Gestão Pimentel

Ex-secretário de Fazenda de MG é indiciado por desvio de R$ 855 milhões

Segundo a Polícia Civil, José Afonso Bicalho usou recursos do empréstimo consignado dos servidores para pagar despesas do governo estadual

Por Pedro Augusto Figueiredo
Publicado em 12 de abril de 2021 | 16:18
 
 
 
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A Polícia Civil indiciou nesta segunda-feira (12) o ex-secretário de Fazenda da gestão Pimentel, José Afonso Bicalho, e o subsecretário do Tesouro Estadual na gestão petista, Paulo Duarte. Eles são suspeitos de desviarem R$ 855 milhões em empréstimos consignados dos servidores estaduais e pensionistas entre junho de 2017 e setembro de 2018. Ambos foram indiciados pelo crime de peculato.

Bicalho já havia sido indiciado em maio de 2020 junto com o ex-governador Fernando Pimentel (PT) em um outro inquérito sobre o caso, realizado pelo Departamento de Combate à Corrupção e Fraudes. Pimentel não foi indiciado nesta segunda-feira (12).

Na gestão do petista, o governo de Minas descontou as parcelas dos empréstimos dos salários dos servidores, mas não repassou aos bancos imediatamente, utilizando o dinheiro para pagar despesas da máquina estadual.

Segundo a investigação, cerca de 260 mil servidores foram prejudicados com o atraso dos pagamentos das parcelas — parte deles teve inclusive o nome incluído no SPC Serasa por inadimplência. Os débitos eventualmente foram pagos pela gestão petista e também durante o governo de Romeu Zema (Novo).

O chefe da Divisão Operacional do Departamento Estadual de Investigação de Crimes contra o Patrimônio (Depatri), o delegado César Matoso afirmou que, no caso investigado, os recursos desviados não foram utilizados para benefício pessoal, mas para pagar despesas do Estado, que tinha problemas de caixa.

“[O dinheiro não foi repassado aos bancos] por decisão do então secretário de Fazenda e do subsecretário de Tesouro Estadual, conforme depoimentos, declarações dos próprios suspeitos e a própria legislação à época, que atribuía essa obrigação, essa responsabilidade pela gestão da folha de pagamento aos dois", afirmou o delegado.

"Os secretários não desviaram recursos para si. Eles desviaram os recursos privados, pertencentes aos bancos, em benefício do próprio Estado pagando contas públicas. É um dinheiro pertencente aos bancos e o Estado não pode fazer uso de dinheiro privado para quitar outras obrigações", acrescentou.

O inquérito apurou desvios de recursos em relação a empréstimos contraídos em 12 instituições financeiras. Como o desvio de recursos se deu por um período de vários meses, foram 102 condutas apuradas. A pena pelo crime de peculato varia de 2 a 12 anos por cada infração. Assim, a pena total dos indiciados pode chegar a 1.224 anos.

Agora, caberá ao Ministério Público decidir se irá abrir um processo contra Pimentel, este com base no inquérito de maio de 2020, e também contra José Afonso Bicalho e Paulo Duarte.

A reportagem entrou em contato com José Afonso Bicalho por meio do celular dele, mas ele não atendeu as ligações nem respondeu as mensagens enviadas. Por meio de nota divulgada (veja na íntegra no final desta matéria) nesta terça-feira (13), citou "equívocos da autoridade policial". "Os equívocos formulados estão em confundir insuficiência de fluxo financeiro para cobrir todas as obrigações orçamentárias (atraso de pagamentos) com existência de desvio, quando o que ocorre é insuficiência de recurso. Não se pode desviar o que não existe", pontuou.

A defesa de Paulo Duarte não foi localizada.

O advogado de Fernando Pimentel, Eugênio Pacelli, disse que não existiu crime no procedimento. "O Estado não tinha recursos nem para os vencimentos dos servidores. Teve que arrumar para pagar o líquido da folha", declarou.

Veja na íntegra a nota divulgada pela defesa de José Afonso Bicalho:

Embora não tenha tido acesso ao relatório de indiciamento apresentado pelo delegado de polícia, e levando em conta exclusivamente as informações da entrevista coletiva por ele concedida, a defesa de José Afonso Bicalho e Paulo Duarte vem a público manifestar o seguinte: 

1) Como é de conhecimento público, durante todo o período de governo 2015/2018 a administração estadual conviveu com déficits orçamentários e financeiros.

2) Prova disso é que a própria lei orçamentária para vigência em 2015 indicou a existência de um déficit de 7 (sete) bilhões de reais, sendo que em leis orçamentárias posteriores esse déficit foi crescente.

3) A explanação da autoridade policial na verdade deixa transparecer os equívocos interpretativos quanto à execução de orçamento público, em especial o deficitário.

4) Os equívocos formulados pela autoridade policial estão em confundir insuficiência de fluxo financeiro para cobrir todas as obrigações orçamentárias (atraso de pagamentos) com existência de desvio, quando o que ocorre é insuficiência de recurso. Não se pode desviar o que não existe.

5) Continua a autoridade policial equivocada ao detectar glosa e/ou retenção também com insuficiência de caixa. Só se podia pagar o que se tinha dinheiro para pagar, ficando tudo o mais para depois, ou seja, pago com atraso por falta de alternativa. A opção do governo foi pagar inicialmente o salário dos servidores, assim mesmo de forma parcelada pela inexistência, repita-se, de recursos para cumprir integralmente as obrigações. 

6) Os bancos não deixaram de receber o que lhes era devido, assim como outros credores, embora tenham recebido em parcelas e com atraso. Acontece que no caso específico eles inclusive transigiram, fizeram acordo judicial e o estado cumpriu com o que foi acordado. Não se entende a razão de tratá-los como vítimas.

7) Outras prejudiciais à fala da autoridade poderiam ser aqui suscitadas, mas para não alongar em demasia essa manifestação elas devem ficar para o momento processual adequado, que se seguirá à entrega do relatório ao ministério público. 

8) Ademais, mas não menos importante, é o fato de que não é verdade que servidores tenham sido prejudicados em sua idoneidade financeira. Não houve nomes negativados como se insinuou, até porque os convênios existentes entre o estado e os bancos não autorizavam essa providência. 
Por último, mesmo admitindo que os secretários não se beneficiaram do "desvio", a utilização dessa palavra além de imprópria é ofensiva, isto porque, a exemplo de vários casos havidos em diversas administrações públicas, aqui se tratou de atraso de pagamento por imposição da absoluta falta de recursos (dinheiro), para arcar com todas as obrigações pecuniárias. 

O déficit orçamentário e financeiro do estado de Minas Gerais é de conhecimento de todos.

A defesa técnica dos secretários indevidamente citados, a partir da leitura do relatório de indiciamento, adotará as providências cabíveis ao caso.

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