Mineiro quando gosta de alguém recebe na cozinha. Na mesinha bagunçada, rodeada de banquinhos de madeira. 

A sala de jantar é reservada para os estranhos, para os negócios, para as festas. 

Já a cozinha é a parte do lar sempre ocupada. A naturalidade e a modéstia do ambiente colaboram para a intimidade e longevidade das relações. 

No inverno, lembra uma lareira de tão aconchegante. No verão, assemelha-se a um corredor de vento, com todas as janelas abertas. 

Cozinha do mineiro nunca para, o fogão jamais descansa, a louça não tem trégua de secar no escorredor.

Geladeiras são abertas mais do que as portas. 

Os temperos permanecem acessíveis e enfileirados em potes com renda nas tampas. As panelas são os quadros pregados entre os azulejos. Sua adoração é avistar tudo o que pode ser usado. 

Haverá algum crucifixo, uma imagem de Cristo ou frase religiosa no alto das paredes, formando um altar das crenças da família. Mesmo quem não é religioso, conserva uma lembrança dada pelos pais. Ainda que não seja praticante, a fé é herdada de geração a geração. 

É o lugarzinho onde ele se sente mais à vontade, lembrando do tempo em que a sua mãe cozinhava e ele cumpria os deveres da escola espiando os movimentos da colher de pau. Naquela época, o cheiro da comida impregnava os cadernos. 

Quem não realizou as tarefas dos professores durante a preparação do jantar, encolhido  entre o feijão no alguidar e a massa do bolo descansando? 

Nenhuma escrivaninha, nem o conforto do quarto, seria capaz de competir com o olfato sendo acarinhado pela fumaça dos pratos prediletos. 

A sinceridade, para o mineiro, só vem com a emoção. Na cozinha, ele se vê mais comovido, tomado de lembranças para abrir os seus pensamentos e partilhar as suas inquietações. Nos demais cômodos, será diferente: fechado, discreto e reservado.

É o seu confessionário, falando de pé com a alma sentada. Indo de um lado para o outro, tirando um cafezinho com coador de pano para abrir o apetite da conversa.

Tem a mania de demorar para se acomodar e se aquietar no assento. Prefere acolher as visitas caminhando de armário a armário, procurando presentear a companhia com uma surpresa. 

Para quem é de fora, pode entender que é nervosismo. Para quem é daqui, é apenas a alegria da casa cheia. Movimentar-se é sinônimo de altivez, de disposição, de bom humor. 

Puxará uma frigideira ou uma forma, inesperadamente, sem perguntar se deseja algo, ele tem certeza de que espera um agrado para fazer valer a viagem. 

Não existe como sair da casa dele no seco, com fome, antes de beliscar um tira-gosto na tábua. Ele vai oferecer e terá que provar. Não invente de negar, alegar que não precisa ou que não está com vontade. Essa história de que já comeu antes não cola, não é desculpa para o mineiro que vive comendo. Ele na cozinha é rei mago, querendo satisfazer e contentar os seus amigos. 

Em vez de ouro, incenso e mirra, trará em suas mãos torresmo, pão de queijo e broa.