BRASÍLIA - O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi surpreendido na noite de terça-feira (24) com o anúncio da votação do projeto de decreto legislativo (PDL) que cancela o decreto sobre o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), feito pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).

Nesta quarta-feira (25), a Câmara aprovou a derrubada da proposta do governo, com 383 deputados votando a favor e apenas 98 optando pela manutenção do decreto. A discussão da matéria foi marcada por críticas a Motta pela falta de previsibilidade, por incluir o PDL na pauta sem se abrir às negociações e ao caráter de revanchismo da posição do presidente da Câmara. 

Motta comunicou a votação para esta quarta-feira por uma publicação no X, sem avisar antes o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), nem a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, responsável pela articulação política do governo com o Congresso.

Segundo relatos, deputados pediram ao presidente da Câmara para que convocasse uma reunião de líderes para debater o tema, o que foi negado. Também causou surpresa a votação em sessão virtual, já que grande parte dos parlamentares não está em Brasília por conta das comemorações de São João. O Planalto se queixou ainda da escolha de um deputado do PL como relator da matéria, o deputado Coronel Chrisóstomo (RO).

Mas essa derrota do Executivo foi anunciada há semanas por Hugo Motta, desde o primeiro decreto de aumento do IOF feito por Haddad. E nem a liberação de emendas parlamentares durante a última semana foi suficiente para retardar a decisão.

Integrantes do Planalto especulam que a decisão do presidente da Câmara poderia ter sido tomada após entrevista do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na noite de terça-feira, à Record News, em que ele criticou o projeto de lei que aumenta o número de deputados. "Nenhum aumento de gasto é bem-vindo", disse, na entrevista.

Motta também estaria insatisfeito com postura do governo de que o Congresso seria o "vilão" do aumento na conta de luz, após votação que derrubou 12 vetos do presidente Lula

Entenda a escalada da derrubada do aumento do IOF 

No final de maio, o Ministério da Fazenda publicou um decreto com mudanças significativas no IOF, sem comunicar o Congresso Nacional, o que gerou uma forte reação por parte dos parlamentares e por agentes do mercado financeiro, fazendo com que, em poucas horas, o governo revogasse parte do texto.

Os parlamentares articularam para derrubar o que restou da medida. A partir daí, o governo passou a negociar com os presidentes das Casas uma proposta alternativa. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, destacou a importância do decreto para garantir aumento de arrecadação e o equilíbrio das contas públicas. 

“Preciso da aprovação de uma parte das medidas [que serão apresentadas aos líderes] para rever o decreto [do IOF]. Tenho Lei de Responsabilidade Fiscal, arcabouço fiscal… Uma série de constrangimentos legais que me impõem obrigações para cumprir”, ressaltou Haddad a jornalistas.

No dia 8, Haddad apresentou aos líderes partidários um pacote alternativo à alta do IOF e saiu da reunião confiante que as medidas seriam aprovadas. Mesmo assim, o presidente da Câmara pautou para o último dia 16 a votação da urgência do projeto de decreto legislativo, que foi aprovado pelos deputados, por 346 votos favoráveis, inclusive com votos de parlamentares da base aliada.

Autor do PDL, o líder da oposição, deputado Zucco (PL-RS), afirmou que a votação é um recado para o governo da insatisfação da Casa e com apoio de partidos do centrão, que possuem ministérios no governo Lula. "O governo não corta na carne, não diminui ministérios e cargos de confiança", disse.

Na sessão do dia 16, havia também a ameaça de que o mérito já fosse analisado, para a derrubada total da proposta. Mas, após a promessa de liberação de emendas parlamentares, Hugo Motta pautou apenas a urgência da matéria.

O discurso oficial dos presidentes da Casa é que a equipe econômica de Lula precisa apresentar uma “agenda estruturante”, soluções que demonstrem que o governo está "cortando na carne". Mas, por outro lado, o presidente da Câmara antecipou que a votação seria “muito simbólica sobre o sentimento da Casa”.

