Baseada na autobiografia Sem Querer Querendo. Memórias, de Roberto Gómez Bolaños, a série Chespirito chega com a missão de contar a história de um dos maiores nomes da TV latino-americana: o criador de personagens icônicos como Chaves e Chapolin Colorado.
Criada por seu filho, Roberto Gómez Fernández, com roteiro assinado em conjunto com a irmã Paulina, a produção segue a fórmula clássica de uma biografia autorizada: traça o caminho da infância à consagração, destacando os desafios enfrentados pelo “gênio incompreendido” até alcançar o sucesso diante e atrás das câmeras.
É uma série que comove ao resgatar a nostalgia de quem cresceu com essas obras, mas que também exagera nos clichês, distorce fatos e se perde em escolhas narrativas que, muitas vezes, diminuem a força da história que está tentando contar.
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Uma celebração visual e afetiva da trajetória de Bolaños
A série acompanha Bolaños desde a infância até o início dos anos 1980, passando por sua entrada na televisão, a formação da família e o processo criativo por trás dos programas que marcaram gerações na América Latina.
Pablo Cruz Guerrero dá vida ao protagonista em sua fase adulta, complementado por boas atuações de suas versões mais jovens. A construção emocional do personagem é bem conduzida: de um jovem inocente e apaixonado por sua arte, até um homem consumido pelo trabalho e distante da família.
Ver o nascimento dos programas e os bastidores das gravações é um deleite à parte — a vontade que fica é de revisitar os episódios clássicos. A ambientação de época também se destaca, com um capricho que atravessa figurino, direção de arte e até o trabalho de som, que recriam diversas décadas da história e da TV mexicana.
O elenco, no geral, também convence. Atuações sólidas e caracterizações bem próximas de suas contrapartes da vida real dão um ar de familiaridade aos eventos abordados, principalmente aqueles ligados às produções do autor.
A liberdade criativa como recurso — e problema
Desde o início (e como card inicial de todos os episódios), a produção avisa: não é um retrato fiel da realidade, e qualquer semelhança é mera coincidência. E de fato, opta por uma narrativa romantizada e fantasiosa, usando recursos quase mágicos para representar as inspirações que levaram Bolaños a criar seus personagens.
Apesar de divertido, esse recurso torna a jornada um pouco genérica, como se tudo lhe fosse entregue de maneira profética. Essa escolha tira a complexidade da história e enfraquece o impacto de momentos que poderiam ser mais densos.
Vilões unidimensionais e bastidores distorcidos
Uma das escolhas mais controversas está na representação de figuras reais. Florinda Meza e Carlos Villagrán são retratados com nomes fictícios, mas com traços reconhecíveis: Margarita “Maggie” Ruiz (Bárbara López) e Marcos Barragán (Juan Lecanda), ambos transformados em caricaturas.
Ambos ambiciosos, Maggie é utilizada como controladora e manipuladora, a causa da separação do casamento de Roberto e fonte de diversas divergências com o elenco. Já Carlos, o egoísta que busca o tempo todo ser a grande estrela, não se importando com seus companheiros, ou com os programas de que faz parte.
A abordagem gerou polêmica, especialmente por serem dois dos poucos atores ainda vivos. Em uma produção com aval e participação de María Antonieta de las Nieves e Édgar Vivar (que fazem pequenas aparições), além de familiares dos demais colegas, soa como uma tentativa de reescrever a história de forma parcial.
O drama familiar como eixo da narrativa
O foco da série em momentos familiares específicos chama atenção. A partir de certo ponto, boa parte da narrativa passa a girar em torno do impacto da separação de Roberto com sua esposa, Graciela Fernández (Paulina Dávila) — personagem que, vale dizer, é retratada com bastante respeito pela produção.
Como dois dos filhos de Bolaños assinam a produção, a série ganha contornos de um ajuste de contas pessoal, quase como um exercício para lidar com a dor da separação familiar. É nessa abordagem que a produção se afasta do tom chapa-branca e oferece um pouco de honestidade emocional sobre a figura paterna.
Montagem confusa que pode atrapalhar
A escolha por uma narrativa não linear também exige paciência. A série avança e retrocede no tempo com frequência, o que pode gerar confusão nos episódios iniciais. É bem comum que pelo menos três linhas do tempo aconteçam simultaneamente em cada capítulo.
O primeiro episódio, por exemplo, começa em 1981, volta para a década de 50, passeia por diversos momentos chave dos anos 60, e ainda inicia a trama da famosa viagem do elenco para Acapulco, no final da década de 70. Mas vale dizer que, com o passar do tempo, a aceitação com o formato se torna mais natural.
Além disso, a série não se prende a datas com rigor histórico: eventos são rearranjados para favorecer a dramaturgia, o que pode incomodar quem busca uma abordagem mais documental.
Por que a série se chama Chespirito?
Bolaños começou sua carreira como roteirista. E mesmo antes de criar seus programas de sucesso, ele já era muito elogiado pela sua escrita. Com apenas 1,62m de altura, as pessoas do meio o apelidaram de pequeno Shakespeare — no espanhol: Shakespirito.
O apelido pegou e com o tempo evoluiu para se tornar Chespirito. A série brinca com essa origem de forma simpática em um de seus episódios.
Vale assistir?
Apesar das consideráveis falhas citadas, Chespirito: Sem Querer Querendo é uma produção que vale a pena ser assistida, especialmente para quem tem carinho por Bolaños e seus personagens.
A série entrega nostalgia, emoção e um retrato afetivo de um dos nomes mais importantes da televisão latino-americana. Se você consegue relevar os exageros e abraçar o espírito de homenagem, há sim uma boa história a ser sentida aqui.
Se você se interessa pela história por trás de ícones como Chaves e Chapolin, a série já está disponível completa, com 8 episódios, no catálogo da HBO Max.
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