Sem a saudade, não há amor.

Sem a saudade, você jamais descobriria que alguém é importante para você.

Sem a saudade, você não seria capaz de perdoar qualquer pessoa.

Sem a saudade, você acharia que a sua biografia é pequena, que o seu universo é banal, e nada teria graça.

Sem a saudade, você seria engolido pela pressa e não existiria sequer um lugar para retornar. A viagem seria somente ir, num desapego veemente. A saudade é ter um destino.

Mais do que voltar ao passado, corresponde a renovar o futuro. Você quer aperfeiçoar o que o alegrou um dia.

A saudade é um apetite de coragem, uma sede de ternura, uma fome de contato.

Diferentemente da possessividade do ciúme, que é cobiçar uma pessoa exclusivamente para você, anular o contexto do seu par, a saudade é doação: você deseja se dar para alguém.

A saudade é livre, desinteressada, soberana. É mais potente do que o amor, porque não reconhece um fim. É onde o romance se mantém intacto além do tempo.

Se você sente saudade, você precisa do outro. A saudade é uma confissão de valor, um elogio da presença que cresce na falta.

A saudade é não conseguir mais esquecer um afeto. Não há como apagá-lo de sua trajetória, já que influencia até seu jeito de se comunicar com o mundo.

Estive dez dias longe de minha esposa, numa maratona de palestras no Paraná, Mato Grosso do Sul e em São Paulo.

Eu recobrava cada detalhe de nosso cotidiano, a ponto de aspirar o seu perfume, de ouvir a sua voz, de perceber a sua vibração ao meu redor, mesmo distante.

De manhã, eu beijava a sua boca que não estava ali. De tarde, eu roçava com a minha barba a maciez da pele do seu rosto que não estava ali. De noite, eu cheirava o cangote do seu pijama rosa que não estava ali.

Telefonemas não eram suficientes para a imersão desse sentimento. Mandar selfies, imagens do prato de comida, das paisagens da estrada, das roupas que eu vestia, dos locais que eu conhecia não era suficiente.

Quem me via poderia supor que eu tinha enlouquecido. Afinal, eu reagia à Beatriz que só estava visível para a minha saudade.

Não se tratava de dependência, mas reverência.

É como se eu fosse um porta-joias, um estojo, guardando relíquias de nossos diálogos, de nossas piadas, de nossas risadas, de nossas preocupações, de nossas esperanças.

Era impossível suspender a reciprocidade. Pois vinha de dentro de mim.

Por isso, eu acredito que, com o decorrer da convivência do casal, vai se formando uma existência paralela, uma vida da saudade, independentemente do que aconteça.

Não é você que escolhe o que recordar, é a saudade que devolve tudo o que você julgava não ter reparado. A saudade é se lembrar do que você não se lembrava. É viver de novo o que você ainda não assimilou direito. É uma emoção antes do pensamento.

A saudade é um mistério a dois. Depois dela, você não tem mais medo de morrer sozinho.