Em seus 35 anos, a Constituição recebeu 129 emendas. Ainda há uma extensa fila de propostas de emenda, as PECs, sendo analisadas ou aguardando serem colocadas em pauta no Congresso Nacional. Até o fim do ano passado, eram 997 ativas. Dessas, 326 aguarvadam para ser analisadas em comissões especiais, onde o mérito é analisado. Outras 145 já estavam prontas para serem votadas em plenário. As demais estavam em fase inicial.
Os dados são dos setores de tranasparência do Congresso. Só sobre o sistema político-eleitoral, há mais de 120 PECs em discussão. O tema, que diz respeito diretamente aos congressistas, tem propostas para diversas mudanças. Dentre elas, estão as que propõem o fim da reeleição e a criação do sistema parlamentarista, por exemplo. Vale ressaltar que a Câmara aprovou recentemente a chamada minirreforma eleitoral, mas a proposta foi freada pelo Senado.
No momento, congressistas falam em emenda para impor um mandato para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Nesta quarta-feira (4), a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou uma PEC com uma série de novas regras para o Judiciário. No mesmo dia, a CCJ liberou a PEC que permite a venda de plasma humano (sangue) no Brasil.
Para aprovar uma PEC no Senado é preciso o voto de ao menos 3/5 (49) do total de senadores (81) em cada um dos dois turnos de votação. Como a proposta altera o texto original da Constituição, é esperado um amplo debate sobre o tema. Mas nem sempre isso acontece. Nesta quarta, por exemplo, a CCJ levou apenas 40 segundos para aprovar a PEC que limita decisões monocráticas e pedidos de vista nos tribunais superiores.
Em 2022, Congresso bateu recorde de promulgação de PECs
Apenas em 2022, o Congresso Nacional promulgou 14 emendas à Constituição. O número é recorde para um único ano desde que a Carta entrou em vigor, em 1988. O número de promulgações de 2022 é quase o dobro do ano recordista anterior — 2014, com 8 PECs promulgadas. Além destes, em apenas 5 outros anos houve pelo menos seis promulgações, e dois deles também integram a legislatura passada (2019-2022). A única exceção é o ano de 2020, primeiro da pandemia de covid-19.
Ao todo, a legislatura anterior promulgou 29 emendas, ou 22,6% de todas as emendas constitucionais até hoje.
As emendas promulgadas em 2022 não seguiram um padrão temático único. Elas tocam em vários assuntos, como tributação, regras eleitorais, orçamento, administração pública e direitos trabalhistas. Nenhuma delas, no entanto, saiu do Poder Executivo.
Parlamentares constituintes criticam mudanças no texto constitucional
Durante o seminário “Os 35 anos da Constituição de 1988”, realizado pela Câmara dos Deputados nesta quarta (4), parlamentares constituintes criticaram mudanças feitas no texto constitucional sem que tivesse havido, na opinião deles, o devido debate popular. Também lamentaram o não cumprimento integral da Carta Magna, três décadas e meia após a sua promulgação.
Deputada constituinte e atual coordenadora da bancada feminina, Benedita da Silva (PT-RJ) chamou a atenção para a atuação do chamado “lobby do batom” em defesa dos direitos das mulheres e das minorias, durante a Assembleia Constituinte. Ela lamentou que o texto constitucional não tenha saído integralmente do papel e deu o exemplo da reforma agrária.
“Vou falar da dor sentida ao ver tirarem da Constituição coisas que não deveriam sair e colocarem coisas que não deveriam entrar sem o diálogo de Ulysses Guimarães: ‘Chama o povo, vamos conversar com os segmentos, vamos fazer a mudança’. Uma PEC precisa ter o olhar, o sentimento do povo brasileiro, foi assim que Ulysses Guimarães dirigiu essa grande obra que é a Constituição Brasileira”, afirmou a parlamentar.
O ex-deputado constituinte José Genoíno lembrou que, na elaboração da Constituição, foram apresentadas 122 emendas populares, com 12 milhões de assinaturas, além de 71 mil sugestões. “Isso é participação popular”, ressaltou. Além disso, foram 65 mil emendas apresentadas por deputados, 182 audiências públicas e 330 sessões plenárias.
Genoíno destacou ainda que, naquele momento, nenhum debate era proibido e “não havia inimigos”, mas adversários políticos, sendo possível o diálogo entre os parlamentares da esquerda, que era minoritária, os do centro, que eram maioria, e os de extrema direita. Ele considera que “a Constituição foi amputada nas emendas da ordem econômica e da reforma da Previdência e também foi amputada com o golpe de 2016”.
Constituintes também lamentam direitos não concretizados
Autor da emenda do voto opcional aos 16 anos e do artigo determinando a auditoria da dívida pública, nunca colocada em prática, o ex-deputado constituinte Hermes Zaneti destacou que, apesar de a Constituição ter instituído o Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, isso não foi suficiente para garantir melhor qualidade de vida para a população.
“O que pode explicar que, de 88 até agora, dobramos o número de favelas no Brasil? Temos 30 milhões de pessoas no Brasil que não sabem o que vão almoçar hoje. Temos 70 milhões de inadimplentes”, citou.
O ex-senador constituinte José Fogaça lembrou da importância da Carta Magna durante a pandemia de covid-19, já que os princípios que norteiam o SUS tiveram que ser cumpridos, mesmo contra a vontade de alguns governantes. Ele considera o texto constitucional fundamental para alguns segmentos da população brasileira.
“A Constituição de 88 é a Constituição das crianças, da infância, das cidadãs e dos cidadãos negros, dos indígenas. É o lastro em cima do qual toda a legislação vem sendo desenvolvida e ali está a defesa maior desses setores da vida brasileira", apontou. "Por mais que tentem modificar, terão que voltar à origem básica, basilar, que é o texto da Constituição”, acrescentou.
O ex-deputado constituinte Nelton Friedrich afirmou que a Constituição estabeleceu princípios fundamentais para uma nação – soberania e cidadania – e criticou a revogação, em 1995, do artigo da Constituição que definia empresa brasileira de capital nacional, abrindo caminho para retirar da Petrobras o monopólio de exploração do petróleo no Brasil.
Ele criticou ainda a atitude de alguns parlamentares atuais “ávidos por mudar a Constituição”, passando por cima da vontade de milhões de brasileiros durante a Assembleia Constituinte.
Já a ex-deputada constituinte Raquel Cândido defendeu que a discussão sobre a Constituição de 88 seja permanente e que a Comissão de Defesa da Democracia, criada em junho no Senado, seja integrada também por deputados.
(Com Agências Câmara e Senado)