O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, fez nesta quarta-feira (21) duras críticas aos militares que se envolveram com a política. Falou em “politização indevida” das Forças Armadas, que, segundo ele, tiveram um “comportamento decepcionante” ao levantar “desconfianças” sobre o sistema eleitoral brasileiro.

Barroso, que presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de maio de 2020 a fevereiro de 2022, deu a declaração durante entrevista ao programa Conexão, da GloboNews, na manhã desta quarta-feira. Para ele, parte das Forças Armadas embarcou na campanha liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro que levantou suspeitas sobre a votação eletrônica.

“Para enfrentar esse problema, eu montei uma Comissão de Transparência porque nós não tínhamos nada a esconder. E chamei diversos segmentos representativos da sociedade [...]. Chamei as Forças Armadas, e preciso dizer, lamentando muito, que tiveram um comportamento bastante decepcionante. Chamei para dar transparência, para ajudar na segurança, para prestigiar a instituição e eles acabaram sendo manipulados para levantar desconfianças e suspeitas infundadas", afirmou.

Barroso acrescentou que a participação dos militares na comissão foi “muito frustrante”. "Prova de que uma má liderança faz muito mal para uma instituição”, disse. Ele destacou que os militares nunca conseguiram apontar provas de falhas ou fraudes. E citou mensagens de texto e áudio interceptados pela Polícia Federal (PF) em investigação que culminou na operação desencadeada há duas semanas e que mira Bolsonaro, seus ministros e outros assessores, incluindo generais.  

“Apesar de tudo, apesar de terem tentado levantar suspeitas, procurado incansavelmente alguma coisa errada, tiveram que fazer um relatório dizendo 'não achamos'. No final das contas, foi altamente legitimador do processo eleitoral você ter alguém lá dentro procurando alguma coisa errada. Se você vê as gravações, eles reclamam 'ninguém conseguiu encontrar nada, que coisa horrível, temos que encontrar alguma coisa”, concluiu Barroso.

‘Pior coisa para a democracia é general em palanque’

Barroso também falou sobre as investigações da Polícia Federal sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado articulada durante o governo Bolsonaro, e que tinha como um dos pilares o questionamento da Justiça Eleitoral e do resultado das urnas. Além do ex-presidente e de ministros do governo dele, há dezenas de militares apontados como supostos envolvidos nas tratativas.

“Infelizmente, se reavivou uma assombração que já achávamos enterrada na vida brasileira, que é a do golpismo. A verdade é que as Forças Armadas no período pós-1988 haviam tido um comportamento exemplar e recuperado o prestígio que eu acho que a instituição merece. São pessoas que vão para os lugares mais remotos do Brasil, não é uma vida fácil. Eu tenho apreço pela instituição”, declarou Barroso.

“A pior coisa que existe para a democracia é general em palanque. Acho que houve uma politização indevida a ser lamentada, mas acho que as instituições prevaleceram, conseguimos recuperar a institucionalidade”, prosseguiu.

Ainda sobre o tema, Barroso citou nomes de generais que ocuparam postos de comando nas Forças Armadas nos últimos anos e, segundo ele, ajudaram a “impedir o avanço do sentimento golpista” nas tropas.

Entre eles, o general Fernando Azevêdo e Silva, ministro da Defesa nos primeiros dois anos do governo Bolsonaro; o general Marco Antônio Freire Gomes, que comandava o Exército na gestão Bolsonaro durante as reuniões com tom golpista; e o atual comandante do Exército, Tomás Ribeiro Paiva.

“No final do dia, as Forças Armadas não faltaram ao país, apesar de ter tido lideranças que procuraram levar para o passado. Para uma fase da história da humanidade que não tem mais lugar”, disse Barroso.

“A democracia tem muitas dificuldades, mas nesses 35 anos da Constituição de 1988 tivemos estabilidade institucional, estabilidade monetária e uma expressiva inclusão social. No Brasil ainda há muita pobreza e muita desigualdade, mas nós superamos os índices de pobreza que eram previstos nos Objetivos do Milênio até 2000, e acho que vamos conseguir, se voltarmos a crescer, distribuir riquezas – que é o grande problema brasileiro”, completou.