Recentemente, foi amplamente noticiado que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) passará a utilizar Inteligência Artificial (IA) para auxiliar a análise e o julgamento de aproximadamente 75 mil recursos tributários atualmente em tramitação. A proposta busca otimizar a tramitação processual, reduzindo prazos e aumentando a eficiência administrativa. Mas será que essa inovação é capaz de transformar completamente o cenário do Carf?
Como ex-conselheiro do Carf, acredito que os noticiários tocam em pontos verdadeiros, mas com algumas ressalvas importantes. Historicamente, o Carf já demonstrava intenção de segmentar os processos em grandes blocos temáticos; isso já era observado na publicação das pautas de julgamento que agrupam temas semelhantes, como ágio interno, ágio em empresas veículo, Declarações de Compensação (Dcomps) e outros. Essa estratégia permite a criação de jurisprudência consolidada e, consequentemente, permitiria a criação de modelos padronizados de votos para os julgadores.
Nesse contexto, a IA surge como uma ferramenta promissora. Ela pode ajudar a sintetizar processos, identificar precedentes relevantes e até mesmo preparar minutas de votos. Essas funcionalidades têm o potencial de aliviar a carga de trabalho dos conselheiros e acelerar as etapas iniciais da análise.
Todavia, embora o uso de IA seja uma inovação, a ideia de que ela reduzirá drasticamente os prazos de julgamento parece superestimada. A tramitação de processos no Carf não depende apenas da análise inicial. Existem etapas, como as diligências, que frequentemente atrasam o andamento, especialmente em casos de PerdComps. Essas diligências demandam informações adicionais de outras esferas administrativas, e seu tempo de resposta foge ao controle do Carf. Portanto, mesmo que a IA seja eficaz na sistematização dos dados, as limitações estruturais e operacionais ainda representarão desafios para uma redução significativa dos prazos.
Outro ponto que merece atenção são os riscos associados à implementação da IA. Há a possibilidade de que os resumos e análises preliminares gerados por algoritmos sejam enviesados em favor da fiscalização. Isso pode ocorrer de maneira sutil, na seleção de precedentes ou na interpretação inicial dos fatos. Um sistema projetado ou treinado com maior foco nas teses fiscais pode influenciar, direta ou indiretamente, conselheiros menos experientes a decidir em favor do Fisco. Além disso, há um risco inerente em depender de IA para questões que envolvem a análise subjetiva e interpretativa, que são fundamentais nos julgamentos tributários. A autonomia do julgador e a riqueza do debate técnico precisam ser preservadas.
Em resumo, acredito que a IA no Carf é uma inovação bem-vinda e com grande potencial para otimizar processos. Entretanto, é preciso cautela. Os desafios operacionais e os riscos de viés devem ser enfrentados com transparência e rigor técnico. É fundamental que a IA seja uma ferramenta para auxiliar, e não substituir, a análise humana qualificada. A evolução tecnológica deve caminhar junto com a capacitação contínua dos conselheiros e com a garantia de imparcialidade nos julgamentos. Essa abordagem equilibrada permitirá que a IA seja um catalisador de eficiência no Carf, sem comprometer a qualidade e a justiça das decisões.
Antônio Paulo Machado
Professor do Ibmec BH