BRASÍLIA – Famoso pelos vídeos no TikTok em que mostra seus supostos feitos na administração pública, o prefeito de Sorocaba (SP), Rodrigo Manga (Republicanos), mantinha contato com representantes de organização social suspeita de pagar propina para assumir a gestão de unidades de saúde da cidade antes de assumir o cargo. Desde o início da gestão dele, a entidade firmou contratos que ultrapassam R$ 100 milhões.

As informações constam no relatório da Polícia Federal (PF) que embasou a operação Copia e Cola e foram divulgadas pelo G1 nesta quinta-feira (26). Manga e a primeira-dama, Sirlange Maganhato, foram alvos de busca e apreensão na operação Copia e Cola deflagrada pela PF em abril e que, investiga suspeitas de fraudes na contratação do Instituto de Atenção à Saúde e Educação (Iase, antiga Aceni) para administrar, operacionalizar e executar ações e serviços de saúde em Sorocaba.

O G1 revelou nesta quinta que, conforme a investigação, o vínculo entre Manga e dirigentes do Iase fica evidente em conversa de 2020, em uma conversa entre Paulo Korek e o sócio Anderson Luiz Santana, à época, integrantes da cúpula do instituto. A conversa, de 23 de setembro, mostra o início de um possível apoio à campanha de Manga para prefeito de Sorocaba.

“O João marcou para segunda-feira no PRB, com o cara de Sorocaba, o cara de Sorocaba vai ganhar, é aquele cara que já esteve com a gente… João já marcou no partido, inclusive, para tentar fazer até uma situação melhor pra nós…”, diz trecho do diálogo recuperado pela PF.

Com três meses de governo Rodrigo Manga, representante da Aceni já estava no gabinete do então secretário de Administração, Fausto Bossolo, no primeiro andar da Prefeitura de Sorocaba. Em 12 de março, Paulo Korek enviou duas mensagens para Fausto Bossolo avisando que estava chegando para uma reunião. 

“Oi Fausto, boa tarde, como você está, meu irmão, na paz? Sim, Fausto, tô chegando tá?”. Um minuto depois, outra mensagem: “Fausto, show, show, acabei pegando um pouquinho de trânsito, tá dando aqui que vou chegar em dez minutinhos, tá? Atrasado, tá? Mas uma e dez estou no seu gabinete, tá bom?”.

Em maio, menos de dois meses depois da primeira reunião, a prefeitura informou ao Banco de Olhos de Sorocaba (BOS), grupo que administrava a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Éden, que o contrato não seria prorrogado. Em junho, há uma nova mensagem entre representantes da Aceni. Korek foi avisado por um funcionário que ele havia se reunido em Sorocaba com o secretário de Saúde da época, Vinícius Rodrigues. O funcionário afirma que o secretário queria que a Aceni assumisse um serviço na cidade, pensando em “uns 20 por mês”.

A proposta era válida até o dia seguinte e ele destaca ainda que Fausto Bossolo, o secretário de Administração, ligaria para informar o valor necessário para que a organização social ganhasse. Fausto Bossolo já foi condenado a mais de 23 anos de prisão, por corrupção, no caso da venda do prédio da Secretaria de Educação da Prefeitura de Sorocaba.

Ainda segundo o G1, a PF teve acesso também a e-mails de funcionários da Aceni encaminhados para a empresa que fornecia medicamentos para a organização social, a Medmais, que pertence ao cunhado de Paulo Korek, Carlos Korek Farias. Eles mostram que pessoas ligadas à Aceni sabiam que assumiriam o serviço da UPA do Éden, antes que o processo chegasse ao fim, o que ocorreu somente em 13 de julho de 2021.

Casa de luxo com dinheiro vivo

Em outra reportagem, publicada na quarta-feira (25), o G1 mostrou que Rodrigo Manga pagou R$ 183 mil em espécie como entrada em uma casa de alto padrão em um condomínio fechado, localizado na zona leste da cidade. O imóvel, moradia do prefeito, foi alvo de um mandado de busca e apreensão da PF em 10 de abril, durante a operação Copia e Cola.

