Sem base de apoio consolidada no Congresso e com embates constantes com as principais lideranças do Poder Legislativo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) acelerou a edição de medidas provisórias (MPs) durante a pandemia do coronavírus. Nas duas últimas semanas, o Palácio do Planalto publicou 21 MPs – mais de uma por dia – citando a situação de “emergência na saúde pública” e a “vulnerabilidade econômica”.
Desde o início de seu governo, Bolsonaro editou 76 MPs, tendo sido 48 em 2019 e 28 até o início deste mês. Em comparação com os governos passados, o uso do instrumento foi menor do que o feito pelos ex-presidentes Michel Temer (MDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Fernando Collor (PTC) e José Sarney (MDB) em seus primeiros anos na chefia do Poder Executivo. Bolsonaro editou mais MPs do que Dilma Rousseff e Itamar Franco em seus anos de estreia no Planalto.
Em 1989, José Sarney editou 90 medidas provisórias, normas que foram regulamentadas pela Constituição Federal promulgada em outubro de 1988. Primeiro presidente eleito, Fernando Collor usou e abusou desse instrumento em seu primeiro ano de governo. Entre março (quando tomou posse) e dezembro de 1990, ele assinou 74 medidas. Itamar Franco, que assumiu após o impeachment de Collor, em 1993, editou 27 MPs naquele ano. Em 1995, Fernando Henrique Cardoso publicou 52 em seu ano de estreia no Planalto, e Luiz Inácio Lula, 58, em 2003. Dilma Rousseff começou seu mandato com 36 MPs, e Michel Temer, que assumiu após o impeachment da petista, editou 51 MPs em 2017.
As medidas provisórias são normas que têm força de lei e são editadas pelo presidente da República em situações de relevância e urgência. Mesmo que seus efeitos passem a valer de imediato, elas precisam ser apreciadas pelo Congresso para se converterem definitivamente em lei ordinária. O prazo de vigência de uma MP é de 60 dias, sendo prorrogado automaticamente por mais 60. Se não são apreciadas em até 45 dias a partir de sua publicação, as MPs passam a trancar as pautas do Legislativo. Caso não sejam aprovadas, essas normas perdem a efetividade e caducam.
Como forma de acelerar a tramitação das MPs durante o período da pandemia, Senado e Câmara alteraram, na semana passada, os prazos para as análises das normas pelo Legislativo. As medidas deixam de passar por uma comissão mista e podem ser avaliadas diretamente pelo plenário das Casas. Com a mudança, o prazo para que as MPs sejam avaliadas pode cair para 16 dias.
Na avaliação do mestre em ciências políticas do Ibmec Oswaldo Dehon, o uso de MPs se mostrou uma constante para os presidentes desde a redemocratização como um meio de o Executivo propor uma agenda política. No entanto, o discurso contra o Congresso e a “velha política” do presidente Bolsonaro traz dificuldades para que as medidas sejam mantidas no Legislativo.
“Os governantes sempre usam esse instrumento, e é comum que muitas medidas sejam enviadas no início do governo, uma vez que as coalizões estão sendo alterada, e é preciso redesenhar as políticas públicas de acordo com os compromissos que foram estabelecidos nas eleições”, explica. O problema do atual governo, na avaliação de Dahon, é que, para manter sua agenda, ele vai precisar se valer desse instrumento. “A busca por separar a velha da nova política emparedou o governo, com a queda de vários operadores políticos, como Onyx Lorenzoni, Santos Cruz e outros que tentaram fazer a intermediação com os parlamentares”, conclui.
“Queda de MPs se tornou comum"
A avaliação de cientistas políticos é que o uso das medidas provisórias (MPs) acabou se tornando a principal alternativa para o presidente Jair Bolsonaro implementar ações com rapidez, uma vez que o governo não tem bom diálogo com o Congresso e as relações com as lideranças partidárias se mostraram turbulentas. Algumas medidas do atual governo sofreram fortes críticas logo após serem editadas, e o presidente já teve que recuar.
Foi o caso da MP 927, assinada no dia 23 de março, que determina a flexibilização das leis trabalhistas durante a pandemia da Covid-19. Três dias depois da publicação e debaixo de muitos ataques, o presidente revogou o artigo que previa a suspensão dos contratos de trabalho, sem pagamento de salários, por até quatro meses.
“O atual governo, desde o início, tem usado as MPs como forma de relacionamento com o Congresso. É um instrumento que evita diálogo nas negociações, mas sua banalização causa problemas graves. Bolsonaro tem visto muitas de suas medidas caducarem sem serem analisadas pelos parlamentares. Em comparação com outros governos, a perda da efetividade das MPs e a derrubada de vetos presidenciais se tornaram mais comuns”, analisa Malco Camargo, da PUC Minas. O professor lembra que o conceito das MPs envolve questões de urgência, o que as torna instrumento importante em momento de crise, quando o Poder Executivo precisa implementar ações imediatas.
PROPOSTAS URGENTES
Medidas provisórias (MPs) editadas pelo presidentes no primeiro ano de governo