BRASÍLIA – A Polícia Federal (PF) diz que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP,) usaram as contas de suas esposas em transações fracionadas para não chamar a atenção de órgãos de controle e evitar bloqueios de valores por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Há indícios de que Eduardo usou a conta bancária da esposa, Heloísa, para esconder recursos recebidos pelo seu pai. A PF diz que o deputado fez dois repasses para a esposa “como forma de escamotear” os valores antes encaminhados a ele pelo pai. Mecanismo semelhante teria sido empregado por Jair Bolsonaro com sua esposa, Michelle.

O ex-presidente transferiu ao menos R$ 2 milhões ao filho em maio. Antes, ele fez seis repasses por Pix a Eduardo que totalizam R$ 110 mil. Jair Bolsonaro também transferiu R$ 2 milhões para Michelle em 4 de junho, um dia antes de prestar depoimento à PF. Ele não informou aos investigadores os repasses por Pix a Eduardo e sobre a transferência para Michelle, diz a PF.

As informações constam em relatório da PF divulgado nesta quarta-feira (20/8) para o indiciamento de ambos por suspeitas de coação e abolição violenta do Estado democrático de direito. Eles foram citados em um inquérito provocado pela atuação de Eduardo por sanções ao Brasil nos Estados Unidos.

Para a PF, as transações apontam que Jair e Eduardo Bolsonaro usaram “diversos artifícios para dissimular a origem e o destino de recursos financeiros, com o intuito de financiamento e suporte das atividades de natureza ilícita do parlamentar licenciado no exterior”.

A PF descobriu a movimentação de pai e filho por meio da quebra do sigilo bancário do ex-presidente de dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), com autorização do STF. Cabe ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, avaliar o relatório da PF para decidir se denunciará ou não Bolsonaro e Eduardo.

A partir dos dados do Coaf, foi identificado que “desde o início do ano de 2025 – quanto ao repasse de recursos substanciais do primeiro para o segundo, de forma reiterada e fracionada, como forma de evitar o acionamento de mecanismos de controle legal, a partir da remessa de valores abaixo dos limites legais exigidos para o acionamento automático em sistemas de monitoramento bancário”.

O relatório da PF diz que Jair Bolsonaro fez seis transferências para Eduardo no começo de 2025, que totalizaram R$ 111 mil. O filho do presidente está nos Estados Unidos desde março, para onde se mudou alegando que só retornaria ao Brasil após conseguir o fim das investigações contra o pai e o impeachment de Alexandre de Moraes.

Conforme a PF, em 13 de maio, Jair Bolsonaro mandou, de forma “atípica”, R$ 2 milhões para Eduardo. O valor já havia sido citado pelo ex-presidente em entrevista à imprensa. O relatório mostra ainda que ele fez câmbio de R$ 105 mil em dólares, mesmo proibido de sair do país. Os valores foram encontrados pela PF durante busca e apreensão na casa de Jair Bolsonaro, em 18 de julho.

“Na ocasião, foram arrecadados USD$ 13.400 (treze mil e quatrocentos dólares) divididos em dois locais distintos. USD$ 7.400 (sete mil e quatrocentos dólares) encontrados no quarto de JAIR BOLSONARO, em uma gaveta de roupas; e USD$ 6.000,00 (seis mil dólares) encontrados no escritório da residência, no interior de uma gaveta pertencente a mesa de trabalho do ex-presidente”, detalha o relatório.

Segundo os investigadores, a disposição do dinheiro indica que os valores pertenciam efetivamente a Bolsonaro. Apesar da justificativa para despesas menores durante viagens oficiais do ex-presidente, conforme o relatório, o elevado número de transações em dinheiro vivo levanta suspeitas, por dificultar a rastreabilidade e indicar possível vínculo com atividades ilícitas.

Crimes atribuídos a pai e filho podem render até 12 anos de prisão

O relatório da PF que descreve os indícios de crimes cometidos pelo ex-presidente e o filho foi enviado ao gabinete do ministro Alexandre de Moraes. Em seu despacho, Moraes determinou a aplicação de medidas restritivas contra o pastor Silas Malafaia, alvo de busca e apreensão e de retenção de passaporte na noite de quarta-feira. Os autos já foram encaminhados a Gonet, responsável por pedir a instauração do inquérito.

