A sorte de um amor tranquilo, como aquele dos versos de Cazuza em “O Tempo Não Para”, Patrícia Parenza encontrou aos 49 anos. “Nunca foi tão leve, tão pleno, tão tranquilo. Está sendo a melhor relação da minha vida”, conta a comunicadora digital, que completa: “Estabelecer um namoro chegando à casa dos 50 foi uma decisão que pude tomar com mais liberdade e consciência, sem sentir aquela pressão de quando somos jovens, quando há uma expectativa que a gente se case e que constitua uma família”. Sem essa cobrança, ela se sentiu mais à vontade para se entregar a uma história que escapasse àquele tradicional arranjo matrimonial. Algo que, aliás, Patrícia prefere evitar. “Eu quero namorar o resto da vida, mas não quero mais me casar, não quero mais morar com ninguém. E talvez esse seja um dos grandes ganhos da maturidade: a gente se sente confortável em buscar novas formas de nos relacionarmos”, aponta.
Histórias como a de Patrícia não entram para as estatísticas oficiais, mas apontam para uma tendência já perceptível: hoje, mais pessoas ingressam em relacionamentos novos após os 50 anos. No caso daqueles que optam pela união de papel passado, por exemplo, o número de noivas a partir dessa faixa etária praticamente dobrou entre 2007 e 2017 no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por outro lado, em relação ao número de mulheres que se casam antes dos 24 anos, a tendência é de queda.
Ainda segundo o instituto, as brasileiras se casam, em média, aos 28 anos – em 1998, era aos 23. E, de acordo com especialistas, a propensão é que, cada vez mais, elas estabeleçam ou voltem a estabelecer laços em uma fase em que se sintam mais amadurecidas.
Colaboram para a constituição dessa nova realidade o fato de a expectativa de vida ter se ampliado nas últimas décadas e de o divórcio ter deixado de ser um bicho de sete cabeças. Além disso, “cada vez mais as mulheres postergam esse momento (o matrimônio ou a primeira gestação), por priorizar o estudo ou o profissional”, observou o ginecologista Marco Melo em entrevista a O TEMPO em que comentou sobre como cada vez mais pessoas optam por ter filhos mais tardiamente. Entre aquelas com mais de 50 anos, o número de partos cresceu 55% entre 2009 e 2019, conforme o IBGE.
Filhos, preconceitos e traumas podem impor desafios
Mesmo que exalte a satisfação em iniciar uma nova relação aos 50, Patrícia Parenza reconhece que há desafios específicos que serão mais comumente enfrentados por casais nessa faixa etária e que estão vindo de outros relacionamentos. Obstáculos que a sexóloga Carla Cecarello, do site de encontro casual C-date e Solteiros50, está habituada a ouvir.
A especialista cita dois fatores que, comumente, afetam a relação desses novos casais: os traumas associados a enlaces amorosos anteriores e o preconceito etário – quando a pessoa se julga ou é julgada velha demais para certas atividades, como para voltar a namorar. “Esses são elementos que podem funcionar como uma barreira, impedindo que a pessoa se entregue efetivamente ao outro ou sendo um gerador de conflitos, já que mitos e crenças limitadoras podem ser transpostas para a relação, o que vai gerar conflitos e desentendimentos”, aponta em uma análise que está em consonância com o relato de Patrícia.
“Eu venho de dois casamentos. No primeiro, entrei com 23 anos e saí aos 30. E o segundo durou dos 35 aos 43”, comenta ela que, apesar de influente nas redes sociais, rejeita o título de influenciadora. A bagagem que acumulou dessas outras histórias de amor contribuíram para que Patrícia compreendesse melhor o que buscava em uma relação romântica. “Se não tiver cumplicidade, segurança e leveza, não serve. Hoje, não admitiria ter que dar ou ter que pedir satisfação”, sinaliza, indicando que esses términos já estavam bem resolvidos quando ingressou no novo namoro.
Patrícia também comenta que a presença de filhos deve ser considerada. “Eu tenho um filho de 12 anos. E o Marcelo (o namorado dela, de 57 anos) tem dois filhos, e um deles também está entrando na adolescência. É claro que precisamos mediar o tempo todo esse trato, que precisamos saber lidar com isso”, menciona.
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Ao mesmo tempo, a comunicadora reforça que foi fundamental a busca por autocompreensão. “Lá pelos meus 46, comecei um relacionamento. Mas, naquele momento, foi bem difícil para mim. Eu realmente me achava velha, me sentia desinteressante. Era como se aquele lugar, do namoro, não fosse mais para mim”, confessa. Foi quando percebeu que, antes de qualquer união, precisava estar bem consigo mesma e decidiu começar a pensar mais sobre o processo de envelhecimento.
“Então, aos 49, comecei essa nova relação com um cara mais velho, de 57, e, curiosamente, já não tinha esse sofrimento. Eu estava sem grilo nenhum e me sentia inteira, plena”, narra. Para ela, esse processo de autoconhecimento e de quebra de paradigmas, desconstruindo a ideia de que a jovialidade é sempre positiva e o envelhecimento é negativo, foi essencial para a construção de uma relação que ela define como sólida, leve e madura.
Outros desafios
Dilema. Carla Cecarello indica que, nessa fase etária, iniciar um namoro implica encarar certos dilemas. “Há muitos questionamentos. Por exemplo, se a pessoa já tem sua rotina estabelecida, pode sentir que o matrimônio, aos moldes tradicionais, não irá funcionar para ela”, diz.
A sexóloga relata que, principalmente entre as mulheres que se relacionam com homens, muitas temem que, ao se casarem novamente, haja cobrança quanto ao cuidado dos afazeres domésticos e que tenham que mudar o próprio ritmo de vida, perdendo independência. Portanto, morar junto nem sempre é uma opção aventada por essas pessoas, que costumam preferir outros arranjos amorosos.
Relações líquidas. “Uma das principais dificuldades é encontrar alguém que queira ter um relacionamento estável, porque, mesmo após os 50 anos, há um relato bastante frequente de que as pessoas não querem compromisso, que querem apenas curtir, que ninguém está a fim de uma relação estável”, expõe a sexóloga.
Conservadorismo. Ela acrescenta que outra queixa comum, especialmente entre mulheres heterossexuais, está relacionada à dificuldade de encontrar alguém que não se vincule a conceitos muito estreitos e rígidos e que não insista em um pensamento muito conservador e machista.
Tecnologia. A especialista ainda observa ser cada vez mais comum que pessoas com mais de 50 busquem novas parcerias com auxílio de aplicativos de paquera, de redes sociais ou de sites especializados. Em concordância com outros especialistas, ela percebe a virtualização das relações como uma tendência irrefreável – e que se acentuou desde a chegada da pandemia de Covid-19.
Entretanto, adverte serem necessárias campanhas educativas sobre medidas de segurança a serem adotadas nessas plataformas, evitando-se, assim, a ocorrência de golpes.
Identificação social. Por fim, Carla diz ser recorrente entre pessoas com mais de 50 anos a busca por parceiros com os quais se identificam socialmente. Em geral, explica ela, busca-se alguém que esteja em um mesmo patamar econômico e/ou educacional.