O prefeito de Belo Horizonte, Álvaro Damião (União Brasil), enviou à Câmara Municipal, nesta quinta-feira (24/7), um projeto de lei que reduz a alíquota do ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza) de 5% para 2%. A proposta leva o tributo do teto ao piso permitido pela legislação federal. Segundo o prefeito, a medida busca atrair empresas de apostas para a capital mineira e assim aumentar a arrecadação municipal.
Nas contas da prefeitura, a diminuição da alíquota trairia uma renúncia fiscal projetada em R$11.685,34, ao mesmo tempo a arrecadação adicional gerada por esses novos contribuintes poderia alcançar R$2,8 milhões. Caso a medida seja aprovada, BH se juntaria a pelo menos outras três capitais que aprovaram a mesma redução nos últimos dois anos e meio.
Das três cidades, em duas o projeto também partiu do Executivo. A pioneira foi São Paulo, que sancionou a medida em dezembro de 2022. Dois anos depois, foi a vez de Porto Alegre, em dezembro de 2024. Já em Recife, a lei foi sancionada em abril deste ano.
Em todos os projetos, os autores justificam a proposta como uma forma de tornar a cidade mais atrativa para a instalação de empresas de apostas, com o objetivo de ampliar a receita municipal. Em alguns casos, como no de Belo Horizonte, os textos mencionam exemplos de cidades que já adotaram a medida e defendem a necessidade da mudança para que o município não perca espaço na disputa por essas empresas.
“Ao manter a alíquota de 5%, Belo Horizonte corre o risco de perder oportunidades relevantes de arrecadação e desenvolvimento econômico, especialmente no atual contexto competitivo, no qual outras cidades já aplicam alíquotas reduzidas como mecanismo de atração de empresas do setor, a exemplo de São Paulo, Barueri e Porto Alegre. Por outro lado, a adoção da alíquota de 2% poderá impulsionar um incremento expressivo na base de cálculo do ISSQN e, consequentemente, na arrecadação municipal”, argumenta o prefeito de BH.
O economista Murilo Viana, especialista em finanças públicas, explica que o cenário configura uma “guerra fiscal” entre municípios - prática já comum em outros setores - e que agora ganha força no mercado de apostas, legalizado em 2018 e regulamentado em 2023. Hoje, o setor já representa cerca de 1% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo estimativa da XP Investimentos.
“Isso acontece com empresas de bet, mas também com empresa de outros segmentos na área de serviço, porque a arrecadação fica no domicílio fiscal, ainda que o serviço seja prestado em outros locais do país. Caso as empresas se instalem em Belo Horizonte, o município não ganharia só com os jogos apostados em BH. Boa parte da arrecadação do ISS fica no local de origem da empresa. Então, se alguém fizer uma aposta em Barueri por meio de uma bet sediada em BH, é Belo Horizonte que fica com a arrecadação do imposto sobre essa operação. Dessa forma, estabelece-se uma guerra fiscal entre os municípios sobre quem oferece mais benefícios para atrair determinada empresa”, explica o especialista.
Essa disputa, no entanto, está com os dias contados. “A Reforma Tributária recém-aprovada prevê o fim do ISS municipal e o ICMS estadual a partir de 2029, com período de transição até 2032. A partir disso, não vai existir mais ISS e ICMS, inclusive os benefícios fiscais”, destaca.
A mudança tende a tornar irrelevante a corrida entre os municípios em breve. “Durante o período de transição da reforma tributária, paulatinamente, os benefícios de ISS serão cortados. Enquanto no sistema atual a tributação fica predominamente na origem, no novo fica onde tem o consumo de fato” disse. E completou: “o novo tributo, IBS, já não poderá ter distinção. O município vai poder escolher a alíquota do IBS dele, mas não vai poder diferenciar os setores. Isso vai tornar inviável qualquer medida de benefício”.
Outras cidades de Minas já aderiram à estratégia
Conforme apuração de O TEMPO, entre os 76 CNPJs autorizados a oferecer apostas de quota fixa em todo o país, dois estão registrados em Minas Gerais - nas cidades de Pompeu, na região Central do estado, e Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte. BH não aparece no levantamento.
Neste ano, Pompéu reduziu a alíquota do ISS para empresas de apostas de 5% para 2%. A tramitação foi relâmpago: o projeto foi protocolado na Câmara Municipal em 4 de abril e enviado à prefeitura no dia 15, sendo sancionado no mesmo dia. A proposta partiu do Executivo e todos os vereadores votaram a favor.
A justificativa segue a mesma linha das outras cidades: “a adoção dessa alíquota visa tornar o município competitivo frente a outros entes da federação”, destacam no projeto. Assim como em Recife, o Executivo argumentou que não há renúncia fiscal na medida porque o município ainda não arrecadava impostos com esse segmento.
No projeto, Nova Lima é citada como inspiração: “(a redução) segue o exemplo de municípios visionários como Nova Lima/MG, que, ao adotar essa estratégia, conseguiram atrair empresas de grande porte, gerando empregos, ampliando a base tributária e transformando sua realidade fiscal”.
A Prefeitura de Nova Lima foi consultada pela reportagem e informou que a proposta ainda está em discussão na Câmara. “O projeto de lei, de iniciativa do Poder Executivo, já foi protocolado na Câmara Municipal e está atualmente em fase de discussão preliminar no Legislativo, antes do início formal de sua tramitação”, afirmou a assessoria.
Câmara de BH
O projeto do prefeito Álvaro Damião que reduz o imposto para empresas de apostas vai tramitar simultaneamente a quatro propostas que destacam os efeitos negativos dos jogos. Duas são do vereador Wagner Ferreira (PV): uma proíbe a publicidade de bets em Belo Horizonte e outra institui o Dia Municipal de Conscientização e Enfrentamento ao Vício em Apostas. As outras duas são de Pedro Rousseff (PT), que também prevê a proibição da promoção dos jogos e propõe políticas municipais voltadas à saúde mental de pessoas com transtornos associados à dependência em apostas. As propostas tramitam nas comissões.
Wagner foi enfático ao criticar o projeto de Damião. Para ele, a medida marca a entrada definitiva do “lobby das bets” na Prefeitura. “O prefeito escolhe beneficiar um setor que lucra com o vício e já virou caso de saúde pública. ‘Bet’ não é esporte nem oportunidade - é vício travestido de entretenimento. O lobby das casas de apostas chegou à PBH”, afirmou.
Pedro Rousseff, por sua vez, reafirmou sua oposição às casas de aposta. “Sou contra as bets e vou continuar lutando para regulamentarmos o máximo possível as plataformas no âmbito de Belo Horizonte.” Ao comentar o projeto do Executivo, adotou tom mais cauteloso: “Ainda não estudei a fundo a proposta da prefeitura, vou sentar com a nossa assessoria e entender a fundo o impacto disso em BH”.
Nas cidades levantadas por O TEMPO, todos os projetos tramitaram rapidamente no Legislativo. Em São Paulo, foram necessários cerca de 45 dias entre o envio do texto à Câmara Municipal e a aprovação em segundo turno. Em Porto Alegre, o projeto foi protocolado e aprovado em apenas quinze dias. Em Recife, o projeto também tramitou por apenas duas semanas na Casa Legislativa antes de ser aprovado.