BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reafirmou nesta quarta-feira (30) que "é inaceitável" a interferência na Justiça brasileira, após anúncio do governo dos Estados Unidos de sanções contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e também a oficialização da imposição de uma sobretaxa de 50% sobre importações brasileiras.

"É inaceitável a interferência do governo norte-americano na Justiça brasileira. O governo brasileiro se solidariza com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, alvo de sanções motivadas pela ação de políticos brasileiros que traem nossa pátria e nosso povo em defesa dos próprios interesses", disse o presidente, por meio de nota.

"Um dos fundamentos da democracia e do respeito aos direitos humanos no Brasil é a independência do Poder Judiciário e qualquer tentativa de enfraquecê-lo constitui ameaça ao próprio regime democrático. Justiça não se negocia", continua o texto.

Além disso, Lula destaca que é "injustificável o uso de argumentos políticos para validar as medidas comerciais anunciadas pelo governo norte-americano contra as exportações brasileiras".

O comunicado divulgado na noite desta quarta-feira pelo Palácio do Planalto reforça ainda que "o Brasil segue disposto a negociar aspectos comerciais da relação com os Estados Unidos, mas não abrirá mão dos instrumentos de defesa do país previstos em sua legislação", em uma referência à Lei de Reciprocidade, que permite ao Brasil adotar medidas contra países que impõem tarifas unilaterais. 

Mais cedo, o presidente Lula classificou como “um dia sagrado da soberania brasileira” ao comentar as novas tarifas impostas ao Brasil e as sanções financeiras contra Moraes. As declarações foram dadas durante cerimônia no Palácio do Planalto.

Veja a íntegra da nota:

"Brasil é um país soberano e democrático, que respeita os direitos humanos e a independência entre os Poderes. Um país que defende o multilateralismo e a convivência harmoniosa entre as Nações, o que tem garantido a força da nossa economia e a autonomia da nossa política externa.

É inaceitável a interferência do governo norte-americano na Justiça brasileira.  

O governo brasileiro se solidariza com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, alvo de sanções motivadas pela ação de políticos brasileiros que traem nossa pátria e nosso povo em defesa dos próprios interesses.

Um dos fundamentos da democracia e do respeito aos direitos humanos no Brasil é a independência do Poder Judiciário e qualquer tentativa de enfraquecê-lo constitui ameaça ao próprio regime democrático. Justiça não se negocia.

No Brasil, a lei é para todos os cidadãos e todas as empresas. Qualquer atividade que afete a vida da população e da democracia brasileira está sujeita a normas. Não é diferente para as plataformas digitais.

A sociedade brasileira rejeita conteúdos de ódio, racismo, pornografia infantil, golpes, fraudes, discursos contra os direitos humanos e a democracia.

O governo brasileiro considera injustificável o uso de argumentos políticos para validar as medidas comerciais anunciadas pelo governo norte-americano contra as exportações brasileiras. O Brasil tem acumulado nas últimas décadas um significativo déficit comercial em bens e serviços com os Estados Unidos. A motivação política das medidas contra o Brasil atenta contra a soberania nacional e a própria relação histórica entre os dois países.

O Brasil segue disposto a negociar aspectos comerciais da relação com os Estados Unidos, mas não abrirá mão dos instrumentos de defesa do país previstos em sua legislação. Nossa economia está cada vez mais integrada aos principais mercados e parceiros internacionais.

Já iniciamos a avaliação dos impactos das medidas e a elaboração das ações para apoiar e proteger os trabalhadores, as empresas e as famílias brasileiras".

O que aconteceu?

Os Estados Unidos aplicou sanções da lei Magnitsky a Alexandre de Moraes com o argumento de que o ministro estaria violando os direitos humanos. O departamento de Tesouro norte-americano argumentou que o membro do Supremo Tribunal Federal usou o cargo "para autorizar prisões preventivas arbitrárias e suprimir a liberdade de expressão".

O documento que impõe as sanções diz, ainda, que o ministro age contra políticos de oposição e cita o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), réu no inquérito golpista no Supremo. "Moraes congelou bens e revogou passaportes de seus críticos; contas banidas nas redes sociais; e ordenou que a polícia federal do Brasil invadisse as casas de seus críticos, apreendesse seus pertences e garantisse sua prisão preventiva", afirmou.

A lei Magnitsky, que prevê o bloqueio de contas e bens do ministro nos Estados Unidos, não é a primeira sanção dirigida a Alexandre de Moraes pelo governo Donald Trump. No último dia 18, o departamento de Estado cancelou o visto americano do ministro e de seus familiares. A punição também atingiu outros sete ministros do Supremo, e apenas André Mendonça, Kassio Nunes Marques e Luiz Fux foram poupados da medida.

Também nesta quarta-feira, o ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, se reuniu com o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, em Washington, e enfatizou que é “inaceitável e descabida a ingerência na soberania nacional”, por parte do governo dos Estados Unidos, no que diz respeito a decisões do Poder Judiciário do Brasil. 

Institucionalmente, o STF reagiu às sanções contra Alexandre de Moraes e saiu em defesa dele em nota publicada nesta quarta-feira à noite. A Corte rebateu as acusações feitas pela oposição e por autoridades norte-americanas ao inquérito do golpe, cujo principal réu é o ex-presidente Jair Bolsonaro, e manifestou solidariedade ao ministro — que, aliás, é relator dessa ação.

A nota é dividida em seis tópicos e em quatro deles a Corte se debruça sobre o andamento do inquérito e o processo, reforçando que a análise cabe apenas ao Supremo Tribunal Federal por competência definida pela Constituição brasileira. "O julgamento de crimes que implicam atentado grave à democracia brasileira é de exclusiva competência da Justiça do país, no exercício independente do seu papel constitucional", diz o documento.

A declaração da Corte especifica ainda que "indícios graves" de crimes contra a democracia foram encontrados nas investigações e repete que as decisões do ministro relator Alexandre de Moraes passaram, ainda, pelo crivo da Primeira Turma, e, portanto, de outros quatro ministros. "Todas as decisões tomadas pelo relator do processo foram confirmadas pelo Colegiado competente", argumenta.

O STF diz ainda que "não se desviará do seu papel de cumprir a Constituição e as leis do país, que asseguram a todos os envolvidos o devido processo legal e um julgamento justo". Esse trecho específico do documento rebate diretamente as acusações de que Jair Bolsonaro seria vítima de uma operação "caça às bruxas" e de um processo viciado.

A Corte conclui a declaração com uma mensagem de solidariedade ao ministro Alexandre de Moraes, que, individualmente, ainda não se manifestou sobre as sanções aplicadas pelo governo Donald Trump.

Mais cedo, o ministro Flávio Dino expressou solidariedade ao colega. "Ele [Alexandre de Moraes] está apenas fazendo seu trabalho, de modo honesto e dedicado, conforme a Constituição do Brasil. E as suas decisões são julgadas e confirmadas pelo colegiado competente (Plenário ou 1ª Turma do STF", escreveu em uma rede social.