Em 2019, o eleitor brasileiro vai comemorar 30 anos das primeiras eleições diretas para a Presidência da República após a redemocratização. Em 15 de novembro de 1989, 22 nomes estavam na lista dos que pleiteavam ocupar a cadeira mais importante do país. Entre os mais conhecidos estão Fernando Collor de Mello, Luiz Inácio Lula da Silva, Leonel Brizola, Afif Domingos, Mário Covas, Paulo Maluf, Roberto Freire, Ulysses Guimarães e Aureliano Chaves.
Quase três décadas depois, reviravoltas marcaram aqueles que disputaram o pleito: dois impeachments, duas prisões de ex-presidentes, avanços sociais, crise econômica e denúncias de corrupção. Entre os que estão vivos e em liberdade, alguns avaliaram as mudanças pelas quais passaram o Brasil ao longo desse tempo.
Guilherme Afif Domingos terminou a eleição na sexta posição, com 3,2 milhões de votos (4,83%). Posteriormente, foi deputado federal, secretário de Estado e vice-governador de São Paulo. Curiosamente, o plano econômico para disputa eleitoral em 1989 foi elaborado ao lado de Paulo Guedes, atual ministro da Economia de Jair Bolsonaro. “Eu estou aqui exatamente como assessor especial do Paulo Guedes, porque foi com ele que construí meu projeto na campanha de 1989. E o que a gente quer é aplicar aquilo que escrevemos. Trinta anos depois, não por mim, mas estou tendo a oportunidade de cooperar com o governo que espero que possa fazer o que eu preguei”, disse.
Um dos pontos do pensamento de Afif é a melhoria na infraestrutura de transporte para escoar produção.
“Continua tendo estrada onde não tem produção, tem produção onde não tem estrada, transportando com sistema caótico. Assim mesmo competimos mundialmente na produção. É um exemplo claro da involução do Estado perante a evolução da Nação”, afirma.
Mudança. Roberto Freire disputou o pleito pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). Terminou na oitava posição com 769.123 (1,13%) dos votos. Hoje, ele se recorda e diz que não mais seguiria os rumos previstos à época, inspirados na já cambaleante União Soviética – que se esfacelaria dois anos depois. “Imaginávamos, nós do Partido Comunista Brasileiro, que haveria uma oportunidade histórica com a Perestroika do (líder soviético Mikhail)Gorbatchov. Seria um desastre. Faríamos uma reformulação completa e uma revisão clara das nossas concepções”, disse.
Após fracassar na disputa, Freire foi deputado estadual e federal, senador e ministro da Cultura do governo de Michel Temer. Ele destaca que nas três décadas “o Brasil viveu o período mais longo de plena liberdade democrática”. “Apesar dos problemas, a partir daquela eleição, nunca o Brasil deixou de realizar os pleitos e o cronograma eleitoral e garantir a liberdade democrática de toda cidadania”, afirma.
Primeira mulher a disputar a Presidência da República, Lívia Maria Pio, mineira de Carangola, na Zona da Mata, está ativa na política aos 70 anos.
Atualmente, busca assinaturas para tentar a abertura de um partido de visão nacionalista, que, segundo ela, vai se chamar Partido do Brasil Forte (PBF). A busca por assinaturas para seu partido deve ser ampliada no final deste ano. “Estou esperando essa onda passar e, depois, é vestir a camisa verde e amarela para o Brasil alavancar”, disse.
Em 1989, Lívia Maria terminou na 16ª posição com 179.922 (0,26%). “Naquela época eu já falava que a Previdência teria problemas. Eu tenho o programa de governo de 1989 e quase nada mudou. A Previdência eu tinha proposto sair do caixa do governo e se tornar independente, porque já previa o tombo dela. Agora não tem jeito. Agora é remédio de veneno”, diz.
Collor venceu, caiu e hoje é um dos poucos ainda com mandato
Eleito presidente no segundo turno da eleição de 1989, com pouco mais de 35 milhões de votos (53,03%), Fernando Collor de Mello (à época no PRN e hoje no PTC) é um dos únicos ativos na vida política ainda hoje. Apesar disso, o senador por Alagoas desde 2007, está afastado temporariamente, alegando razões particulares. Além dele, entre os que concorreram à Presidência em 1989, só Ronaldo Caiado (DEM), governador de Goiás, está em um cargo eletivo.