Duas compras em nome do prefeito foram identificadas pela PF. A primeira usando R$ 183 mil – em “dinheiro vivo”, sem comprovação de origem – para a compra da casa no condomínio Chácara Ondina. O dinheiro foi parte do total de R$ 1,5 milhão, com o restante quitado em financiamento.

Na mesma reportagem, o G1 revelou que a primeira-dama também é alvo da investigação. Por meio dos advogados, os dois afirmaram “que seus nomes foram mencionados nessa investigação de forma indevida e em nítida perseguição política”.

Indícios de lavagem de dinheiro por meio de igreja

A investigação que culminou na operação Copia e Cola começou em 2022, após suspeitas de fraudes na contratação do instituto. De acordo com a PF, há indícios de lavagem de dinheiro por meio de depósitos em espécie, pagamentos de boletos e transações imobiliárias.

Com a quebra do sigilo bancário da empresa de Sirlange Frate Maganhato — autorizada pela Justiça a pedido da PF —, foram identificadas movimentações nos nomes da irmã da primeira-dama, Simone Rodrigues Frate Souza, e do cunhado, Josivaldo Batista de Souza, segundo o G1.

A pastora Simone é casada com o pastor Josivaldo, e os dois são donos da igreja Cruzada dos Milagres dos Filhos de Deus, que tem duas unidades em São Paulo e foi fundada em junho de 2020.

Em um período de dois anos, a empresa da primeira-dama recebeu R$ 750 mil da igreja. O relatório da PF também cita um padrão nas movimentações: uso de boletos para dificultar a identificação dos recursos.

Há ainda indícios de lavagem de dinheiro na compra de imóveis por parte de uma empresa do empresário Marco Silva Mott, amigo de Rodrigo Manga. 

As informações serviram de base para o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) autorizar a operação Copia e Cola.

Entre os bens adquiridos, estão imóveis comerciais nos bairros Campolim e Jardim Vergueiro, além de uma casa no condomínio Chácara Ondina, onde o prefeito mora.

Peritos da PF apontaram que as “compras realizadas por Marco Silva Mott foram celebradas com o artifício de subavaliação do real valor das transações de compra e venda de imóveis" – métodos de “lavagem de dinheiro”.

Isto significa que a compra foi declarada por um valor menor do que os imóveis valem, de fato, no mercado. Em um dos casos, a escritura registrou a compra por R$ 450 mil, mas o pagamento efetivo superou R$ 1 milhão.

Amizade estreita com suposto operador de esquema

Posts nas redes sociais do prefeito mostram a relação dele com Marco Mott. Na investigação da PF, há citação para uma chamada de vídeo dos dois, intitulada “ligação de vídeo de milhões”, divulgada pelo G1.

Amigo de infância do prefeito, o empresário é apontado como um dos operadores financeiros de Manga e da primeira-dama. Segundo a investigação, Mott teria atuado no desvio de milhões de reais de recursos públicos da saúde municipal.

Com o levantamento das informações bancárias, autorizado pela Justiça, foram localizados mais de R$ 6 milhões nas contas pessoais e empresariais ligadas a Mott. Estes depósitos foram feitos em dinheiro vivo e sem origem comprovada. 

Uma das transações monitoradas foi registrada por câmeras de segurança de um banco de Sorocaba. No vídeo, pedido pela PF, é possível ver que em 2 de março de 2023, às 14h40, Mott aparece na agência, que fica no Centro da cidade, com uma mochila nas costas e mexendo no celular.

Na imagem, destacada pela PF, dá para ver vários montantes de dinheiro. O banco confirmou que ele depositou R$ 20,4 mil. Outra câmera flagrou a saída dele três minutos depois. 

A liberação judicial de dados bancários e fiscais levantou a suspeita de que a amizade foi usada para mascarar crimes, entre eles, organização criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro. 

