BRASÍLIA – O tenente-coronel Mauro Cid e o general da reserva Walter Braga Netto se enfrentaram nesta terça-feira (24) em uma acareação no Supremo Tribunal Federal (STF), no inquérito que apura uma tentativa de golpe de Estado após a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022. 

O encontro marca o ápice da ruptura entre antigos aliados do Planalto – e também o choque entre hierarquia, lealdade pessoal e acusações graves. 

A audiência foi solicitada por Braga Netto, preso desde dezembro do ano passado, e teve como foco a divergência entre as versões apresentadas por ele e por Cid em depoimentos anteriores. 

O ponto central foi a suposta entrega de dinheiro em espécie do general ao então ajudante de ordens de Bolsonaro, com o objetivo de financiar ações golpistas. Cid relatou que recebeu a quantia em uma sacola de vinho, no Palácio da Alvorada. Braga Netto nega e afirma que apenas o orientou a procurar a tesouraria do PL.

Ele mente o tempo inteiro, né, gente. Uma pessoa que presta dez depoimentos, ele mente aqui, ele mente ali, estava constrangido, estava de cabeça baixa (…) Ele não tem prova de nada”, retrucou José Luis de Oliveira Lima, defensor de Braga Netto, na saída da audiência.

Outra controvérsia nos depoimentos é sobre uma reunião na casa do general em novembro de 2022. Segundo Mauro Cid, militares presentes em um encontro com Braga Netto demonstraram indignação com a eleição de Lula e se colocaram à disposição para atuar em manifestações de apoio a Bolsonaro. 

O tenente-coronel afirmou que deixou o encontro após ser orientado por Braga Netto de que seriam discutidos “assuntos operacionais”. O general, por sua vez, diz que apenas recebeu amigos de Cid e nega qualquer teor conspiratório no encontro.

Cid enfrentou Braga Netto no STF sob peso da hierarquia e da amizade entre famílias 

A tensão da acareação foi ampliada pela longa relação entre os dois militares. Braga Netto conhece Cid desde a infância, devido à amizade com o pai do tenente-coronel, o general Mauro Lourena Cid.

Ambos foram contemporâneos na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) e no Alto Comando do Exército. As esposas também mantêm laços próximos. Essa conexão pessoal foi um dos fatores que retardaram a delação do tenente-coronel.

Cid resistiu por meses a envolver Braga Netto diretamente, mesmo diante de provas crescentes apresentadas pela Polícia Federal (PF). A delação, iniciada em agosto de 2023, passou por idas e vindas, com contradições, correções de versões e momentos de forte abalo emocional, como o episódio em que Cid chorou durante o depoimento e outro em que passou mal após audiência no STF, em março deste ano.

Somente em novembro de 2024, ao ser confrontado pessoalmente pelo ministro Alexandre de Moraes sobre o risco de envolvimento de sua família nas investigações, Cid decidiu implicar o general diretamente. Dias depois, Braga Netto foi preso – tornando-se o primeiro general quatro estrelas a ser detido na história do Brasil.

General quatro estrelas com tornozeleira eletrônica

A presença do general em Brasília nesta terça-feira (24), usando tornozeleira eletrônica, foi a primeira desde sua prisão. Após a acareação, ele retornaria à unidade militar onde está detido no Rio de Janeiro. 

A defesa de Braga Netto tenta agora descredibilizar as declarações de Cid, apontando imprecisões nos relatos e alegando que o tenente-coronel agiu sob pressão judicial. O mesmo fizeram defensores de outros réus do núcleo 1 de denunciados, como Celso Vilardi, de Jair Bolsonaro, e Demóstenes Torres, do almirante e ex-comandante da Marinha Almir Garnier. 

Avalia-se que a hierarquia pode ter influenciado Cid tanto para omitir informações inicialmente quanto para se sentir desestabilizado agora. A expectativa era de que Braga Netto tentasse explorar esse vínculo para confrontar a delação – o que é visto como única estratégia viável de defesa do general. 

A obediência às patentes superiores e a fidelidade em não delatar um aliado é tido como ato de primeira ordem nas Forças Armadas e recebida como traição quando contrariada.