Ao assumir como presidente em março de 1990, Collor foi responsável pela abertura econômica no país e pelo fim do monopólio da Petrobras. Dois anos depois, no entanto, Collor foi associado a denúncias que envolviam pessoas próximas, como o tesoureiro de campanha, Paulo César Farias, acusado de montar esquema de tráfico de influência com aval do então presidente. O processo de impeachment de Collor começou em junho daquele ano e foi até 28 de dezembro. Na tentativa de evitar a perda dos direitos políticos, Collor renunciou ao cargo.
O então vice Itamar Franco (PMDB) assumiu e deu continuidade ao governo até a posse de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Em entrevistas posteriores, Collor sempre disse que foi um dos momentos mais dolorosos de sua vida. Depois de deixar o Palácio do Planalto, foi absolvido na Justiça por falta de provas. Hoje, novamente está às voltas com os tribunais, como réu na operação Lava Jato.
Sem poder disputar eleições por oito anos, Collor ressurgiu em 2000, quando concorreu para prefeito de São Paulo. Em 2006, ganhou seu primeiro pleito após a queda, ao ser escolhido senador por Alagoas, cargo para o qual foi reeleito em 2014. A reportagem entrou em contato com o ex-presidente, que chegou a marcar horário para uma entrevista. No entanto, na última hora, ele preferiu não falar.
Prisões de ex-presidentes eram impensáveis há 30 anos
Em 1989, primeira eleição em 29 anos, se os 22 candidatos fossem perguntados sobre uma possível prisão de um ex-presidente, a resposta certamente seria unânime: jamais ocorrerá. Trinta anos depois, ao menos candidatos ouvidos pela reportagem são unânimes ao falar das prisões que ocorreram desde então: nenhum esperava, naquela época, que um ex-presidente acabasse preso.
No total, três homens públicos que chegaram – ou quase chegaram à Presidência da República – foram encarcerados. O mais famoso é Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso desde abril do ano passado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso que ficou conhecido popularmente como “triplex do Guarujá”.
Lula cumpre pena de oito anos e 10 meses de prisão no regime fechado, na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba. Pesam ainda contra o petista outras acusações de corrupção. Ele nega e se diz perseguido. O ex-presidente ficou em segundo lugar na eleição de 1989 e foi eleito pela primeira vez apenas em 2002, sendo reeleito em 2006, depois de perder também em 1994 e 1998.
Michel Temer (MDB), em 1989, estava no primeiro mandato como deputado federal por São Paulo. Ainda que nunca tenham disputado o cargo na cabeça-de chapa, os caminhos da política o levaram a assumir a Presidência da República em 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff.
O emedebista deixou o poder em janeiro deste ano. Em março, foi preso preventivamente pela primeira vez, acusado de comandar uma quadrilha que praticou corrupção e cartel durante a construção da usina de Angra 3. Ele também nega.
Havia, segundo o juiz da Lava Jato no Rio de Janeiro, suspeita de que, solto, o ex-presidente pudesse destruir provas. Na primeira passagem, Temer ficou quatro dias preso. Em maio, Temer voltou a ser detido após decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2). Mas ele foi solto cinco dias depois, após conseguir habeas corpus junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Por fim, Paulo Maluf, que não foi presidente, mas disputou a eleição direta de 1989, após perder a disputa indireta de 1985 para Tancredo Neves, também acabou tendo um futuro improvável.
Ex-governador de São Paulo está em prisão domiciliar há mais de um ano, após ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por lavagem de dinheiro. A denúncia aponta que, enquanto prefeito de São Paulo, ele ocultou e dissimulou verba pública desviada da construção de uma avenida na capital paulista. Entre dezembro de 2017 e março de 2018, Maluf ficou preso na Papuda, em Brasília. Ele nega o crime.
Afif Domingos responsabiliza o sistema político para prisões, como a de Lula. “Exatamente pelo fato de não terem atacado a estrutura que todos usufruíram”, afirmou.
Roberto Freire disse que nunca esperou ver um ex-presidente preso, mas destaca que a Justiça precisa ser feita. “Não era imaginável. O que podemos destacar é o lado da eficiência e eficácia da Justiça”, disse.