A investigação aponta que, entre 2021 e 2023, Marco Mott ou suas empresas transferiram mais de R$ 210 mil para a 2M Comunicação e Assessoria, empresa registrada em nome da primeira-dama de Sorocaba. Este período é o mesmo em que o empresário fez os depósitos em dinheiro vivo.

Empresário investigado tem trânsito livre na prefeitura

Mott não é político e não tem cargo público, segundo a PF, mas, desde 2021, quando Rodrigo Manga assumiu Sorocaba, ele passou a ter trânsito livre no prédio da prefeitura e participou de oito reuniões com secretários e empresários dentro do prédio público.

Cruzando as datas dessas reuniões com os depósitos em dinheiro vivo, a PF identificou que, em cinco ocasiões, o amigo do prefeito saiu da sala de reunião no primeiro andar do Paço Municipal e foi até o banco fazer depósitos.

Ainda conforme a PF, os valores movimentados pelo empresário seriam provenientes de corrupção, de contratos fraudulentos na área da saúde de Sorocaba. No nome de Mott e das empresas que possui, a polícia identificou a movimentação de mais de R$ 6 milhões em espécie, sem origem comprovada.

De acordo com o relatório da investigação, foram 52 depósitos fracionados, em espécie e que chamaram atenção dos órgãos de fiscalização, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Além do volume financeiro não estar compatível com a atividade exercida pelo empresário, as notas “estavam úmidas, malcheirosas e eram armazenadas em local impróprio”.

Réu por suspeita de superfaturamento de R$ 11 milhões

Em maio, a Justiça de São Paulo tornou réus Rodrigo Manga  e o ex-secretário de Educação de Sorocaba, Márcio Carrara, e a empresa Educateca em uma ação de improbidade administrativa.

A denúncia do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) diz respeito a um processo que investiga o superfaturamento de R$ 11 milhões na compra de lousas digitais. A ação foi aceita pela Vara de Fazenda Pública de Sorocaba.

Auditoria do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) comprovou que, de cada R$ 4 gastos na compra das lousas digitais, R$ 1 foi superfaturado. O contrato é de R$ 46 milhões, dos quais R$ 44 milhões já foram pagos. 

Além do TCE-SP, o MP paulistano apontou na ação que, em 2021, a prefeitura de Sorocaba comprou 1.188 lousas digitais por R$ 26.062 a unidade, destacando que a cidade de Indaiatuba (SP) adquiriu itens semelhantes, da mesma marca e modelo, por R$ 16.700 cada.

Essa não foi a primeira vez que Rodrigo Manga se tornou réu na Justiça. Rodrigo Manga é investigado por improbidade administrativa em dois processos que tramitam no Tribunal de Justiça de São Paulo.

O primeiro apura suspeita de favorecimento em uma licitação de semáforos. No segundo, a Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo acusa a prefeitura de superfaturamento na aquisição de kits de robótica, no valor de mais de R$ 20 milhões.

Milhões de seguidores nas redes sociais e plano para Presidência

Rodrigo Manga ganhou destaque nas redes sociais ao gravar vídeos sobre ações da prefeitura com humor e tendências virais. No TikTok e no Instagram, soma 3 milhões de seguidores em cada rede. A fama de "prefeito tiktoker" contribuiu para sua reeleição em 2024 e impulsionou suas ambições políticas, pensando em voos mais altos.

No início de abril, ele anunciou pelas redes sociais que aceitaria o convite do PRTB para ser pré-candidato à Presidência da República em 2026, caso o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não participe da disputa – Bolsonaro está inelegível por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ainda é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado.

Segundo a assessoria do prefeito, ele recebeu convite do PRTB, partido que tinha em suas fileiras o autodenominado ex-coach Pablo Marçal, candidato à Prefeitura de São Paulo em 2024, além de apoio do presidente nacional do Republicanos, deputado federal Marcos Pereira (ES).