É possível dar certo com diferença de 10, 15, 20 anos?
Sim, sem dúvida. Desde que ambos não caiam numa guerra de implicâncias, um não invente de chamar o seu cônjuge de “velho”, ou muito menos estabeleça aquelas piadas ingratas e nada afrodisíacas: “Quando eu tinha 20 anos, você ainda nem era nascido”.
O humor machuca, o humor separa, o humor tensiona nesses casos. O bullying dentro da relação, sob a forma amistosa de brincadeira, atinge a sua mais grave manifestação.
O que ajuda é ser didático sem ser escandaloso. Ou seja, partilhar lembranças da infância evitando usar expressões excludentes: “Como que você não sabe?”.
O Google e o YouTube devem ser padrinhos do casamento, fontes para cada um pesquisar o que o outro viveu.
Assim ninguém ficará desfavorecido, e não prevalecerá aquela arrogância de afirmar “na minha época, tudo era melhor”.
Há quem se desenvolva intelectualmente de modo precoce, há quem retarde a sua adolescência até a meia-idade. O importante é ter projetos em comum. Os sonhos não conhecem a velhice.
Se não há menor envolvido, se não há vulnerabilidade social, tudo bem.
A inveja sempre existiu e sempre existirá, buscando boicotar romances de formações diversas, como se houvesse oportunismo e segundas intenções por trás da harmonia de beijos e abraços.
O par terá que aguentar as confusões na rua e as alfinetadas de gente maldosa que chamará a esposa de “filha”, de “mãe” ou até de “avó”, ou o marido de “filho”, de “pai” ou até de “avô”. Respire fundo, responda a verdade e deixe o interlocutor experimentar sozinho o mal-estar. Não guarde o constrangimento para si, passe adiante.
Por causa da preferência pelas polêmicas e pelas fofocas, não se comenta sobre as vantagens de ser casado com quem é da mesma geração.
Beatriz e eu somos menosprezados. Nossa diferença é de apenas quatro anos.
Reina uma beleza secreta na cumplicidade. Dispomos de uma parceria para gargalhar na internet e para suspirar simultaneamente por filmes românticos de nossa juventude, como “Clube dos Cinco” e “Alguém Muito Especial”.
Surgimos nos anos 1970. Ela em 1977, eu em 1972. Jamais ela insinuou que estou senil, ou zombou do meu condicionamento físico, ou censurou alguma evocação do passado, como se eu fosse um dinossauro.
Nenhum dos dois quer provar que é mais atual, mais resistente, mais jovial.
A performance não é maior do que a sinceridade. Confessamos o cansaço facilmente, acolhemos o sono no maior desembaraço. Nosso pique é parecido, sem cobranças nem indiretas. Concordaremos na hora de ir embora de uma festa, com aquele nosso olhar telepático de que já aconteceu o que tinha que acontecer.
Nem por isso nos acomodamos. Priorizamos viagens longas para países que possam nos exigir fortes caminhadas e exaustivos passeios. Ninguém reclama de dor nas pernas.
Quando esqueço o nome de uma banda ou de um programa de televisão, tenho a quem perguntar. Minha esposa é a minha nuvem.
Não aponto ao céu para mostrar meu planeta, sequer me encontro datado.
Não preciso explicar quem foram os Menudos, ou que a Cuca do “Sítio do Pica-Pau Amarelo” era um jacaré com peruca, ou que ligávamos a televisão sem controle remoto. Ela virou as bolachas dos LPs tanto quanto eu, ela gravou músicas diretamente da rádio em fitas cassete tanto quanto eu, ela decorou as janelas do quarto com adesivos tanto quanto eu, ela usou broches em coletes tanto quanto eu, ela carregou fichas telefônicas nos bolsos para falar em orelhões tanto quanto eu, ela dominou a datilografia tanto quanto eu.
Nossa intimidade desmonta qualquer solidão que venha do nascimento. É uma delícia amar alguém com idade igual.
As únicas desigualdades são regionais. Ela nasceu em Minas, eu nasci no Rio Grande do Sul. Mas ela tem sido uma professora tão eficiente que já me sinto mineiro. Falta pouco para receber meu Uai Card.