BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente do Paraguai, Santiago Peña, discutiram nesta quinta-feira (3) sobre o suposto caso de espionagem ilegal da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) contra o país vizinho.
Lula recebeu Peña na embaixada do Brasil em Buenos Aires, na Argentina, onde os presidentes participaram da cúpula de chefes de Estado do Mercosul.
O caso veio à tona no fim de março deste ano e gerou uma crise diplomática entre os dois países. Na ocasião, o governo paraguaio abriu uma investigação para apurar a suposta ação, mas afirmou que não tem nenhuma evidência de que o Brasil atacou seus sistemas para obter informações.
A ação hacker contra autoridades do Paraguai teria acontecido no âmbito das negociações pela tarifa da Usina de Itaipu, que tem os dois países como sócios. Com a revelação do caso, os paraguaios decidiram suspender as negociações para a revisão do Tratado de Itaipu.
No encontro desta quinta-feira, na Argentina, ficou decidido que serão retomadas as conversas sobre a revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu, que estabelece as condições de partilha da energia excedente gerada pela empresa.
“Os presidentes conversaram a respeito das investigações em curso sobre atividades não autorizadas da Abin em relação ao Paraguai. E reiteraram o respeito e o diálogo como princípios fundamentais da relação entre os dois países. Ambos os presidentes se comprometeram a retomar a revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu, que estabelece as condições de partilha da energia excedente gerada pela empresa”, diz nota divulgada pelo Planalto.
O presidente do Paraguai afirmou, por meio de suas redes sociais, que pediu "o total comprometimento das autoridades brasileiras no esclarecimento dos fatos”..
Na agenda, Lula e Peña também discutiram obras de infraestrutura comum aos dois países, como a Ponte da Integração, que liga Foz do Iguaçu (PR) a Presidente Franco (Paraguai). Segundo o governo brasileiro, "as obras de acesso do lado brasileiro já atingiram quase 80% de execução e devem ser concluídas em dezembro".
Os dois presidentes trataram ainda sobre a Ponte Bioceânica, na fase de projeto arquitetônico da área de controle integrado. A obra integra a Rota Bioceânica — um corredor rodoviário que vai ligar os oceanos Atlântico e Pacífico por meio de Brasil, Paraguai, Argentina e Chile.
A ponte, sob o rio Paraguai, vai conectar Porto Murtinho (MS) a Carmelo Peralta (Paraguai). “As duas obras [pontes da Integração e Bioceânica] são consideradas essenciais para a ampliação do comércio bilateral que atingiu, em 2024, mais de 7 bilhões de dólares, o maior de sua história”, destacou o Planalto.
Entenda o caso
De acordo com reportagem publicada pelo portal Uol, em março, a Abin teria feito uma operação de intrusão a computadores de autoridades paraguaias para obter informações sobre os planos para o Anexo C da usina de Itaipu. A operação teria iniciado ainda pela gestão de Jair Bolsonaro (PL), e teria continuado após o início do atual governo e com a autorização do presidente da Abin, Luiz Fernando Corrêa, indiciado pela Polícia Federal no caso da "Abin paralela".
Por meio de nota, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil indicou que a ação cibernética citada foi realizada pela Abin no governo anterior e suspensa pela atual gestão. “A citada operação foi autorizada pelo governo anterior, em junho de 2022, e tornada sem efeito pelo diretor interino da ABIN em 27 de março de 2023, tão logo a atual gestão tomou conhecimento do fato”, diz nota divulgada pelo Itamaraty na época.
“O atual diretor-geral da ABIN encontrava-se, naquele momento, em processo de aprovação de seu nome no Senado Federal, e somente assumiu o cargo em 29 de maio de 2023”, afirmou ainda o Itamaraty.
A operação entrou na mira da Polícia Federal, no inquérito que apura o suposto uso ilegal de ferramentas na Abin para investigar autoridades. A estrutura montada incluiu a compra de um sistema espião pela agência para monitorar a localização de alvos pré-determinados.
Anexo C trata de preço dos serviços
O Anexo C é parte do Tratado de Itaipu e estabelece as bases financeiras e de prestação de serviços de eletricidade da hidrelétrica compartilhada pelos dois países.
O documento define as condições para o suprimento de energia, como o preço e a receita do serviço. O próprio texto prevê a revisão dos termos 50 anos depois da vigência do acordo, o que ocorreu em abril de 2023. Essa revisão não inclui o corpo do tratado de Itaipu nem os outros anexos.