A delação do ex-policial militar Élcio Queiroz, feita há duas semanas e tornada pública nesta segunda-feira (24), trouxe um novo personagem à investigação sobre os assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018. Trata-se de outro militar de força de segurança do Rio de Janeiro, como todos os outros.

O também ex-policial militar Ronnie Lessa, apontado como o autor dos disparos, teria sido contratado por intermédio de Edimilson Oliveira da Silva, conhecido como Macalé, um sargento reformado da Polícia Militar executado em novembro de 2021, aos 54 anos. A informação foi dada por Élcio Queiroz, em colaboração com a Justiça, no intuito de ter uma pena reduzida.

Até esta segunda, Macalé nunca havia sido citado na apuração do Caso Marielle. Sobre seu assassinato, sabe-se que morreu baleado quando caminhava  pela Avenida Santa Cruz, em Bangu, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Ele ia em direção ao seu carro, uma BMW, quando foi abordado por homens em um veículo branco, de onde saíram os tiros, segundo testemunhas. O crime nunca foi desvendado.

Ainda segundo Élcio Queiroz, Macalé ajudou a levantar a rotina de Marielle, fazendo “campanas”, assim como o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel, preso na operação da PF desencadeada nesta segunda que visa elucidar o crime. Falta descobrir quem é o mandante.

“Inclusive foi através do Edimilson que trouxe... vamos dizer, esse trabalho pra eles; essa missão pra eles foi através do Macalé que chegou até o Ronnie”, disse Queiroz aos investigadores, conforme revelou o Globo nesta segunda.

Ainda segundo o jornal carioca, durante as investigações foram identificadas ligações entre Ronnie e Macalé que coincidem com ligações entre Macalé e Maxwell Simões. Essas ligações teriam se intensificado nos dias imediatamente após o crime. 

Macalé era de Oswaldo Cruz, na Zona Norte do Rio, e era suspeito de ter ligação com a contravenção. Quando foi morto, Macalé estava com uma pistola Glock. Nem a arma, nem os documentos do policial foram roubados na ação.

Maxwell seguiu a rotina de Marielle por sete meses

Marielle Franco era seguida por Maxwell Corrêa desde agosto de 2017, até a execução do plano criminoso, sete meses depois. A informação consta na delação premiada feita por Élcio Queiroz. Ele confessou que dirigiu o carro usado nos assassinatos da política e do motorista dela. 

Também na delação, homologada pela Justiça fluminense, Élcio confirmou que Ronnie Lessa fez os disparos. O delator ainda entregou outro comparsa, Maxwell, que teria sido o responsável por levantar informações sobre a rotina das vítimas. Ronnie e Élcio estão presos em penitenciária federal, à espera de julgamento, que não tem data marcada.

Informações sobre o envolvimento dos três citados foram feitas em duas entrevistas coletivas, realizadas em Brasília e no Rio de Janeiro, nesta segunda. Na capital fluminense, o delegado da PF Guilhermo Catramby afirmou que Maxwell fazia campanas desde 2017 para levantar informações sobre a rotina de Marielle, conforme o depoimento prestado por Élcio, há duas semanas, e que levaram à operação desta segunda.

“O Élcio detalha algumas coisas em relação ao planejamento, e esses detalhes, e apesar de saber, não tem maiores informações, porque a efetiva participação foi a partir de 14 de março de 2018, e a participação do Suel foi ainda em agosto de 2017”, comentou Catramby.

De acordo com as investigações, Maxuell participou antes, durante e depois do crime: além de suporte logístico, ele realizou monitoramentos e ainda destruiu uma das provas do homicídio — o carro usado também para transporte de armas. No dia seguinte ao crime, ele ajudou  Ronnie Lessa e  Élcio Queiroz a trocar as placas do veículo, a contactar a pessoa responsável por desmanchar o veículo e os executores a se livrarem das armas, jogando ao mar.

Informações de delator foram checadas e confirmadas por investigadores

Ainda na coletiva no Rio,  o promotor de Justiça Eduardo Morais Martins, integrante da força-tarefa formada com a PF para desvendar o crime ocorrido em 2018,  afirmou que as informações da delação premiada de Élcio Queiroz foram confirmadas por levantamentos feitos pela investigação.

“A novidade que houve foi a colaboração (de Élcio), que não é por acaso. Fruto de trabalho de revisão, melhoramos o arcabouço probatório para que pudesse investir numa linha estratégica de delação. Foi corroborada com levantamento. Não adianta receber informação por si só. Só adianta quando é corroborada. Se mostrou, em vários momentos, completamente de acordo. A versão apresentada foi confirmada de forma bem taxativa”, ressaltou o promotor.

Eduardo Martins contou ainda que, na delação, Élcio Queiroz disse que para conversas mais reservadas ele e Ronnie Lessa usavam o aplicativo Confide, que ofereceria “tripla confidencialidade” – nesse app a mensagem criptografada é destruída imediatamente após a leitura. Com a quebra de sigilo de dados da “nuvem”, peritos conseguiram comprovar o uso do aplicativo pelos supostos assassinos de Marielle e Anderson.

Flávio Dino disse que há outro envolvidos na morte de Marielle

Mais cedo, em Brasília, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse que a investigação realizada pela PF aponta que há outras pessoas envolvidas nos assassinatos de Marielle e Anderson, além dos três militares já presos.

“Sem dúvida há a participação de outras pessoas, isso é indiscutível. As investigações mostram a participação das milícias e do crime organizado do Rio de Janeiro no crime”, ressaltou Dino, ao lado do diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, na manhã desta segunda.

