população, só há melhorias. Em vez de procurar um órgão do Detran, uma delegacia de polícia, o cidadão vai até a empresa mais próxima dele, com horário agendado, o que vai eliminar as filas de espera”, afirma.  

 

O aperfeiçoamento no atendimento também é uma das apostas das empresas. “O valor será o mesmo, mas o cliente vai receber um atendimento especializado, na recepção, com ar-condicionado, sem ficar esperando na rua. Com o tempo, essas vistorias bem-feitas vão ajudar a aumentar a segurança no trânsito”, aponta Martins.  

 

Liberação de policiais civis 

Um dos objetivos do Detran-MG com o credenciamento de empresas de vistoria de veículos é o remanejamento dos policiais civis. “Os policiais civis que atualmente trabalham exclusivamente nas atividades do Detran-MG passarão a se dedicar inteiramente às atividades finalísticas de investigação da Polícia Civil”, afirma o órgão em nota.  

 

Para o presidente do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais (Sindpol-MG), Wemerson Oliveira, a mudança não vai trazer verdadeiro impacto no déficit de investigadores em Minas. Segundo ele, o cargo é o de maior falta nas delegacias do Estado. “Ajudar, ajuda, mas o impacto é pequeno. Os servidores que atuam com exames de carteira, por exemplo, já fazem isso fora do horário de trabalho. E os investigadores que estão nas vistorias não são nem 2% do reforço que precisamos de verdade”, afirma.  

 

O presidente chama a atenção, também, para as delegacias do interior. “Não vai resolver o nosso maior problema, que é no interior. Essas unidades do Detran não vão sair da responsabilidade da Polícia Civil tão cedo. Muito mais interessante seria chamar os concursados que foram aprovados na primeira fase do último concurso, mais de 3.000”, reforça. De fato, o Detran-MG informou que nas localidades onde não existirem empresas credenciadas de vistoria, a Polícia Civil continuará prestando o serviço.  


 
O que diz o governo de Minas Gerais, na íntegra: 

O Governo de Minas informa que a prestação do serviço de vistoria de identificação veicular por empresas credenciadas ao Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG) ocorrerá após o credenciamento das Empresas de Tecnologia da Informação de Vistoria (ETIV) e das Empresas de Formação de Vistoriadores (EFV). As ETIVs serão as empresas responsáveis pelo provimento de tecnologia com vistas ao gerenciamento, à conferência e à integração da vistoria de identificação veicular. Já as EFVs serão responsáveis pela formação inicial teórica e prática dos vistoriadores que integram o corpo técnico das Empresas Credenciadas de Vistoria (ECV). 

Os processos necessários para os credenciamentos das empresas foram iniciados e o Detran-MG está em fase de análise das documentações protocoladas. Para garantir o pleno funcionamento dos sistemas e a qualidade do novo modelo de prestação do serviço, antes da implementação em todo o estado, o Detran-MG realizará um projeto piloto em três cidades mineiras a serem definidas, com previsão de início das atividades no primeiro semestre de 2023. Outros detalhes serão publicizados em momento oportuno, após o término da análise das documentações enviadas pelas empresas interessadas no processo de credenciamento. 

Com o credenciamento de ECVs, o governo de Minas Gerais tem o objetivo de ampliar a força de trabalho no campo da investigação criminal. Os policiais civis que atualmente trabalham exclusivamente nas atividades do Detran-MG passarão a se dedicar inteiramente às atividades finalísticas de investigação da Polícia Civil. Vale ressaltar que nas localidades onde não existir ECV credenciada, a Polícia Civil continuará a prestar esse tipo de serviço normalmente.”