SENADO

O desafio de ser um intérprete de Libras na CPI da Covid

Mesmo quando senadores trocam ofensas, intérpretes têm que traduzir palavrões e indicar interrupções de fala

Por Levy Guimarães
Publicado em 23 de outubro de 2021 | 11:00
 
 
 
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Além de servidores, assessores, jornalistas e dos próprios parlamentares, os intérpretes de libras estiveram entre os que mais trabalharam nas reuniões da CPI da Covid. A cada 20 minutos, um deles se reveza no canto da tela para traduzir a pessoas com deficiência auditiva o que é dito pelos senadores.

E, para eles, foi um desafio. Acostumados a também trabalhar em sessões do plenário e de outras comissões do Senado, eles consideram que a dinâmica e os embates da Comissão Parlamentar de Inquérito tornam o trabalho diferente.

É o que aponta Andreza Macêdo, intérprete de Libras há mais de 20 anos e coordenadora da equipe que faz a cobertura para o Senado.

“Não tem como a gente interpretar e situar os surdos de tudo o que está sendo falado, porque tem muitas pessoas. Na CPI, dificilmente a gente consegue situar o surdo de todas as falas. Então, na verdade, a gente interpreta o que está ouvindo mais alto, a fala do microfone. Ou a fala principal.”

Outro desafio aos intérpretes são os momentos em que os senadores se exaltam e começam a trocar ofensas, insultos e palavras de baixo calão. Na CPI da Covid, as cenas foram frequentes entre governistas e oposicionistas e em algumas situações, até mesmo com depoentes. A orientação é que o intérprete não deixe passar nada.

“Se rolam palavrões, xingamentos, faço todos, até porque eu penso que os surdos também, através da minha interpretação, têm direito de saber o que está sendo dito. Fazemos palavrões, discussões, usamos as expressões facial e corporal, que fazem parte da estrutura linguística da Libras”, conta Andreza Macêdo.

Se o intérprete não conhecer alguma palavra ou expressão dita durante a reunião, a recomendação é soletrar, em Libras, o termo proferido.

Já a expressão do rosto é fundamental na língua de sinais. É por meio dela que telespectadores surdos se situam se está acontecendo um diálogo comum ou uma discussão acalorada. A mesma importância é dada à postura corporal. Quando um parlamentar interrompe a fala do outro, o intérprete deve usar o próprio corpo para indicar que o autor da fala mudou.

“Marcamos no espaço com o nosso corpo, damos uma viradinha para situar o surdo do que outra pessoa está falando. Saímos da marcação da posição corporal de quem está falando e quando vira o corpo, é como se houvesse ali uma discussão ou diálogo. Depende da expressão facial e corporal para que o surdo entenda que é uma discussão ou só um diálogo tranquilo. Se está tendo barraco, tenho que fazer expressões faciais para que os surdos entendam que é um barraco, e não um diálogo normal”, disse Andreza.

Quando o intérprete se emociona

Chamou atenção, na última segunda-feira (18), durante a reunião da CPI, as reações de um dos profissionais de Libras durante o depoimento de uma jovem de 19 anos que teve os pais mortos por covid-19.

O intérprete João Gleverson de Oliveira não segurou a emoção. Em determinado momento, levou as mãos ao rosto e foi imediatamente substituído por outro profissional.

A coordenadora da equipe de intérpretes do Senado, Andreza Macêdo, admite que nem sempre é possível manter uma expressão neutra.

“Em muitos momentos, bate a emoção também. Se tiver que chorar eu choro. Se tiver que de fato interpretar, se for pra rir, eu procuro fazer e dar o melhor de mim”.

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