BRASÍLIA - Três padres católicos são citados no relatório final da Polícia Federal (PF) que resultou no indiciamento de Jair Bolsonaro (PL) e outras 36 pessoas acusadas de participar de organização criminosa para manter o ex-presidente no poder por meio de um golpe de Estado, com prisões e até assassinatos de adversários, incluindo o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Os três religiosos faziam sermões apoiando Bolsonaro e atacando instituições do país, em especial o Judiciário. Repetiam os discursos em redes sociais, para milhões de seguidores. Estiveram em Brasília com o presidente e os participantes do acampamento em frente ao Quartel General do Exército. 

Foi de lá, onde apoiadores de Bolsonaro se reuniram para pedir intervenção militar contra a posse de Lula, que saíram participantes de três episódios violentos: a tentativa de invasão da sede da PF em Brasília, seguida de quebra-quebra na área central da capital, em 12 de dezembro de 2022, data da diplomação de Lula e Alckmin; o atentado a bomba no aeroporto de Brasília na véspera do Natal de 2022; e os atos de 8 de janeiro de 2023 na Praça dos Três Poderes.

Dos três religiosos citados pela PF, apenas José Eduardo de Oliveira e Silva, que tem 41 anos e é padre na Diocese de Osasco (SP), desde 2006, foi indiciado, apontado como colaborador na elaboração da chamada “minuta do golpe”. Ele tem 427 mil seguidores no Instagram, 137 mil inscritos em seu canal no YouTube, 55 mil seguidores no X (ex-Twitter) e 109 mil no Facebook. 

José Eduardo conseguiu projeção em 2017 ao postar posições polêmicas. Em uma delas, disse sentir saudades “dos tempos em que o banheiro servia só para necessidades fisiológicas e não para exibicionismos de autoafirmação sexual”.  Em dezembro de 2023, criticou o Vaticano por autorizar padres a bênção de casais do mesmo sexo. Disse rezar pela “conversão dos pecadores”. 

O padre de Osasco ainda mantém um site em que vende cursos. Os temas são variados, como “teologia moral”, “o código do matrimônio” e batalha espiritual – aprenda a combater o mal”. Os valores dos cursos ultrapassam R$ 800 por ano. 

O sacerdote se aproximou de Bolsonaro em 2018, após o então candidato a presidente sofrer um atentado a faca em Juiz de Fora (MG). José Eduardo ofereceu “apoio espiritual” a Jair Bolsonaro. 

Já em 2022, durante as eleições presidenciais, o padre participou de uma reunião em Brasília, que, segundo a PF, fez parte de uma série de encontros comandados por Bolsonaro para discutir “tratativas com militares de alta patente sobre a instalação de um regime de exceção constitucional”.

‘Abençoai, Senhor, as nossas Forças Armadas’

Os outros dois padres citados no inquérito também são influenciadores digitais e usam as redes sociais para divulgar ideais conservadores. Costumavam  se encontrar com Bolsonaro nos palácios do Planalto e da Alvorada, quando ele era presidente. Alguns desses encontros são descritos pelos investigadores no relatório final da PF. 

No documento, é citado o encontro de Bolsonaro com o padre Genésio Lamounier Ramos, da Diocese de Anápolis (GO), em 12 de dezembro de 2022. Os dois apareceram em frente ao espelho d’água do Alvorada, onde Bolsonaro permaneceu recluso por semanas, após ser derrotado nas urnas por Lula, sem fazer um pronunciamento reconhecendo a vitória do rival. Na ocasião, o padre Genésio fez uma oração com Bolsonaro, assessores e ministros. 

“Abençoai, Senhor, as nossas Forças Armadas. A maioria absoluta. A bandeira do Brasil. Abençoai nossos soldados, oficiais, praças, suas famílias. Senhor, dai coragem a eles! Inteligência para que nunca prestem continência para um bandido safado”, disse Genésio. Ainda fez críticas ao PT. Chamou o partido de “organização criminosa”. O público exibia faixa pedindo “intervenção militar com Bolsonaro no poder”.

Investigadores interpretaram o momento como incentivo para “um golpe de Estado com a participação das Forças Armadas”. “Após o dia 9 de dezembro, Jair Bolsonaro realizou pelo menos outros dois encontros com seus apoiadores no Palácio do Alvorada. No dia 12 de dezembro de 2022, o evento contou com a presença do padre Genésio Lamounier Ramos, que fez um discurso incitando a realização de um golpe de Estado com a participação das Forças Armadas”, diz a PF no relatório.

