Em sua investida contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o bilionário Elon Musk acusou o magistrado brasileiro de “censura”. Reclamou da suspensão de contas na sua rede X (ex-Twitter) por ordens judiciais. Chegou a pedir a destituição do desafeto e falou que aceita correr o risco de perder dinheiro com possível banimento da plataforma do Brasil em nome da liberdade de expressão e da democracia, segundo ele, um valor inegociável.
Mas o mesmo Musk, que vive disputando a liderança de homem mais rico do planeta, já defendeu golpe contra presidente eleito democraticamente e suspendeu contas de jornalistas arbitrariamente.
Musk fez uma onda de suspensões no antigo Twitter em dezembro de 2022, dois meses após comprar a empresa, que teve o nome mudado para X. A lista de contas bloqueadas incluía funcionários de veículos norte-americanos como CNN, The New York Times e The Washington, principalmente profissionais que cobriam o cotidiano do bilionário e suas empresas.
O motivo para o banimento, segundo Elon Musk, seria a divulgação de informações privadas dele na rede social, prática conhecida como doxxing. No entanto, o endereço de Musk não foi compartilhado. Os jornalistas fizeram postagens sobre o Elon Jet, projeto de um estudante que usa informações públicas para informar a localização do jato privado do empresário.
Pouco antes da suspensão das contas dos jornalistas, o Twitter baniu a conta que fazia o monitoramento do jato de Elon Musk com base em informações públicas. A medida ocorreu graças a uma nova regra criada pelo dono da companhia. A nova diretriz também foi usada como motivo para derrubar a conta dos jornalistas
Musk restabeleceu as contas suspensas de jornalistas no Twitter após forte pressão de diversos setores da sociedade norte-americana, além de ameaças de sanção por parte da União Europeia.
Dois anos antes desse episódio, Musk disse, no Twitter, que ele e os EUA dariam golpe de Estado golpe em qualquer país, para atingir seus interesses econômicos.
Em publicação no X, em julho de 2020, o bilionário confessou que ajudou a derrubar um governo eleito, de Evo Morales, na Bolívia, para colocar no poder Jeanine Añez. Disse que fez isso para garantir o suprimento de lítio, material usado na bateria dos carros elétricos da Tesla, sua fábrica de automóveis.
“Vamos dar um golpe em quem quisermos! Lide com isso”, escreveu Musk em resposta a um seguidor, que havia feito um post dizendo que o governo norte-americano havia organizado um golpe para depor Evo Morales, para que a Tesla pudesse obter lítio do país sul-americano. Jeanine está presa e foi condenada a 10 anos de cadeia pelo golpe. Musk está cada vez mais rico.
O lítio é um metal encontrado em abundância em Uyuni, um deserto no sul da Bolívia. É a maior jazida do mundo desse material de alta eficiência energética. Juntos, Chile, Bolívia e Argentina concentram cerca de 75% das reservas mundiais de lítio. O Chile é o principal produtor mundial, mas é a Bolívia quem tem o potencial de se tornar o maior fornecedor global desse metal precioso – o deserto de Uyuni abriga 50% de todo o lítio existente no planeta.
Em reação às investidas de Musk, por meio de medidas anunciadas no domingo (7), Moraes apontou “dolosa instrumentalização” do X para colocar Musk como investigado. Também ordenou a abertura de um inquérito a parte sobre o empresário por suposta obstrução de Justiça “inclusive em organização criminosa e incitação ao crime”.
Para Moraes, Musk espalhou desinformação para desestabilizar instituições do Estado Democrático de Direito. Em sua decisão, o ministro do STF escreveu ainda que o bilionário sul-africano e o X afrontam a soberania do Brasil.
“A flagrante conduta de obstrução à Justiça brasileira, a incitação ao crime, a ameaça pública de desobediência às ordens judiciais e de futura ausência de cooperação da plataforma são fatos que desrespeitam a soberania do Brasil e reforçam a conexão da dolosa instrumentalização criminosas das atividades do ex-Twitter, atual X”, apontou Moraes.
O ministro ainda escreveu em maiúscula e em negrito: “AS REDES SOCIAIS NÃO SÃO TERRA SEM LEI! AS REDES SOCIAIS NÃO SÃO TERRA DE NINGUÉM!”.
