O hacker Walter Delgatti Netto reafirmou, em depoimento na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, nesta quinta-feira (17), que foi contratado pela deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) para participar de atividades criminosas e conversou com o então presidente Jair Bolsonaro (PL), no Palácio da Alvorada, sobre as urnas eletrônicas, além do presidente do PL, Valdemar da Costa Neto.
Nos encontros, teria sido orientado a apontar falhas no sistema eleitoral brasileiro, mesmo sem provas, inclusive com a divulgação de um vídeo em 7 de setembro de 2022 para desmoralizar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em troca, ele ganharia emprego e indulto presidencial para se livrar de prováveis condenações. As declarações do hacker comprometem ainda oficiais das Forças Armadas.
“Sim, recebi (proposta de benefício judicial). Inclusive, a ideia ali era eu receber um indulto do presidente. Ele havia concedido indulto ao deputado (Daniel Silveira) e como eu estava investigado pela (operação) Spoofing, impedido de acessar a internet e trabalhar, eu estava visava esse indulto, que foi oferecido no dia”, disse Delgatti Netto após pergunta da relatora da CPMI, senadora Eliziane Gama (PSD-MA).
No depoimento, o hacker disse ter se reunido com Jair Bolsonaro durante um café da manhã que durou cerca de uma hora e meia, em 10 de agosto, no Palácio da Alvorada. Ainda segundo Delgatti Netto, no encontro, em que Zambelli também estava presente, o então presidente da República o questionou sobre a possibilidade de invadir as urnas eletrônicas. Em caso de ser pego, Bolsonaro teria assegurado que lhe concederia um indulto.
“[Bolsonaro] Disse que eu estaria salvando o Brasil, contou que teve acesso ao inquérito da PF de 2018 e disse ‘na parte técnica não entendo nada, preciso que você vá ao Ministério da Defesa e fale com os técnicos’”, afirmou Delgatti Netto, após ser questionado por Eliziane Gama.
No depoimento à CPMI, o hacker disse ainda que, em outra ocasião, Bolsonaro pediu para ele assumir a autoria por um grampo ilegal contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Delgatti Netto contou que estava em um posto de combustíveis com Carla Zambelli, que pegou um chip novo e colocou em um celular, que a deputada garantiu ser novo, para conversar com o presidente da República.
“Nisso eu falei com o presidente da República e, segundo ele, eles haviam conseguido um grampo – que era tão esperado à época – que era do ministro Alexandre de Moraes. Segundo ele, esse grampo foi realizado já, teria conversas comprometedoras do ministro e ele precisava que eu assumisse a autoria desse grampo”, realtou o hacker.
Ele explicou que à época sua imagem estava atrelado às mensagens que ele obteve de promotores da Lava Jato, no episódio que ficou conhecido como "Vaza Jato", após o site The Intercept publicar uma série de reportagens com o conteúdo com as conversas entre os integrantes da força-tarefa. “Então seria difícil a esquerda questionar essa autoria, porque lá atrás eu havia assumido a Vaza Jato e eles apoiaram”, observou Delgatti Netto. “Então a ideia seria o garoto da esquerda assumir esse grampo”, completou Delgatti.
“Ele [Bolsonaro] disse no telefonema que esse grampo foi realizado por agentes de outro país. Não sei se é verdade, se realmente aconteceu o grampo porque não tive acesso a ele. E disse que em troca eu teria o prometido indulto e ele ainda disse assim: 'Se caso alguém te prender, eu mando prender o juiz' e deu risada'”, contou o hacker.
Delgatti Netto alegou ter entendido que esse grampo seria suficiente “pra alguma ação contra o ministro” e para fazer com que as eleições fossem realizadas com a urna que imprimisse o voto. Ele afirmou que concordou porque era uma proposta do presidente da República: “Ficaria até difícil falar não.” “Eu concordei porque era uma proposta do presidente da República”, ressaltou o hacker.
Ao ser questionado pelo deputado federal Duarte Junior (PSB-MA), Delgatti Netto afirmou que Bolsonaro lhe deu “carta branca” para que ele fizesse “o que quisesse” com relação às urnas eletrônicas.
“Ele [Bolsonaro] me deu carta branca para fazer o que eu quisesse relacionado às urnas. Eu poderia, segundo ele, cometer um ilícito que seria anistiado, perdoado, indultado no caso”, afirmou o hacker.
Hacker ressalta segurança das urnas eletrônicas
Ainda à CPMI do 8 de janeiro, Delgatti Netto afirmou que não teve acesso ao código-fonte das urnas eletrônicas, e que, após o lacre dos equipamentos, seria impossível qualquer pessoa alterar o código.