Em 13 de dezembro, o padre Genésio foi entrevistado ao lado de um colega, padre Cristiano, da diocese de Rio Grande (RS), em uma barraca no acampamento do QG do Exército. Genésio disse que a Constituição estava sendo desrespeitada e era “importante fazer pressão sobre o Exército” por uma intervenção militar. “Se eu tiver que pedir benção para bandido no país, se eu tiver que prestar continência para ladrão, eu prefiro morrer”, afirmou o clérigo.

Padre é fã de Olavo de Carvalho e defensor das armas de fogo

Um terceiro padre citado pela PF no relatório que resultou no indiciamento de 37 pessoas é Paulo Ricardo de Azevedo Júnior, da Paróquia Cristo Rei, em Várzea Grande, região metropolitana de Cuiabá (MT). No documento, ele é citado por usar “influência religiosa e política para sustentar as manifestações antidemocráticas”.

O relatório da  PF traz trocas de mensagens e e-mails de Paulo Ricardo com o também padre José Eduardo de Oliveira e Silva e Filipe Martins, ex-assessor especial de Jair Bolsonaro para Assuntos Internacionais. Em uma troca de mensagens, em 12 de dezembro de 2022, Paulo Ricardo diz a José Eduardo que tem mantido conversas com Filipe Martins, na esperança de manter Bolsonaro na Presidência da República.

“Ainda foi identificado um registro de conversa que reforça a ligação entre o padre José Eduardo e o ex-assessor Filipe Martins. Trata-se de um diálogo realizado com o contato salvo como ‘Paulo Ricardo de Azevedo Jr.’, vinculado ao número de telefone +5565…, o qual pertence a Paulo Ricardo de Azevedo Júnior, em 25/12/2022, período em que os investigados ainda nutriam a esperança de consumação do golpe de Estado. Na mensagem, José Eduardo diz: ‘Estou falando com o Filipe Martins'”.

Paulo Ricardo, que acumula 5,8 milhões de seguidores nas redes sociais, vende cursos, assim como José Eduardo. Pernambucano do Recife, Paulo Ricardo, que foi ordenado sacerdote em 1992, é um defensor do armamento da população civil. Em 2011, em vídeo publicado no YouTube, o religioso afirmou que “Cristão não é pacifista”.

“Nós cristãos buscamos a paz, mas não somos pacifistas, porque somos capazes de lutar”, diz Paulo Ricardo no vídeo, atribuindo a declaração ao Papa VI, cujo pontificado durou de 1963 a 1978. O padre acrescentou que nem todo assassinato é “pecado”. 

“O que é um homicídio, o que é matar uma pessoa? É tirar a vida do inocente. O pecado do homicídio é isso, mas aqui nós não estamos tirando a vida do inocente, estamos tirando a vida do agressor. A legítima defesa é cristã, é moral, perfeito”, defendeu. Ele fez a publicação após o massacre de Realengo, no Rio de Janeiro, quando um jovem de 23 anos invadiu uma escola e matou 12 estudantes. 

O sacerdote ainda classificou a defesa do desarmamento, em pauta na época, por meio de um estatuto aprovado no Congresso, como uma “crise histérica” e “pura hipocrisia”. O então presidente Bolsonaro compartilhou este vídeo em 2019, para defender sua política armamentista.

Em 2021, Paulo Ricardo publicou uma foto segurando uma arma de grosso calibre ao lado de Olavo de Carvalho, considerado o guru do bolsonarismo. O clérigo sempre promoveu a obra de Olavo. Os dois gravaram vídeos juntos. Em seu site, Paulo Ricardo diz que seu trabalho intelectual foi “profundamente influenciado” por Olavo.

Já ao lado de Bolsonaro, o padre fez um vídeo, publicado em 2015 no YouTube, em palestra dentro de uma igreja em Taguatinga (DF) atacando a “ideologia de gênero”. Na ocasião, o ex-presidente cita o chamado “kit gay”.

Na mesma época, em um programa de TV, Paulo Ricardo alegou que o governo da Suécia obrigava crianças a usarem uniformes laranja, associando essa suposta regra à “ideologia de gênero”. Ele foi prontamente desmentido em nota oficial pela Embaixada da Suécia no Brasil, mas não reconheceu o erro.