Gabinete paralelo

Prefeitos dizem que esquema de propina no MEC envolvia compra de Bíblias

Versões da Bíblia comentada por Gilmar Santos, pastor amigo de Milton Ribeiro, foram distribuídas em evento com o ministro. Santos é dono da editora Cristo para Todos, que produz os livros

Por Renato Alves
Publicado em 24 de março de 2022 | 12:18
 
 
 
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A atuação do chamado gabinete paralelo no Ministério da Educação (MEC) envolvia compra de Bíblias para serem distribuídas nas cidades que recebiam a visita do ministro Milton Ribeiro, e dinheiro para igreja evangélica. 

Os relatos foram feitos ao jornal O Globo pelos prefeitos Kelton Pinheiro, de Bonfinópolis (GO), e José Manoel de Souza, de Boa Esperança do Sul (SP).

Eles disseram que o pastor Arilton Moura era quem fazia a negociação em troca de verbas da educação. 

Versões da Bíblia comentada por Gilmar Santos, outro pastor próximo de Ribeiro, foram distribuídas em um evento com o ministro na cidade de Nova Odessa, no interior de São Paulo. Santos é também o dono da editora Cristo para Todos, que produz os livros.

O prefeito de Bonfinópolis, Professor Kelton (Cidadania) relatou que foi convidado para almoçar após uma reunião no MEC, no começo de 2021. No restaurante, Arilton disse que se o prefeito tivesse “interesse” em recurso para escola no município, ele poderia “organizar”. 

Segundo o prefeito, o pastor pediu R$ 15 mil para custear despesas em Brasília e sugeriu que ele comprasse mil Bíblias, no valor de R$ 50 cada, para distribuir no município.

O prefeito de Boa Esperança do Sul, José Manoel de Souza, afirmou também que foi levado a um restaurante de um hotel em Brasília depois de um evento no MEC.

Lá, segundo o prefeito, Arilton perguntou se ele teria interesse em ter uma escola profissionalizante na cidade. 

“Eu disse que tinha outras demandas, como creche, terceirização de ônibus”, contou o prefeito. Ele disse que o pastor então complementou dizendo que se ele quisesse poderia ter a escola na hora.

“Ele disse: Eu falo lá, já faz um ofício, mas você tem que fazer um depósito de R$ 40 mil para ajudar a igreja”, relatou Souza. Ele disse que respondeu que não faria esse tipo de negócio. Boa Esperança, segundo o prefeito, não teve qualquer ajuda do MEC em projetos.

Ministro participou de evento com pastores denunciados

Em um evento em Nova Odessa com a participação do ministro, houve pregação dos dois pastores além da distribuição de Bíblias. Uma secretária que esteve no evento e pediu para seu nome não ser publicado descreveu o cenário como “desconfortável, escandaloso para quem é da educação”.

Ela disse que as Bíblias estavam em mesas junto a profissionais do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do MEC, que resolviam eventuais dificuldades das Prefeituras com merenda, transporte e materiais didáticos. 

Durante o atendimento a prefeituras em Nova Odessa, em cima do palco, o pastor Moura perguntou se a plateia sabia o motivo de eles estarem ali. 

“Porque vimos a necessidade do evangelismo em cada município desses”, afirmou. Ao discursar, o ministro agradeceu o pastor Gilmar e o chamou de “meu amigo, meu irmão”. Procurado, o prefeito de Nova Odessa, Claudio José Schooder (PSD), conhecido como Leitinho, não respondeu até a conclusão desta edição.

Segundo um prefeito do interior paulista, que pediu para não ser identificado, a aquisição de Bíblias era uma condição prévia para que o ministro fosse até a cidade. O mesmo teria ocorrido em São João da Boa Vista, a 200 quilômetros da capital paulista.

Em aúdio, ministro diz priorizar pastores por ordem de Bolsonaro

Desde o início da semana,  jornais como Estadão, Folha de S. Paulo e O Globo revelam a atuação dos pastores Arilton Moura e Gilmar Santos no MEC por meio de um “gabinete paralelo”.

Apoiadores de Jair Bolsonaro, eles não estão ligados formalmente ao ministério e teriam pedido propina para liberar verbas da pasta a municípios. 

Ambos são próximos do ministro Milton Ribeiro, que também é pastor. Em áudio vazado, Ribeiro chega a dizer que prioriza pedidos dos pastores, por ordem de Bolsonaro. 

O prefeito de uma cidade maranhense afirmou, em entyrevista, que um dos pastopres chegou a pedir, além de dinheiro, 1kg de ouro para liberar verbas do MEC

Em entrevista, Ribeiro afirmou que teve conhecimento de "conversas estranhas", mas que não está envolvido no caso. Santos, em nota, nega participar de esquema ilegal. Moura, por sua vez, não se pronunciou até o momento.

A Constituição determina que o Brasil é um Estado laico, ou seja, que não incentiva ou tem relações econômicas com nenhuma religião específica. E a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) veda qualquer forma de proselitismo.

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