O indigenista Bruno Pereira e o procurador da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Eliésio Marubo, denunciaram a autoridades que trabalhavam “literalmente no alvo do crime organizado” na região amazônica dias antes do assassinato dele e do jornalista britânico Dom Phillips próximo a Atalaia do Norte, no Amazonas.

Em reunião no Senado nesta quarta-feira (22), Marubo contou que os dois tiveram um encontro com integrantes da Procuradoria Geral da República na região de Tabatinga (AM) e contaram sobre a ação de criminosos na região, mas ressaltaram que continuariam no local atuando na proteção de indígenas “até o último índio”.

De acordo com ele, a denúncia não foi isolada e era feita de forma recorrente, “sempre colocando como ponto central a ineficiência dos órgãos públicos, sobretudo da Fundação Nacional do Índio (Funai)”. O órgão é alvo de reclamações no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL).

“Eu gostaria muito de ouvir o que a Funai tem a dizer. Eu gostaria muito de ouvir o que o Ministério Público fez as tantas denúncias que nós fizemos”, questionou. “O resultado é esse: Bruno e Dom. O resultado é vários companheiros da nossa diretoria ameaçados. A gente certamente vai ter muitos Brunos e Doms na região. Primeiro porque a Polícia Federal já está indicando que não quer investigar profundamente essa questão”, acrescentou.

Marubo contou ainda que há ameaças feitas a integrantes da Univaja que atuam na região contra criminosos e em defesa de proteções ambientais. “Que país é esse? Quantos mais Brunos e Quantos mais Doms têm que morrer? Todo mundo sabe, é público e notório, que a diretoria da Univaja está marcada com a mesma marca que Bruno e que Dom. Temos que andar com segurança e com carro blindado, isso não é vida. Nós não estamos em um país em guerra, e não estamos pedindo nada demais. Nós queremos ter acesso a todas as garantias constitucionais”, frisou.

Ainda de acordo com Marubo, há falta de investimento na região e promessas de orçamento não cumpridas. Ele informou que há recursos disponíveis na conta da Funai para investimento na proteção de terras indígenas, mas os valores nunca são aplicados.

A atuação ilegal na região também foi comentada pelo presidente do Indigenistas Associados (INA), Fernando Vianna. Segundo ele, há grupos que invadem a região do Vale do Javari ligados ao tráfico internacional e fazem ameaças para explorar de maneira ilegal

“Esses grupos que entram para se apoderar ilicitamente dos recursos naturais do Vale do Javari estão, hoje em dia, articulados com forças do crime muito mais complexas, muito mais amplas, e têm conexões com o narcotráfico internacional. Estamos tratando de uma região de crimes de fronteira com Peru e Colômbia, tráfico internacional de armas. Há todo um contexto muito grave que vem sendo denunciado há muito tempo pela unidade de proteção que atua na região, junto ao qual o Bruno vinha atuando”, disse no Senado.

Vianna destacou que desde o início das buscas por Bruno e Dom, havia o conhecimento “de que não se tratava de um evento solto, se tratava de algo em um contexto muito mais amplo e muito mais preocupante”. Ele ainda lembrou que os dois foram assassinados “barbaramente” na mesma região em que o indigenista Maxciel Pereira foi morto em 2019 pelo trabalho na fiscalização de terras indígenas no Vale do Javari.

Ele ainda disparou contra a atual diretoria da Funai e afirmou que a gestão está comprometida com “absolutamente o contrário do que deveria ser a missão indigenista”. Os interesses, na visão dele, são apenas econômicos e de setores que disputam a posse da terra com indígenas e querem se apoderar de recursos naturais, como garimpeiros ilegais.

O coordenador-geral de Índios Isolados e Recém Contatados da Funai, Geovanio Pantoja Katukina, afirmou que a entidade participou das buscas por Bruno e Dom. “A Funai esteve presente em todo o processo de busca e acompanhamento dessas equipes, juntamente com a Polícia Federal e outras instituições que estavam presentes na busca”, disse.

Ele ainda informou que a Funai tem cerca de cem servidores na Terra Indígena do Vale do Javari, que fica em Atalaia do Norte, e que são quase todos indígenas conhecedores da região. Os protetores, de acordo com ele, atuam em cinco bases de proteção.

Katukina ressaltou que sempre houve a necessidade de fazer uma reestruturação dos trabalhos indigenistas na região e que o baixo orçamento é uma restrição. Segundo ele, em 2018, os recursos para a frente de proteção indígena foram de R$ 205 mil. “Com R$ 205 mil hoje a gente não consegue manter uma base de proteção ativada funcionando dentro de uma terra indígena”, declarou.

O TEMPO agora está em Brasília. Acesse a capa especial da capital federal para acompanhar as notícias dos Três Poderes.