“Eu não tive acesso ao código-fonte, porque ele fica em um computador offline. Seria impossível acessá-lo. Se não tem acesso à internet, logo impossível eu ter acesso a ele. Nem eu, nem ninguém [conseguiria acessá-lo]”, reassaltou o hacker.
Bolsonaro foi condenado em julho pelo TSE por mentiras e ataques ao sistema eleitoral, ficando assim inelegível pelos próximos oito anos, e ainda enfrenta uma série de ações na Justiça, como a suspeita de responsabilidade nos ataques de 8 de janeiro.
Hacker diz que foi convidado para estrelar campanha de Bolsonaro com fake news contra urnas
Delgatti Netto contou também que foi convidado para estrelar a campanha à reeleição de Bolsonaro, com vídeos em que colocaria em xeque a segurança do sistema eleitoral.
O hacker disse que Zambelli e Valdemar Costa Neto mediaram um encontro com o marqueteiro Duda Lima, que coordenou a campanha de Bolsonaro em 2022. Segundo o Delgatti Netto, Lima propôs duas formas dele colaborar com a candidatura do ex-presidente: falar sobre possíveis vulnerabilidades das urnas em entrevista à veículos de imprensa de esquerda ou acessar publicamente um dispositivo de votação em 7 de setembro do ano passado para “provar” que é possível que o voto de um candidato seja transferido para outro. As duas ideias foram descartadas porque a reunião com a cúpula da campanha bolsonarista foi divulgada pela imprensa.
O hacker contou à CPMI que a ideia da campanha de Bolsonaro foi que ele simulasse o sistema da urna para inserir um voto e aparecer outro. “A ideia do Dula (Lima) era que eu criasse um código meu, não do TSE, um fake”, contou Delgatti Netto ao microfone.
“A segunda ideia era, no dia 7 de setembro, eles pegarem uma urna, colocar um aplicativo meu lá e mostrar à população que é possível apertar um voto e sair outro. Eu faria o código-fonte da urna, não o do TSE. E nesse código meu eu inseria essas linhas, de códigos maliciosos. Feita para mostrar que a urna, se manipulada, sairia outro resultado. Um código-fonte fake”, relatou o hacker.
Hacker diz que esteve cinco vezes no Ministério da Defesa
Em outro momento em que foi questionado pela senadora Eliziane Gama, Walter Delgatti Neto afirmou que esteve ao menos cinco vezes no Ministério da Defesa.
“[Estive lá] cinco vezes. Eu conversei com o ministro [Paulo Sérgio] Nogueira e também com o pessoal da TI. A ideia inicial era que eu inspecionasse o código-fonte, mas eles explicaram que ele só ficava no TSE e apenas servidores do Ministério da Defesa teriam acesso. Tudo que expliquei a eles consta no relatório que foi entregue ao TSE. Eu posso dizer que aquele relatório, de forma integral, foi exatamente o que eu disse. Eu apenas não digitei, mas eu que fiz ele porque tudo o que consta nele foi indicado por mim.”
“Eu estava desamparado, sem emprego, e ofereceram um emprego a mim”
Durante seu depoimento inicial à CPMI, o hacker Walter Delgatti Neto detalhou seu encontro com Carla Zambelli e afirmou ter aceitado o encontro com a parlamentar por ela ter lhe oferecido um emprego.
“Nisso, apareceu a oportunidade da deputada Carla Zambelli de um encontro com o Bolsonaro. Ele queria que eu autenticasse a lisura das eleições e, por ser o presidente da República, eu fui ao encontro. Eu estava desamparado, sem emprego, e ofereceram um emprego a mim. Por isso que fui até eles”, declarou Delgatti.
Em 28 de julho do ano passado, Zambelli publicou nas redes sociais uma foto com Delgatti. "O homem que hackeou 200 autoridades, entre ministros do Executivo e do Judiciário brasileiro. Muita gente deve realmente ficar de cabelo em pé (os que têm) depois desse encontro fortuito. Em breve, novidades", escreveu a parlamentar na legenda.
À PF, Delgatti afirmou na quarta (16), que recebeu R$ 40 mil de Zambelli para invadir e inserir dados falsos nos sistemas de tecnologia do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em janeiro deste ano. Ele inseriu documentos e alvarás de soltura falsos no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP). O ataque inseriu de forma ilegal 11 alvarás de soltura de pessoas presas e um falso mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes. Por isso o hacker foi preso preventivamente no início de agosto.