Uma fala do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, durante seminário realizado em Portugal, vem sendo alvo de críticas no meio político. No início de julho, durante a mesa de encerramento do evento sobre debates jurídicos na Universidade de Coimbra, Moraes teria dito que o “século XXI é do Judiciário”, conforme noticiado pela Revista Oeste.

De acordo com o portal, o magistrado teria afirmado que os Poderes Executivo e Legislativo “falharam na garantia dos Direitos Humanos”. “O século XIX foi do Parlamento, o século XX foi do Executivo e, agora, o século XXI é do Judiciário”, disse Moraes, segundo a Revista Oeste.

O deputado federal Nikolas Ferreira (PL), que vem criticando ativamente as ações de Moraes, como no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foi um dos políticos que comentaram a fala do magistrado durante o evento em Portugal. Em uma publicação na plataforma “X”, o parlamentar postou uma imagem com a notícia sobre a decisão do ministro de suspender os efeitos dos decretos que tratam do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e determinado uma audiência de conciliação entre o governo federal e o Congresso Nacional. “‘Século XXI é do Judiciário’ - Moraes, Alexandre. Fecha o Congresso e vai todo mundo pra casa logo”, comentou Nikolas.

O presidente nacional do Partido Novo, Eduardo Ribeiro, também se manifestou contra Moraes, afirmando que a fala do ministro faria “inveja” à frase do antigo rei da França Luís XIV, “o Estado sou eu!”.

“Numa democracia, o protagonismo deve ser do povo. Jamais do Judiciário”, disse. “Não há ameaça maior à democracia brasileira do que juízes que se acham acima do bem e do mal.”

Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil, na gestão de Jair Bolsonaro, afirmou que em democracias como a dos Estados Unidos e a da Índia, os poderes Executivo e  Legislativo predominam, enquanto o “aumento desproporcional” do Judiciário parece estar restrito ao âmbito europeu e latino-americano. Para ele, a “primazia” do Judiciário demonstraria uma “decadência” do regime democrático por tratar-se do único poder cujos representantes não foram eleitos.

“O certo é que, no Brasil, a prevalência do Judiciário somente tem exacerbado o caráter oligárquico do nosso sistema político, pois nesse quadro são pouquíssimas as pessoas que têm acesso aos reais mecanismos de poder. Assim, se o Século XX foi no Brasil o século das oligarquias, em várias configurações, o Século XXI simplesmente continua a sê-lo, porém de uma oligarquia ainda mais restrita e mais difícil de contestar”, afirma Ernesto.

O STF foi procurado para um posicionamento sobre as críticas contra o ministro Moraes. Tão logo haja um retorno, esta publicação será atualizada. O espaço segue aberto.

Separação entre os Poderes

Para o professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal Fluminense João Pedro Pádua, a fala do ministro Alexandre de Moraes é “discutível”. Isso porque, caso se trate de um contexto histórico, o magistrado não estaria equivocado, entretanto, a citação daria a entender que, na realidade, Moraes estaria vendo o fato do Judiciário ganhar mais competência como algo “positivo”.

Conforme o professor, o desenho constitucional do sistema jurídico dos países ocidentais, como no caso do Brasil, pressupõe que nenhum Poder deve prevalecer sobre o outro, a partir do princípio de separação dos Poderes. Entretanto, na prática e historicamente, houve divergências. No século XX, por exemplo, houve uma dominância do Executivo no Brasil, mas por razões negativas, considerando o Golpe do Estado Novo e a ditadura militar.

“Temos visto, nos últimos dez anos, uma ascensão grande não do Judiciário como um todo, não estamos falando de juízes de primeira instância, mas do STF, que tem aumentado sua esfera de atuação e tem clamado para si, com pouca resistência dos outros Poderes, um grande poder que vai desde decidir como emendas parlamentares vão ser pagas e, passando agora recentemente, por arbitrar como o Congresso e o Executivo vão lidar com a crise do IOF”, cita.

Pádua explica que esse tipo de atuação do STF não é comum no Brasil ao longo da história, mesmo considerando o período após a Constituição Federal de 1988. Para o especialista, a fala de Moraes ocorreu em um contexto que não demonstrava se tratar de um diagnóstico histórico do país.

“Não acho, pelo que li da citação, que ele estivesse querendo fazer uma descrição histórica e empírica, porque parece que ele estava comemorando, afirmando que era positivo que Poder Judiciário ganhasse mais competência e poder porque parece mais capacitado, na visão dele, a promover direitos fundamentais das pessoas e dos grupos”, diz o professor.

Moraes vem sendo contestado por sua atuação no STF, como no julgamento do ex-presidente Bolsonaro e, recentemente, pelo embate entre o Congresso e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) envolvendo o IOF. De acordo com Pádua, o caso de Bolsonaro é uma das competências do STF como corte penal, para pessoas com foro privilegiado. Porém, a questão do IOF seria uma novidade e uma mudança no sistema político com consequências “imprevisíveis”.

Para o professor da UFF, os debates em torno da “pessoa de Moraes” seriam pouco produtivos considerando todo o contexto do STF. Desta forma, ele defende que as pautas se voltem para o Supremo como instituição.

“A questão não é sobre o ministro, mas como o STF, como instituição, tem se posicionado em relação às repartições e o que pode gerar de resultado para a República Brasileira”, afirma.