Nas reuniões de articulação, um dos principais motivos de insatisfação dos parlamentares é a demora na liberação de emendas parlamentares

Derrotas de Haddad 

Esta foi mais uma derrota do ministro Fernando Haddad. Antes mesmo de assumir o cargo, ele já defendia aumentar impostos do combustível, zerados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele foi vencido pela direção do PT, e Lula assinou uma Medida Provisória (MP) estendendo o benefício. 

Em outra frente para aumentar a arrecadação, o Ministério da Fazenda anunciou, em abril de 2023, que acabaria com a isenção do imposto de importação sobre remessas internacionais de até US$ 50 entre pessoas físicas. Mas diante da repercussão negativa, Haddad recuou e adiou a cobrança. 

Mesmo o pacote de corte de gastos apresentado ao Congresso, não era a proposta original da equipe econômica do Ministério da Fazenda.   

No entanto, o presidente Lula tem defendido publicamente o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Na época da publicação do decreto que aumentou o IOF, o petista negou que tenha havido erro da equipe econômica durante o anúncio da medida, que tem como objetivo elevar a arrecadação e buscar o equilíbrio das contas públicas.

Nesta quarta-feira, Lula também elogiou a “seriedade com que o Haddad trata a economia”. Segundo o petista, seu governo está “há três anos tentando consertar” o cenário econômico brasileiro.

Mais cedo, Lula compartilhou uma publicação de Haddad nas redes sociais em que o ministro defende o decreto do Ministério da Fazenda que reajusta o IOF como forma de buscar o equilíbrio das contas públicas.

“O decreto do IOF corrige uma injustiça: combate a evasão de impostos dos mais ricos para equilibrar as contas públicas e garantir os direitos sociais dos trabalhadores”, publicou Haddad.

Congresso desfigurou pacote de corte de gastos

Embora os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), cobrem propostas do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para ajustar o Orçamento, o pacote de corte de gastos enviado em dezembro foi desidratado. Além disso, outras propostas em tramitação no Congresso nesse sentido estão travadas.

Um deles é o do projeto de reforma da previdência dos militares, que impõe uma idade mínima de 55 anos para aposentadoria, acompanhada de uma regra de transição. O texto foi enviado em 17 de dezembro, mas até o momento não foi encaminhado pelo presidente da Câmara para comissões. O governo estima que a medida gere uma economia de R$ 2 bilhões por ano. 

A proposta também acaba com a morte ficta - que permite que a família de um militar expulso das Forças Armadas receba pensão como se ele tivesse morrido -, aumenta o valor da contribuição ao sistema e limita o repasse das pensões, além de impor idade mínima para aposentadoria – o que já foi aprovado para os civis há seis anos.

Outro assunto que não andou no Congresso é o corte nos supersalários do funcionalismo público, em especial de juízes e promotores do Ministério Público. Em dezembro, o governo Lula tentou limitar as verbas indenizatórias recebidas por agentes públicos, mas o texto foi alterado pelo Congresso diante da pressão de juízes e promotores.

A proposta do governo previa que só poderiam ultrapassar o teto salarial do funcionalismo os benefícios autorizados expressamente em lei complementar de caráter nacional. Caso contrário, seriam declarados ilegais. 

Com a nova redação do Congresso, os salários no serviço público que ultrapassam o teto (que hoje é de R$ 44 mil mensais) permaneceram como estavam, observando a norma que trata dos valores “extras” até que uma futura lei regulamente quais verbas podem ficar fora do teto remuneratório.

Essa regulamentação será feita por lei ordinária — cuja aprovação requer um quórum menor do que o exigido para lei complementar, conforme previa a proposta inicial do Executivo). Para os críticos da medida, isso significa que será mais fácil permitir “penduricalhos” que ficarão fora do teto.

Outra medida prevista, por exemplo, o limite para o crescimento do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), economizaria R$ 2,3 bilhões ao fim do atual mandato e R$ 16 bilhões até 2030.

Agora, o governador Ibaneis Rocha (MDB) quer usar esse dinheiro para conceder aumento de até 44% para policiais e bombeiros do Distrito Federal. O governador pressiona o presidente Lula a editar uma medida provisória (MP) para que as categorias passem a ganhar até R$ 11,9 mil a mais por mês.