Se nascer fosse por sorteio, não estaria aqui. Nunca venci nenhum.

Posso cultivar um jardim de arruda, emendar figa com todos os dedos, montar um altar no quarto, madrugar com reza brava, fixar-me em pensamentos positivos, mas jamais serei sorteado. 

Até na minha cartela de bingo, não preencho uma linha ou uma coluna na transversal. 

Já troquei dezenas de notas fiscais por números nas promoções dos shoppings, e ninguém me telefonou para me felicitar por um carro zero. 

É um movimento inútil depositar minha inscrição na urna transparente. 

Jogo na Mega-Sena toda semana, e me contento quando acerto uma dezena. 

Nunca levei televisão, geladeira, máquina de lavar das contribuições mensais para entidades beneficentes. 

Por mais que eu levante a carteira de sócio no estádio, a câmera não me localiza, e a camiseta do time autografada pelos jogadores não pousa em meu armário.

Nas festas da firma, não descolei nenhuma viagem a Porto Seguro com direito a acompanhante. Tampouco fui o acompanhante de algum sortudo. 

Não obtive nenhuma bicicleta em rifa da escola. Nenhuma bola. Nenhum skate. 

Nada. Nadinha.

Estou invicto de surpresas na minha existência. 

Há sempre alguém próximo a mim que teve um tiquinho de glória, um naco de fortuna, uma fatia de torta do destino, provando que os concursos não são forjados. 

Não desprezaria nenhum brinde: grampeador, caixa de lápis de cor, passeio no zoológico, diárias em motel.

Qualquer sortilégio pequeno e indefeso para chamar de meu. Qualquer prêmio simbólico para esnobar diante dos amigos e familiares. Qualquer lembrancinha para dizer que as horas não são iguais.

Ofertas de livros em lançamentos não vêm para mim, locutor de rádio distribuindo ingressos não fala meu nome. Todos ao redor recebem mimos, menos eu. Da montanha de papéis jogados para cima pelos apresentadores, meu papelzinho voa para longe das mãos. 

Os cartões de fidelidade dos restaurantes expiram antes que eu consiga completar as dez refeições para desfrutar de uma grátis. 

Eu estava me resignando ao histórico, quando me dei conta de que não há ninguém no mundo com mais bênção do que eu. Trata-se de uma desfeita reclamar. 

Sei muito bem onde gastei toda a minha sorte. Foi ao encontrar Beatriz, a minha esposa. É quase uma década de felicidade. 

Ganhei a maior premiação da vida: o amor tranquilo, alguém que me entende e me admira, que me apoia e me incentiva, uma companhia leal e fiel, cúmplice e gentil. Todo dia experimento grandiosa ventura, do café da manhã a dormir de conchinha. 

Gosto de conversar, gosto de ouvir, gosto da risada, gosto de viajar junto, gosto de passear, gosto de dividir as aflições, gosto de partilhar as esperanças. Gosto, inclusive, de mim gostando dela. 

Ao lado de Beatriz, enfrento o azar com gosto. O azar eventual nada é perto da dádiva constante de ser amado.