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Lula evita chamar Hamas de grupo terrorista e é criticado por isso; entenda

Tradicionalmente, o governo brasileiro somente considera um grupo como terrorista se ele for classificado dessa forma pela Organização das Nações Unidas (ONU)

Por Manuel Marçal
Publicado em 10 de outubro de 2023 | 12:33
 
 
 
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O conflito entre Israel e o grupo extremista armado Hamas vem tensionando o clima de polarização política no Brasil. Parlamentares da oposição têm criticado o governo brasileiro por não adotar uma postura mais dura em relação aos ataques. Soma-se a isso o fato de o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não citar nominalmente o Hamas em suas declarações e nem classificá-lo como terrorista. 

Até agora, dois brasileiros que participavam do  festival de música eletrônica SUPERNOVA Universo Paralello Edition próximo à Faixa de Gaza foram encontrados mortos.Karla Stelzer, 41 anos, continua desaparecida. A festa foi interrompida durante o ataque que, até agora, deixou mais de 260 pessoas mortas, segundo as autoridades israelenses.

Tradicionalmente, o governo brasileiro só considera um grupo como terrorista se ele for considerado dessa forma pela Organização das Nações Unidas (ONU). Essa classificação já foi dada a grupos islâmicos como Boko Haram, Al-Qaeda e Estado Islâmico. No entanto, a ONU não tem esse mesmo entendimento em relação ao Hamas e ao grupo paramilitar Hezbollah, que atua no Líbano.  

E o Brasil não está sozinho no cenário global em relação a isso. É o mesmo posicionamento oficial de países como África do Sul, China, Irã, Noruega, Rússia, Turquia, entre outras nações. No entanto, outras nações têm discordando desse posicionamento, caso de  Estados Unidos, Reino Unido, alguns países europeus e aliados, como Japão, que chamam abertamente o Hamas de grupo terrorista. 

No início da ofensiva na Faixa de Gaza, no último sábado (7), Lula classificou a ação como “ataque terrorista”, mas não fez menção ao Hamas. Ainda assim, defendeu a existência de dois estados soberanos: Israel e Palestina. Atualmente, não existe oficialmente o estado palestino, mas a posição de neutralidade do governo brasileiro tem um histórico antigo. 

Um dos principais ataques da oposição ao petista é em função de um texto escrito por Basim Naim, um dos membros da alta cúpula do Hamas, em que parabenizava Lula pela vitória nas urnas no último ano. A nota foi publicada em 31 de outubro de 2022, após a realização do segundo turno, no site oficial do grupo. 

No texto ele dizia que a vitória foi significativa para “todos os povos oprimidos em todo o mundo’, particularmente para o povo palestino, pois ele (Lula) é conhecido pelo seu apoio forte e contínuo aos palestinos em todos os fóruns internacionais”. O presidente, no entanto, nunca comentou sobre esse posicionamento. 

Isso também não significa que o presidente demonstrou apoio aos ataques realizados em Israel, como foi veiculada uma fake news que circulou nos últimos dias. Ela mostrava que em 2009, a ajuda humanitária do governo brasileiro à Palestina, aprovado pelo Congresso Nacional, teria sido direcionada ao Hamas. 

“A doação foi destinada à Autoridade Nacional Palestina, controlada pelo Fatah, partido que faz oposição ao Hamas na Palestina”, rebateu o governo federal por meio de nota. Numa tentativa de mostrar que condena as ações, o Itamaraty também ressaltou que, em meio a esse conflito, além de priorizar a repatriação de brasileiros que estão na região, tem atuado no Conselho de Segurança da ONU, do qual ocupa a presidência até dezembro deste ano. 

“As peças de desinformação surgem na esteira da recente série de ataques a Israel conduzidos pelo Hamas. O Governo Brasileiro condena as ações e convocou o Conselho de Segurança da ONU a tratar sobre o assunto. O Itamaraty mantém canais de assistência para brasileiros na zona de conflito. No momento, a Força Aérea Brasileira já está enviando voos para repatriar brasileiros que encontram-se na região”. 

Guerra de narrativas é antiga

Essa briga e guerra de narrativas não é de agora. Em 2021, dez deputados federais do PT divulgaram uma nota conjunta condenando o fato do governo britânico à época ter classificado o Hamas como “grupo terrorista”. Na época, os parlamentares disseram ainda que o  “resistência” dos palestinos não era “terrorismo” e que era falsa a alegação de que o Movimento de Resistência Islâmica seria “fundamentalmente e radicalmente antissemita”.  

O entendimento dos parlamentares do PT marcava o posicionamento divergente do então presidente Jair Bolsonaro (PL), que tinha alinhamento político-ideológico com o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e com o primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu. 

A avaliação no governo, inclusive, é a de que o debate deve continuar acalorado nos próximos dias. Isso porque, o assessor especial da Presidência da República, Celso Amorim, chegou a escrever que o fato de o Hamas ter papel central na Palestina é encorajador. O posicionamento, escrito em um livro, foi revelado pelo site Poder 360 nesta terça-feira (10). 

“Como firme defensor dos direitos palestinos e defensor de uma solução por meios pacíficos, fiquei muito encorajado com as palavras finais do autor: através de maiores esforços diplomáticos e alianças globais, ‘o Hamas pode desempenhar um papel central na restauração dos direitos palestinos’”. 

O posicionamento de Celso Amorim está na apresentação da versão em português do livro: “Engajando o mundo: a construção da política externa do Hamas”, escrito pelo pesquisador britânico Daud Abdullah. O livro foi publicado em março deste ano.  Muito influente no Ministério de Relações Exteriores, o ex-chanceler de Lula tem atuado em missões diplomáticas a mando do petista.

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