Dino convocou entrevista coletiva logo após o desencadeamento da operação para prender Maxwell Corrêa e cumprir mandados de apreensão em apuração sobre o duplo homicídio. O ministro afirmou que, nas próximas semanas, devem ocorrer outras operações contra alvos apontados nas investigações como mandantes do crime. Até agora, a PF mirava os executores.

Dino contou que a operação desta segunda ocorreu a partir de delação premiada realizada há cerca de 15 dias por Élcio. “Élcio Queiroz confirmou em delação premiada a participação dele próprio, do Ronnie Lessa e do Maxwell. Temos o fechamento desta fase, com a confirmação de tudo que aconteceu no crime. Há elementos para um novo patamar da investigação, que é descobrir os mandantes”, afirmou o ministro.

Ronnie Lessa, que tem ligação com milícias, já foi condenado por outros crimes: comércio e tráfico internacional de armas, obstrução das investigações e destruição de provas.Ele é apontado como líder de milícia.

Quem é Maxwell Simões, preso em operação da PF

O ex-bombeiro Maxwell Corrêa também integrava grupo miliciano que atua no Rio de Janeiro. Por isso ele tinha patrimônio incompatível com seus rendimentos, de acordo com a investigação.

Na decisão que autoriza a prisão do ex-bombeiro, a Justiça fluminense afirma que o “acusado ostentaria patrimônio incompatível com suas receitas” e que “haveria indícios de que integraria organização criminosa armada para exploração de ‘gatonet’ em Rocha Miranda”, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro.

No Rio, o fornecimento ilegal de TV a cabo por meio de ligações clandestinas é chmado de gatonet, um dos serviços das milícias que atua na capital fluminense e região metropolitana. Outras atividades ilegais desses grupos são a venda de gás de cozinha com preço abusivo e o transporte de passageiros por vans.

Maxwell ostentava luxo nas redes sociais, onde publicava fotos com correntes de ouro em momentos de lazer, como passeando de lancha no mar e tomando cerveja na piscina de casa – localizada em um condomínio de luxo no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste do Rio, está avaliada em mais de R$ 4 milhões. 

Maxwell Corrêa era integrante do Corpo de Bombeiros Militar do RJ à época dos assassinatos de Marielle e Anderson. Ele virou alvo de um processo disciplinar após ser citado em investigação sobre o crime. O procedimento militar resultou na expulsão de  Maxwell, em maio do ano passado.

A defesa dele recorreu da decisão. Em janeiro deste ano, o juiz Bruno Monteiro Rulière, da 1ª Vara Especializada em Organização Criminosa da Comarca da Capital (cidade do Rio de Janeiro), atendeu a um dos pedidos da defesa e converteu sua prisão preventiva em domiciliar por 30 dias. Os advogados alegaram que o bombeiro precisava de uma cirurgia para a retirada de pedra na vesícula. 

Ex-bombeiro já havia sido preso por atrapalhar investigação

Maxwell Corrêa já havia sido detido, em 2020, e condenado a quatro anos de prisão “por atrapalhar de maneira deliberada” as investigações das mortes de Marielle e Anderson.

Durante essa primeira prisão do ex-bombeiro, estavam entre os alvos de mandados de busca e apreensão a BMW-X6 dele. O carro estava avaliado, à época, em quase R$ 200 mil. Na garagem da casa dele, a polícia também encontrou uma lancha.

Segundo as investigações do MP do Rio e da PF, em 13 de março de 2019, um dia após as prisões dos ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, denunciados como autores dos crimes, Maxwell ajudou a ocultar armas de fogo de uso restrito e acessórios pertencentes a Ronnie, que estavam em um apartamento no bairro do Pechincha, usado pelo ex-PM, e em locais ainda desconhecidos.

De acordo com a investigação, Maxwell cedeu o veículo usado para guardar o vasto arsenal bélico pertencente a Ronnie Lessa, entre 13 e 14 de março de 2019, para que o armamento fosse, posteriormente, descartado em alto mar por um de seus comparsas, Josinaldo Freitas, o Djaca. 

A polícia cogitou que uma das armas pode ter sido usada no ataque contra Marielle. O veículo de Suel ficou estacionado no pátio de um supermercado na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Suel, segundo as investigações, tentou plantar falsas testemunhas para esconder a propriedade do carro, mas elas foram desmentidas.

Maxwell e Élcio Queiroz são considerados os melhores amigos de Ronnie Lessa. Foi o ex-bombeiro que salvou Lessa durante uma troca de tiros no Quebra-Mar, na Barra da Tijuca. Na ocasião, logo após os assassinatos de Marielle e Anderson, o ex-PM havia sofrido um assalto e foi ajudado por Maxwell.

Condenado, Maxwell estava em regime aberto 

Um ano após a primeira prisão, em fevereiro de 2021, a Justiça condenou o ex-bombeiro a quatro anos de prisão. O juiz Carlos Eduardo Carvalho de Figueiredo, da 19ª Vara Criminal, autorizou o cumprimento da pena em regime aberto e determinou que Maxwell prestasse serviços à comunidade.

O benefício durou até a manhã desta segunda-feira, quando policiais federais prederam Maxwell na casa dele, na Operação Élpis, primeira fase da nova investigação sobre o duplo assassinato – apesar da condenação de executotres, até hoje não se sabe quem é o mandante do crime. 

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