BRASÍLIA - O ex-policial militar Ronnie Lessa afirmou em delação premiada à Polícia Federal (PF) que os mandantes do crime que resultou nas mortes da vereadora Marielle Franco e do motorista dela, Anderson Gomes, em março de 2018, haviam citado outro político do Psol do Rio de Janeiro como alvo: Marcelo Freixo. Atual presidente da Embratur, ele foi deputado estadual e presidiu uma CPI que investigou as milícias no Estado.

Em delação, ele diz que Marielle não tinha sido a primeira escolha dos irmãos Brazão. “Em determinado momento, já em 2017, se eu não me engano, ele veio com um assunto relacionado ao Marcelo Freixo”, conta em um trecho do vídeo do depoimento, de cerca de duas horas, que foi exibido pelo Fantástico, da TV Globo. 

Um dos entraves, conforme o delator, era conseguir atirar no político sem errar e sair ilesos, uma vez que Freixo sempre andava rodeado de seguranças. “No meio de 20 seguranças… Eu acho que não vou ali provocar uma pessoa qualquer, a gente está provocando o Marcelo Freixo. Fui tirando isso da cabeça dele. Aí ele aceitou, não cobrou mais. Ali foi a nossa primeira entrada com relação a crimes”, declarou Lessa. 

De acordo com a PF, foi confirmado que antes do plano de matar Marielle, o ex-policial militar fez pesquisas sobre o PSOL, incluindo Freixo. O presidente da Embratur chamou Lessa de “psicopata” e “covarde” por ter feito a escolha de assassinar a então vereadora do Rio de Janeiro. “O Lessa é um psicopata. É uma pessoa que não tem qualquer respeito pela vida. Respeito por ninguém”. 

“É um verdadeiro psicopata. Mas quantas pessoas ele matou antes da Marielle? Foram centenas. Todo mundo sabe disso no Rio de Janeiro. A psicopatia dessa pessoa somada à covardia - porque ele escolhe a Marielle porque é covarde - se soma ao Rio de Janeiro onde polícia e política não se separam ”, declarou Freixo ao Fantástico. 

Lessa afirma que lucraria R$ 100 milhões com a morte de Marielle

O ex-policial militar afirmou ainda que, ao executarem o plano de assassinato da vereadora, ele e seus comparsas iriam receber um loteamento clandestino em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, avaliado em R$ 100 milhões. O local seria explorado pela milícia. Segundo Lessa, o valor alto contribuiu para que ele aceitasse fazer parte do esquema.

"Não era uma empreitada, para você chegar ali, matar uma pessoa, ganhar um dinheirinho. Era muito dinheiro envolvido. Lá na época, ele falou em R$ 100 milhões, e as contas batem porque é o lucro dos dois loteamentos - 500 lotes de cada lado. Na época, acho que daria mais de US$ 20 milhões. A gente não está falando de pouco dinheiro. Isso foi um impacto. Ninguém recebe uma proposta de US$ 10 milhões simplesmente para matar uma pessoa. É impactante", afirmou.

A PF afirma em relatório que mesmo após buscar informações por meio de fontes abertas, fontes humanas, material apreendido no curso das apurações e investigações-satélites, não foi possível encontrar evidências concretas de planejamento para ocupar a área. Na delação, Lessa não detalha quando o plano seria colocado em prática.

“A gente ia assumir e criar uma nova milícia. Então ali já teria a exploração de gatonet, a exploração de cones, a exploração de… qualquer outra coisa que a milícia explora. Venda de gás. A questão valiosa ali é o que? É depois. É a manutenção da milícia porque a manutenção da milícia vai trazer voto. Então, na verdade, eu não fui contratado para matar a Marielle como assassino de aluguel. Eu fui chamado com a sociedade, tá?”, contou o ex-policial.

Além de confessar o crime, ele confirmou que o deputado federal Chiquinho Brazão (Sem partido-RJ) e o irmão dele, o ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro Domingos Brazão, foram os mandantes do assassinato. Lessa apontou que eles tiveram ao menos três encontros próximo a um hotel na Barra da Tijuca, sempre à noite. Conforme o delator, foram nessas ocasiões que eles citaram que Marielle “era uma pedra no caminho”.

O ex-policial afirmou ainda que, durante esses encontros, os irmãos Brazão falaram que o delegado Rivaldo Barbosa, então chefe da Delegacia de Homicídios do Rio, participava do plano e iria protegê-los da investigação depois do assassinato. Além de Lessa, o Macalé (apelido do ex-PM Edimilson de Oliveira), participava das negociações. Ele, apontado como responsável por fornecer a arma para o crime, foi assassinado em novembro de 2021.

"Falaram o tempo todo que o Rivaldo estava vendo, que o Rivaldo do já está redirecionando e virando o canhão para outro lado, que ele teria de qualquer forma que resolver isso, que já tinha recebido pra isso no ano passado, no ano anterior, ele foi bem claro com isso: 'ele já recebeu desde o ano passado, ele vai ter que dar um jeito nisso'”, relatou.

Rivaldo Barbosa se tornou o chefe de polícia do Rio de Janeiro um dia antes do assassinato. E, no dia posterior ao crime, ele nomeou o delegado Giniton Lajes para comandar a Delegacia de Homicídios. Para a PF, a escolha de uma pessoa de confiança para o cargo serviu para que os trabalhos de sabotagem se iniciassem no momento mais sensível da apuração do crime. 

Domingos, Chiquinho e Rivaldo foram presos em março deste ano pela PF. As prisões tiveram como base a delação premiada de Ronnie Lessa, que confessou em depoimento ser o assassino de Marielle Franco e do motorista dela, Anderson Gomes, em março de 2018. O relatório foi entregue ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que agora vai decidir se aceita a denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR).  

Defesas

Ao Fantástico, a defesa de Domingos Brazão afirmou que não existem elementos que sustentem a versão de Lessa e que não há provas da narrativa apresentada. Já os advogados de Chiquinho afirmaram que a delação de Lessa "é uma desesperada criação mental na busca por benefícios, e que são muitas as contradições, fragilidades e inverdades".

A defesa de Rivaldo Barbosa, por sua vez, alegou que ele nunca teve contato com supostos mandantes do crime e que não há registro de recebimento de valores provenientes de atos ilícitos. Também criticou a atuação da PF, dizendo que o relatório da investigação se baseia só nas palavras de um assassino, sem provas concretas.

Já os advogados de Giniton Lajes disse que a delação de Lessa é uma "infâmia grosseira", e afirmou ainda que ele é o responsável por descobrir a autoria do crime e não a Polícia Federal. "Ele é o herói, e não o bandido", declarou a defesa.