Minas Gerais tem profissões folclóricas e inusitadas que não existem em nenhum canto do Brasil. São ofícios enraizados na cultura, vocações e hábitos secretos passados de geração a geração, ampliando a alegria de viver e a predisposição afetiva pela proximidade.
Em meus dois anos em Belo Horizonte, já classifiquei funções pitorescas que não constam ainda em nenhum compêndio mineirês. Vamos aos fatos:
Jogador de peteca: não é uma brincadeira ingênua infantil no Estado, mas um esporte sério, capaz de inimizades profundas e brigas vitalícias. Há campeonatos de peteca nos clubes, como se fosse vôlei de fina motricidade, onde a bola é substituída pelo peso de penas. Se houvesse uma categoria nas Olimpíadas, os mineiros levariam ouro na certa.
Empilhador de tropeiro: ninguém come um tropeiro sem repetir. Nos estádios, é o lanchinho típico antes das partidas. A torcida em Minas canta o amor ao seu time de barriga cheia. Por isso estão sempre felizes, não importa o resultado.
Pedestre de ladeira: mineiro testa a gravidade. Acho que tem uma parceria com a Nasa. Vive inclinado subindo calçada.
Ornitólogo de filho: pais diferenciam o canto dos pássaros para as suas crianças. Ficam monitorando as árvores e apontando o dedo. Ainda acreditam no poder da mata.
Maquinista de conversa: para trocar os trilhos de assunto, mineiro usa o trem como exclamação. É tipo: já deu esse tema, vamos para o próximo.
Tia rezadeira: quando há doença ou séria crise familiar, encomendam-se rezas para a parente carola.
Vendedor de pano de prato: o pano de prato aqui é filho legítimo da toalha de mesa, reivindica desenhos e bordados. Não pode ser qualquer tecido. Integra o enxoval dos noivos.
Bloqueador de rua: mineiro tem um prazer inestimável de fechar ruas para feira de artesanato, para quermesses juninas, para caminhadas, para bloquinhos de Carnaval. O peso de uma comemoração é avaliada pelo número de quadras interditadas.
Botequeiro: todo cidadão tem direito a escolher um boteco para a vida inteira. Será o seu boteco para comemorar aniversário e levar os amigos. Você apadrinha o endereço e não pode trai-lo.
Pedreiros familiares: o mineiro não compra casa para o filho, reforma a sua e faz um puxadinho para que ele more perto. O sonho do mineiro é a família residindo junto. Como um aviário.
Pocheteiro: homens mais velhos são obrigados a andar de pochete na cintura. Uma carteira já não é suficiente para levar os remédios.
Acumuladores de isopor: qualquer pessoa tem mais de dois isopores em seu lar. No mínimo. Mineiro não tem praia, mas leva cerveja gelada para qualquer passeio. É a sua mala da farra. Deve ser a região com o maior número proporcional de cooler e isopor por habitante do país.
Contadores de causos: é uma forma sofisticada e local de fazer piada. A graça está em não terminar nunca a história e juntar acontecimentos gratuitos. Ganha quem se perde mais do fio da meada.
Queijadores: em vez da mamadeira, crianças recebem uma especialidade de queijo para se deliciarem. É como tipo sanguíneo: cada um tem o seu desde a mais tenra infância. Na geladeira familiar, natural a convivência de vários potes com os mais diferentes queijos dos seus moradores. Pode ser canastra, meia cura, curado e frescal. Ciscar o produto do outro é falta de educação.