BRASÍLIA - Hoje direcionado aos condenados pelos atos de 8 de janeiro, o projeto de lei que trata sobre a anistia foi proposto na Câmara dos Deputados em novembro de 2022 com um objetivo mais amplo: o de perdoar eventuais crimes em manifestações políticas ou eleitorais cometidos a partir do dia 30 de outubro daquele ano. 

A data marcou o segundo turno eleitoral e, em seguida, o início do movimento de bloqueio em rodovias por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inconformados com o resultado das urnas eletrônicas. Na ocasião, Bolsonaro perdeu a tentativa de reeleição para seu principal opositor, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).  

O texto foi proposto pelo ex-deputado federal Major Vitor Hugo (PL-GO), que hoje é vereador em Goiânia. A intenção dele era de anistiar “todos os que tenham participado de manifestações em qualquer lugar do território nacional” entre aquele 30 de outubro e a data de entrada em vigor da lei, se fosse aprovada. 

O benefício foi pensado para "manifestantes, caminhoneiros, empresários” e outros grupos “que tenham participado de manifestações nas rodovias nacionais, em frente a unidades militares ou em qualquer lugar do território nacional”, inclusive cometido “crimes políticos ou com estes conexos e eleitorais”.  

O texto mirou os envolvidos na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, a partir de uma nova versão apresentada pelo relator, deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), em setembro de 2024 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).  

O parecer de Valadares não chegou a ser votado porque o ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tirou o projeto da CCJ para levá-lo a uma comissão especial que nunca saiu do papel.  

O relator propôs uma lei com o seguinte artigo: “Ficam anistiados todos os que participaram de manifestações com motivação política e/ou eleitoral, ou as apoiaram, por quaisquer meios, inclusive contribuições, doações, apoio logístico ou prestação de serviços e publicações em mídias sociais e plataformas, entre o dia 08 de janeiro de 2023 e o dia de entrada em vigor desta lei”.

Além disso, concedia perdão a todos que participaram de atos que aconteceram antes ou depois dos de 8 de janeiro, desde que tivessem "correlação” com a depredação dos prédios públicos. O benefício seria válido para medidas de restrições de direitos, inclusive liminares e cautelares, e sentenças condenatórias. 

Financiadora da pauta, a oposição tenta, agora, retomar o debate sobre esse texto. O líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), protocolou na segunda-feira (14) um pedido de urgência à proposta que precisa, agora, ser votado pelo plenário da Câmara. Se aprovado, poderá acelerar a análise do texto, dispensando o rito em comissões. 

Antes do parecer de Valadares, a proposta passou pelas mãos da base governista, terminantemente contrária à pauta. A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) foi nomeada relatora na CCJ em abril 2023. Ela chegou a apresentar um parecer pedindo a rejeição do texto, mas o documento não foi votado naquele ano.  

A proposta foi, então, para as mãos de Valadares em 2024, quando Sâmia deixou a composição do colegiado. Em novembro, a bancada do PSOL chegou a pedir que o projeto de lei perdesse a validade e sequer fosse discutido, mas o requerimento não foi analisado.  

Projeto pode beneficiar Bolsonaro 

Aliados admitem que o debate poderia alcançar também o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), se for condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pela suposta trama golpista que envolveu o 8 de janeiro. Para isso acontecer, porém, Bolsonaro teria que ser condenado antes da publicação da lei, que é o prazo citado no texto atual para concessão do benefício. 

Nesse cenário, um artigo no parecer de Valadares dá brecha para que o ex-presidente se coloque na disputa eleitoral de 2026, se também se livrar de condenações na Justiça Eleitoral que o tornaram inelegível. Isso porque, o relatório apoiado pela oposição assegura os direitos políticos aos anistiados, extinguido, ainda, efeitos decorrentes cíveis ou penais. 

No STF, Bolsonaro é réu por cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.  

Outros textos apensados 

O projeto de lei da anistia tramita na Câmara em conjunto com outras sete propostas. Algumas delas foram apresentadas para abordar especificamente os envolvidos nos atos de 8 de janeiro, mas outros são mais amplos, assim como o de Vitor Hugo.  

Quando um relator vota em um projeto de lei, ele também pode pedir a aprovação, total ou parcial, assim como a rejeição, de outros que estão “apensados”. O termo é usado para discussões apresentadas depois daquela que já está em debate. Dessa forma, passam a ser analisadas conjuntamente. 

Um dos textos foi apresentado pelo deputado José Medeiros (PL-MT) e anistia todos que se manifestaram em tom político-eleitoral ou financiaram atos a partir de 1º de junho de 2022. Outro, do deputado Adilson Barroso (PL-SP), perdoa crimes cometidos no período eleitoral, mas exclui do benefício os considerados hediondos. 

Há outro projeto “apensado” que foi apresentado pelo deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), que foi chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro e é réu na suposta trama golpista junto ao ex-presidente. 

O texto de Ramagem tenta livrar Bolsonaro por outra via ao restringir punições por ações de multidão, sem individualizar condutas. A intenção é exigir, como "pressuposto para a condenação, a individualização concreta dos atos praticados por cada coautor ou partícipe”.  

Ramagem também propôs que a caracterização de crime com violência ou grave ameaça seja interpretada quando houver efetiva consumação do tipo penal, afastando teses de condenações por tentativas.