O Brasil tem 35 partidos políticos que recebem dinheiro público. Em abril de 2018, um sistema eletrônico de prestação de contas das legendas foi implantado pela primeira vez. Detalhe: isso só aconteceu após 12 anos de uma tentativa inicial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em junho do mesmo ano, também de forma inédita, as movimentações financeiras e contábeis das siglas foram disponibilizadas para consulta pública.

“Estamos começando a abrir a caixa-preta dos partidos, mas ainda temos muito o que avançar”, disse o advogado e cientista político Marcelo Issa. Ele é um dos fundadores do Transparência Partidária, responsável pelas medidas inovadoras no processo político-partidário no país. “Pressionamos muito para que o sistema fosse implantado”, completou.

O cientista político referiu-se à objeção dos partidos, que, inclusive, chegaram a interceder junto ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e então presidente do TSE, Luiz Fux, para que a medida não fosse adiante. Issa esteve presente na audiência, que aconteceu em março de 2018. “Havia representantes de 32 dos 35 partidos. Eles solicitaram que o sistema não fosse implementado, mas colocamos resistência”, contou.

Organização da sociedade civil, o Transparência Partidária nasceu em 2016 com um objetivo muito claro: analisar e monitorar os partidos. Em outubro passado, o movimento publicou um relatório de análise das contas anuais das legendas, fruto de um detalhado estudo sobre a saúde financeira das 35 siglas do universo político nacional.

Para Marcelo Issa, é fundamental colocar o debate na ordem do dia. No entanto, ele ressaltou que essa abordagem é recente não só no Brasil, mas também em países da Europa, da América do Sul, “que vêm alterando a legislação partidária para favorecer partidos mais abertos”.

Outro avanço dos estudos realizados pelo Transparência Partidária, segundo Issa, foi conseguir comprovar que os candidatos à reeleição receberam, em média, dez vezes mais recursos do Fundo Eleitoral que os demais postulantes: “Esse é só mais um exemplo para demonstrar como isso está favorecendo as velhas estruturas da política”.

Barreiras

Marcelo Issa admitiu que uma das grandes dificuldades que o movimento encontrou quando surgiu foi fazer que o público “compreendesse a relevância da causa” com a qual estavam trabalhando.

Não raras foram as vezes em que o movimento recebeu mensagens nas redes sociais questionando o papel do grupo, os motivos de se querer reformar as siglas, dizendo que elas são organizações criminosas, quadrilhas que não servem para nada. Para o advogado, é compreensível que as pessoas vejam os partidos com tamanho descrédito, pois “eles vêm demonstrando uma incapacidade de compreender as demandas da população e concretizar as políticas públicas que ela reivindica”.

Porém, ele acredita que essa realidade pode ser mudada aos poucos: “Hoje, os retornos são bem diferentes, estamos conseguindo transmitir nossas ideias”.

O Transparência Partidária tem feito o levantamento de dados que fazem parte de um dos estudos que o grupo realiza sobre a estrutura das siglas.

Oxigenação das cúpulas partidárias e democracia interna – ou seja, parâmetros mais equitativos para distribuição de recursos e poder dentro dos partidos – são algumas das medidas defendidas pelo movimento. Segundo Issa, é essencial valorizar a experiência das figuras históricas, mas é preciso criar espaços para a renovação.

“Os partidos são relevantes e inevitáveis, mas é preciso haver surgimento de novos quadros. Se não houver renovação nos partidos, dificilmente terá na política”, concluiu o cientista político.

 

Para especialista, novo modelo deve atingir legendas no país

Um dos responsáveis por coordenar os estudos do Transparência Partidária e fazer a interlocução com o poder público, Marcelo Issa afirmou que o sistema que rege o movimento é horizontal e descentralizado: “Não existe uma diretoria, uma hierarquia. Todos (os integrantes) têm autonomia”.

Embora considere que as estruturas internas dos partidos sejam difíceis de serem transformadas, ele disse que um modelo mais experimental pode começar a ser adotado. “A Rede Sustentabilidade tentou e em alguma medida foi bem-sucedida”, lembrou.

Segundo Issa, essa é uma tendência que deve ganhar força. “Temos muito respeito pela liberdade partidária, mas esse arranjo descentralizado deve começar a atingir os partidos”, afirmou.

Reciclagem

Mudou pouco. Entre 2007 e 2017, a taxa média de renovação das executivas nacionais dos 35 partidos brasileiros foi de apenas 25%, de acordo com levantamento do Transparência Partidária.

 

Minientrevista

Marcelo Issa

Advogado, cientista político e um dos fundadores do Transparência Partidária

O Transparência Partidária surgiu em 2016 com qual objetivo?

Nossa motivação veio da percepção de que, no Brasil, a cada dois anos, discute-se reforma política, inclusive instala-se comissões no Congresso com esse objetivo, e a questão do financiamento das eleições, que é importante, mas nos esquecemos de discutir os partidos políticos. A questão partidária tem estado ausente dos debates, e o Transparência Partidária busca suprir essa lacuna.

Os índices de renovação no Congresso Nacional bateram recordes em 2018. Como o senhor vê esse novo cenário?

Houve muita vontade latente de renovação por parte da sociedade. Vejo que a população busca uma reaproximação com a política, mas faz isso de uma maneira que considero temerária. Essas atitudes quase tangenciando a revolta, a virada de mesa, me parecem arriscadas. Teve um desgate tão grande do sistema político, tal como estabelecido nos últimos 20 anos, que provocou um descrédito e um desânimo na população com relação à política.

Como quebrar essa desconfiança?

Em 2019, é importante não se esquecer de olhar para dentro dos partidos e buscar restabelecer regras que façam com que tenhamos legendas mais transparentes. Do contrário, esse distanciamento entre a sociedade e a política vai permanecer.