Mau negócio

Com acordo da Lei Kandir, Minas abriu mão de R$ 126 bilhões

Entidades defendem anulação de contrato pelo qual governo Zema aceitou receber só R$ 8,7 bilhões. Por isenção de ICMS para exportações, Estado deveria ter recebido R$ 135 bilhões

Por Clarisse Souza
Publicado em 13 de novembro de 2023 | 06:01
 
 
 
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O debate em torno da necessidade de adesão de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) para equacionar a dívida pública com a União faz ressurgir a discussão sobre perdas sofridas pelo Estado em decorrência da Lei Kandir. Na última semana, uma ação popular, encabeçada pelo Sindicato dos Servidores da Justiça de Primeira Instância do Estado de Minas Gerais (Serjusmig), foi encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF) na tentativa de possibilitar a retomada da cobrança de cerca de R$ 135 bilhões que o governo federal deixou de repassar a Minas como compensação por renúncias fiscais.

Segundo o presidente do sindicato, Eduardo Couto, o objetivo é tentar que o saldo seja abatido da dívida de R$ 156,2 bilhões que Minas mantém com a União. Para isso, a petição pleiteia que o Supremo anule acordo de 2020, no qual Minas aceitou abrir mão de cerca de R$ 126 bilhões referentes a perdas sofridas pela Lei Kandir. Conforme consta no pacto, a gestão de Romeu Zema (Novo) concordou em receber apenas R$ 8,7 bilhões em compensações, pagos em parcelas até 2037. À época, a dívida com a União girava em torno de R$ 140 bilhões.

O economista Rodrigo Ávila, da Auditoria Cidadã da Dívida, afirma que Minas foi um dos Estados mais prejudicados pelos termos da Lei Kandir, uma vez que a legislação isentou as exportações de produtos primários e semielaborados da cobrança do ICMS. É o caso, por exemplo, da exportação do minério de ferro. 

Por esse motivo, o presidente do Serjusmig considera que a assinatura do acordo entre Minas e a União foi extremamente prejudicial. “Esse acordo é lesivo e criminoso contra o patrimônio do povo mineiro. O poder público não pode abrir mão de seus créditos. Não é como se estivessem negociando um patrimônio privado”, condena Eduardo Couto. 

“Seria plenamente possível para a União ressarcir não só Minas, como vários Estados pelas suas perdas. Mas o primeiro passo é o governo estadual esclarecer a população e pressionar, como sempre foi o papel histórico de Minas Gerais, em prol de uma solução justa”, afirma Rodrigo Ávila.

Líder da bancada mineira no Congresso Nacional, o deputado federal Luiz Fernando Faria (PSD) também considera que o acordo foi danoso para o Estado. “Eu tenho certeza de que se fosse um bem particular, ninguém faria isso. Ninguém entrega uma dívida por menos de 10% do valor total dela. Foi um péssimo acordo”, avalia.

Por outro lado, o mestre em direito público Fabrício Duarte acredita que dificilmente o Supremo acataria o pedido de anulação do acordo. “Não vejo nada de irregular no acordo em si e acho difícil que seja anulado, uma vez que houve homologação judicial”, analisa o especialista ao lembrar que o pacto firmado junto ao Supremo prevê que os Estados abrissem mão de novas disputas relacionadas ao tema. 

Questionado se há possibilidade de tentar reabrir as negociações sobre as perdas em relação à Lei Kandir, o governo de Minas não se pronunciou. 

Renúncia fiscal prejudicou Estados exportadores

Criada em 1996, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a Lei Kandir foi elabora para disciplinar a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no país, mas acabou se tornando um problema para os Estados, na medida em que previa a renúncia fiscal para exportação de todos os produtos primários e semielaborados ou de serviços. 

Diante da perda de arrecadação, os governos estaduais passaram a pressionar a União em busca de uma reparação. Nos primeiros anos após a sanção da lei, os Estados chegaram a receber uma compensação de 60% em relação ao montante perdido. No entanto, uma série de atualizações na legislação fez com que esse pagamento fosse suspenso. A ideia era que ocorressem negociações anuais para a compensação, mas a proposta não saiu do papel. 

Em 2013, a disputa entre Estados e União passou a ocorrer por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 25, proposta pelo Pará. 
O embate se arrastou até 2020, quando as unidades da Federação aceitaram firmar um acordo com a União para, juntas, receberem R$ 58 bilhões, parcelados durante 17 anos. A Minas Gerais foram destinados R$ 8,7 bilhões, o que representa apenas 6,44% do total pretendido inicialmente, que era de R$ 135 bilhões. 

Bancada mineira reclama de falta de diálogo com Zema

A falta de diálogo entre Romeu Zema (Novo) e o Congresso Nacional repercute negativamente em Brasília e pode estar pesando contra o governo de Minas nas tratativas em prol da renegociação de termos da dívida com a União. “O governo não nos informa nada. Ao contrário, dificulta a interlocução com o Estado. Não fizemos reuniões específicas para discutir a questão, até porque não fomos demandados”, reclama o deputado federal Luiz Fernando Faria (PSD-MG), líder da bancada mineira no Congresso. 

Crítico do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o parlamentar argumenta que a proposta de adesão ao programa não resolve a dívida e atribui o aumento do saldo devedor ao que considera uma má gestão do atual governo. “Há uma indignação muito grande em relação a isso. O governador tem pregado aos quatro cantos que ele vinha acertando as contas do Estado de Minas Gerais. Mas os dados que temos hoje demonstram que isso não é verdade. Ele estancou o pagamento da dívida através de uma liminar e, mesmo assim, ela aumenta absurdamente. Isso trará grande dificuldade para o próximo governador”, prevê Faria. 

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também frisou, na última quinta-feira (9), que é preciso “muita maturidade” no diálogo entre Zema e Lula e se dispôs a ser o interlocutor entre os dois nas tratativas pela renegociação da dívida. O governador de Minas não se encontrou com o presidente da República deste o início da atual gestão federal. Na semana passada, o vice-governador Mateus Simões (Novo) esteve em Brasília para discutir os termos da dívida com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT) (com Lucyenne Landim/OTEMPO Brasília)

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