Moraes também fixou uma multa diária de R$ 100 mil por perfil, caso o X desobedeça qualquer decisão do STF, inclusive a reativação de perfil cujo bloqueio foi determinado pelo tribunal. Em caso de descumprimento, os responsáveis legais pela empresa no Brasil podem ser enquadrados por desobediência à ordem judicial.
Confira abaixo o passo a passo a escalada de Musk contra a Justiça brasileira e as consequências até o momento:
Em sua decisão, Alexandre de Moraes apontou abuso de poder econômico do X e de Musk, “por tentar impactar de maneira ilegal” a opinião pública. Além disso, pode consistir em “flagrante induzimento e instigação à manutenção de diversas condutas criminosas praticadas pelas milícias digitais, com agravamento dos riscos à segurança dos membros do Supremo”.
Moraes é o relator do inquérito das milícias digitais, que foi aberto em março de 2019 e investiga ações orquestradas nas redes para disseminar informações falsas e discurso de ódio, com o intuito de minar as instituições e a democracia brasileira. Já houve várias operações policiais a partir dessa investigação.
Moraes disse ser “inaceitável” que qualquer representante das plataformas, em especial os do X, “desconheçam a instrumentalização criminosa que vem sendo realizada pelas milícias digitais, na na divulgação, propagação, organização e ampliação de inúmeras práticas ilícitas nas redes sociais, especialmente no gravíssimo atentado ao Estado Democrático de Direito e na tentativa de destruição do Supremo, Congresso Nacional e Palácio do Planalto, ou seja, da própria República brasileira”.
Em seu despacho, Moraes lembrou que, após os ataques de 8 de janeiro de 2023, “de maneira absolutamente pública e transparente”, foi realizada uma reunião, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com os representantes das principais redes sociais usadas no País – inclusive o X – sobre o uso das plataformas para os crimes cometidos no episódio, em que as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
No encontro, foi discutida a “necessidade da constituição de um grupo de trabalho para a apresentação de propostas de autorregulação e regulamentação legislativa, no sentido de se evitar a permanência das condutas ilícitas reiteradas de maneira permanente nas diversas plataformas, por meio de incitação ao crime, conteúdo discriminatório, discurso de ódio, discurso atentatório ao Poder Judiciário, e condutas contra a lisura das eleições e ao Estado Democrático de Direito”, citou Moraes.
O ministro também recordou que os representantes do X participaram, em 2023, de outras cinco reuniões no TSE, “de maneira pública e transparente”. Em 2024, as plataformas foram convidadas a colaborar com o Centro integrado de enfrentamento à desinformação e defesa da democracia. Os responsáveis legais pelo X no Brasil participaram de diversos encontros com diretores do TSE.
Além de Moraes, integrantes do governo federal também reagiram aos ataques e ameaças de Elon Musk. Políticos defenderam urgência na regulação de redes sociais.
O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Paulo Pimenta, publicou em suas redes sociais que “o Brasil é um país soberano” e que não vai permitir que “ninguém, independente do dinheiro e do poder que tenha, afronte nossa Pátria”.
O ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, defendeu a regulamentação urgente das plataformas digitais. “Não podemos conviver em uma sociedade em que bilionários com domicílio no exterior tenham controle de redes sociais e se coloquem em condições de violar o Estado de Direito, descumprindo ordens judiciais e ameaçando nossas autoridades”, disse.
Por outro lado, lideranças da oposição ao governo Lula festejaram a investida de Musk, principalmente aqueles que são alvos de processos no STF sob acusação de atentar contra a democracia com a disseminação de fake news por meio de redes sociais.
Entre eles, Jair Bolsonaro, que fez um discurso em apoio a Musk, durante transmissão nas redes sociais ao lado de dois filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), e do deputado Mario Frias (PL-SP), todos investigados no STF por fake news.
“Agora, nós temos um apoio de fora do Brasil muito forte. Esse assunto está palpitando fora do Brasil, parece que a salvação nossa, a democracia, está ameaçada. Todo mundo sabe isso aí. A nossa liberdade de expressão nem se fala”, afirmou o ex-presidente.
Bolsonaro defendeu uma avaliação do PL, seu partido, de uma ação “para que nossa liberdade de expressão seja garantida”. Ele exaltou as falas de Musk contra Moraes. “Elon Musk é um símbolo”, frisou Bolsonaro, que disse esperar que o Brasil “volte à normalidade” com a iniciativa do dono do X.