Juntos, os crimes de coação no curso do processo e abolição violenta do Estado democrático de direito podem levar à prisão de Bolsonaro e do filho por até 12 anos. Enquanto a pena prevista para coação é de um a quatro anos de reclusão, a pena para abolição violenta do Estado Democrático de Direito é entre quatro e oito anos.

Parte do relatório da PF é amparada em diálogos entre o ex-presidente e Eduardo por WhatsApp. Em um deles, ocorrido em julho, o deputado chegou a afirmar que ambos teriam que decidir entre “ajudar o Brasil, brecar o STF e resgatar a democracia ou enviar o pessoal que esteve num protesto que evoluiu para uma baderna para casa num [regime] semiaberto”.

De acordo com a PF, a conversa, dias antes de o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciar a sobretaxa de 50% às exportações brasileiras, evidenciaria que “a real intenção dos investigados não seria uma anistia para os condenados pelos atos golpistas realizados no dia 8 de janeiro de 2023, mas, sim, interesses pessoais” do ex-presidente atrás de “impunidade”. 

Mais tarde, no mesmo dia, Eduardo se referiu à primeira manifestação de Trump em que chama de “caça às bruxas” o julgamento que tem Bolsonaro como réu por tentativa de golpe de Estado. Ele citou “amparo” e admitiu que conseguiu o apoio do presidente norte-americano “a duras penas”.

Para a PF, o deputado, assim, teria confirmado “sua ação consciente e voluntária” junto à Casa Branca por medidas contra o Brasil com a “finalidade de coagir autoridades brasileiras, em especial ministros do STF que atuam nas ações penais que apuram a tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de direito”.

A PF ainda citou que, no dia seguinte ao anúncio da sobretaxa de 50%, após duas chamadas de vídeo, Eduardo cobrou o pai para agradecer Trump em um “tweet vaselina”. “E, novamente, [Eduardo] ratifica a sua atuação criminosa para coagir autoridades brasileiras”, defendeu a instituição, acrescentando que o filho ainda se autointitulou como o responsável pela tarifa ao dizer “fizemos a nossa parte”.

Após cobrar o aceno a Trump, Eduardo criticou o pai, que, segundo ele, seria o “maior empecilho” para ajudá-lo. “Você não vai ter tempo de reverter se o cara daqui virar as costas para você. Aqui é tudo muito melindroso. [...] Na situação de hoje, você nem precisa se preocupar com cadeia, você não será preso, mas tenho receio que por aqui as coisas mudem”, disse o deputado federal.

Logo depois, Bolsonaro encaminhou uma nota a Eduardo para que fosse publicada nas redes sociais do ex-presidente. Nela, Bolsonaro frisou o “respeito” e a “admiração” pelo governo dos EUA. “Conheço a firmeza e a coragem de Donald Trump na defesa desses princípios (liberdade de expressão, de imprensa, de consciência e de participação política)”, acrescentou.  

Carta a Milei por asilo

O relatório da PF também cita uma minuta de um pedido de asilo de Bolsonaro ao presidente da Argentina, Javier Milei, encontrada no material apreendido. “Embora se trate de um único documento em formato editável, sem data e assinatura, seu teor revela que o réu, desde a deflagração da operação Tempus Veritatis, planejou atos para fugir do país”, apontou a instituição. 

Reproduzida pela PF no relatório, a minuta, que traz versículos dos livros de João e dos Salmos, pedia asilo “em regime de urgência”. Ao escrevê-la, Bolsonaro disse “temer” por sua própria vida e um “novo atentado político”. O ex-presidente ainda defendeu que preencheria todos os “requisitos legais” para ter guarida na Argentina.        

Segundo a PF, a minuta foi salva no celular de Bolsonaro no dia 10 de fevereiro de 2024 e a criadora e última autora do documento é a esposa do filho e senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Fernanda Antunes Figueira Bolsonaro. O período em que a minuta foi salva foi ainda antes de o ex-presidente ser indiciado por tentativa de golpe de Estado.  

Além de encaminhar o relatório da PF à PGR, Moraes intimou Bolsonaro a se manifestar em 48 horas, ou seja, até a próxima sexta-feira (22/8). O ministro do STF pediu esclarecimentos sobre os “reiterados descumprimentos das medidas cautelares impostas”, a “reiteração das condutas ilícitas” e a existência do “comprovado risco de fuga”.