BRASÍLIA - O governo brasileiro protocolou nesta segunda-feira (18/8) uma resposta formal ao governo dos Estados Unidos sobre a investigação aberta por Washington contra o Brasil por supostas “práticas comerciais desleais”.

No documento enviado ao Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês), o Brasil afirma que não adota políticas discriminatórias, injustificáveis ou restritivas ao comércio com os EUA e que não há base jurídica ou factual para a imposição de sanções.

"A manifestação brasileira demonstra, de forma detalhada e com base em vasta documentação, que as alegações dos EUA são improcedentes. O documento comprova que as políticas brasileiras investigadas são transparentes, não discriminatórias, estão em plena conformidade com as melhores práticas internacionais e com as obrigações do País na OMC", diz nota divulgada pelo Itamaraty. 

A apuração aberta sob a Seção 301 da Lei de Comércio de 1974 foi iniciada em julho, a pedido do governo de Donald Trump, para verificar se políticas brasileiras prejudicam empresas norte-americanas. Entre os alvos da investigação americana, estão serviços de pagamentos eletrônicos, como o Pix, o etanol, a propriedade intelectual e políticas ambientais relacionadas ao desmatamento.

"O Brasil insta o USTR a reconsiderar o início desta investigação e a iniciar um diálogo construtivo. Medidas unilaterais previstas na Seção 301 podem comprometer o sistema multilateral de comércio e ter consequências adversas para as relações bilaterais", escreveu o governo brasileiro na resposta.

O governo americano também acusa o Brasil de não aplicar “medidas anticorrupção e de transparência" e de se negar a proteger direitos de propriedade intelectual. O relatório dos EUA chega a citar comércios populares, como a Rua 25 de Março, em São Paulo.

Outro ponto central é o bloqueio, por decisão judicial, da plataforma Rumble, bastante usada por grupos conservadores, por ter se negado a suspender a conta de um usuário que era foragido da Justiça brasileira e mora nos EUA.

Caso a Justiça dos EUA conclua que há práticas desleais, o governo Trump poderá impor sobretaxas a produtos brasileiros.

Confira a defesa do Brasil nos tópicos da acusação dos EUA

Comércio bilateral

Na manifestação enviada ao USTR, o Itamaraty defendeu que a premissa de prejuízo ao comércio dos EUA é inverídica, sendo que o comércio bilateral é mutuamente benéfico. "Há, em verdade, expressivo e crescente superávit comercial em favor dos EUA na relação com o Brasil", destaca o documento.

O Brasil também ressaltou que promoveu reformas em setores apontados pelos EUA e que todas são compatíveis com normas multilaterais.
 
“Não há prejuízo às empresas norte-americanas em comparação com companhias de outros países”, diz o texto. Para o governo brasileiro, medidas unilaterais como sobretaxas seriam ilegítimas e contrárias às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Pix e propriedade intelectual

O governo brasileiro afirma que as regras de operação do Pix visam segurança, estabilidade e proteção do consumidor, sem restrições discriminatórias a empresas estrangeiras. 

Sobre a propriedade intelectual, a defesa destacou que o Brasil cumpre padrões internacionais e mantém marcos regulatórios em linha com os acordos da OMC.

Resposta sobre o STF

O governo sustentou que nenhuma decisão do STF ou ordem judicial relacionada ao tema resulta em medidas discriminatórias que prejudiquem os direitos fundamentais de qualquer parte ou a capacidade de empresas norte-americanas competirem no Brasil ou no mercado global.

"Em resumo, nenhuma das alegações em relação à decisão do STF ou às ordens judiciais subjacentes resulta em medidas discriminatórias que afetem de forma indevida os direitos fundamentais de qualquer parte ou a capacidade das empresas norte-americanas de participar competitivamente nos mercados brasileiro ou global."

O documento enfatiza que o uso de multas e medidas coercitivas para garantir o cumprimento da lei é uma prática judicial padrão em qualquer país com Estado de Direito, inclusive nos Estados Unidos.
 
Em sua argumentação, o Itamaraty afirma que é prática normal que legislações nacionais estabeleçam requisitos formais para o funcionamento de empresas estrangeiras em seu território, visando questões de responsabilidade jurídica.

Dessa forma, o governo reforça que o artigo 19 do Marco Civil da internet não é uma barreira direcionada contra empresas dos EUA, mas uma norma geral para todos que atuam no país. Por isso, não se trata de uma conduta discriminatória contra o comércio americano — condição necessária para a aplicação de medidas punitivas dentro da Seção 301.

O documento alega que a objeção apresentada pelos EUA parece mirar os esforços legítimos do Brasil para equilibrar direitos fundamentais e combater crimes online, de acordo com seu sistema jurídico e valores sociais. 

Etanol e meio ambiente

Já em relação ao etanol, o Brasil disse que adota políticas compatíveis com compromissos multilaterais e lembrou que o país pratica “tarifa zero” para produtos aeronáuticos, em referência às regras aplicadas à indústria da aviação. No caso do desmatamento, o Itamaraty alega que a política ambiental brasileira não constitui barreira comercial nem restringe a competitividade de empresas americanas.

Próximos passos

O processo segue em análise pelo USTR. No dia 3 de setembro, haverá uma audiência pública para defesa presencial dos argumentos.