‘Conservador enrustido’

Posicionamentos de Zanin no STF causam polêmica e dividem opiniões

Votos do novo ministro contrários a pensamentos progressistas defendidos por Lula têm repercutido mal nas redes sociais ao flertar com a defesa de valores da direita

Por Hédio Ferreira Júnior
Publicado em 25 de agosto de 2023 | 19:33
 
 
 
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As redes sociais não têm perdoado Cristiano Zanin. Desde a sua chegada ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 3 de agosto, o novo ministro tem provocado barulho de grupos de esquerda e movimentos sociais que ajudaram a eleger o presidente Luiz Inácio da Silva (PT). O motivo: os votos de Zanin divulgados na última semana contrários à equiparação da homotransfobia ao crime de injúria racial, à descriminalização do porte da maconha para consumo pessoal e à aplicação do princípio da insignificância para furtos de pequeno valor.

Na defesa do então ex-presidente Lula no STF, preso em decorrência da Operação Lava Jato, Cristiano Zanin atuava de forma garantista na proteção dos direitos do seu cliente. Isso despertou em eleitores do petista a expectativa de uma representação na mesma linha, o que ainda não aconteceu. 

Em gabinetes do Supremo, o ministro surpreendeu negativamente alguns que esperavam dele posicionamento mais progressista quando atuava como advogado de Lula na Corte. Para outros, porém, agiu previsivelmente ao julgar pautas de valores morais. “Algumas pessoas estavam esperançosas pelo sucesso da defesa caso do presidente, mas para outros ele não passava de um conservador enrustido”, afirmou uma fonte do STF a O TEMPO

Certo é que Cristiano Zanin não entrou no Supremo pela porta dos fundos. Além de indicado pela autoridade maior do país, que é o presidente da República, foi chancelado pelo Senado Federal por 58 votos favoráveis à sua nomeação e 18 contrários. 

Quem não gostou do único voto contrário à equiparação da homotransfobia ao crime de injúria racial foi o doutor em Direito Constitucional e presidente do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero, Paulo Iotti. O jurista é autor da ação levada à análise da Suprema Corte Brasileira, aprovada por 9 votos a 1 - o ministro André Mendonça se manifestou impedido de julgar. 

Iotti acha que decisões como essa do ministro devem respingar no presidente, mas que não o surpreendeu tanto pelo fato de o ministro não ter artigos e publicações que sinalizassem o que ele pensa sobre determinados assuntos. “Ele era um advogado que defendeu grandes causas e empresas, sem ligação com movimentos sociais”, salienta. “Os votos têm decepcionado, mas temos esperança de decisões diferentes no futuro”, espera. 

No X

Nas redes sociais, principalmente no antigo Twitter, rebatizado de X, as queixas vieram de todos os lados - de influenciadores e políticos a juristas. Com 16,5 milhões de seguidores na plataforma, Felipe Neto foi um deles. Alvo de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, ele postou uma reportagem em que a senadora Damares Alves elogia Cristiano Zanin e classificou como bola fora a indicação do presidente da República.  "Classifico esse como seu maior erro até agora. Imperdoável, inexplicável e inaceitável. Temos agora 3 ministros ultraconservadores na corte", escreveu.

Da Câmara dos Deputados, a ala esquerdista e aliada ao Palácio do Planalto também reclamou. Sâmia Bonfim (PSOL-SP) cobrou de Lula um perfil diferente na indicação da pessoa que vai substituir a ministra Rosa Weber, que se aposenta em outubro. "Lamentável o voto de Zanin. Descriminalizar a posse de drogas é essencial para combater o encarceramento em massa e a suposta 'guerra às drogas', que afeta sobretudo pobres e negros", tuitou. Sua colega de bancada, Erika Hilton (PSOL-SP) seguiu a mesma linha. "Mais do que nunca, precisamos de uma ministra negra e progressista no STF", completou .

O doutor em Direito Constitucional pela USP Hugo Sauaia acompanha com cautela as primeiras decisões do ministro. Para ele, é preciso evitar julgamentos precipitados às respostas dadas por Zanin nessa chegada ao Supremo e que é comum, no primeiro momento, um ministro julgar pautas de questões que o descolem dos pensamentos de quem o indicou. “Essa atuação é vista ao redor do mundo como positiva por distanciar o juiz julgador de discursos políticos e partidários de quem o levou ao cargo”, afirma. “Não é uma atitude que me parece estranha e cabe aguardar pois ele tem ainda muito chão pela frente”, completa.

Abaixo, confira o que disse Zanin na sabatina da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, que chancelou sua indicação ao cargo para levá-la ao plenário: 

Aborto 

“O direito à vida está previsto no artigo 5º caput da Constituição Federal. Nessa perspectiva temos que enaltecer o direito à vida, porque aí estamos cumprindo o que diz a Constituição da República. Também nesse assunto existe um arcabouço normativo consolidado tanto da tutela do direito à vida como também as hipóteses de exclusão de licitude na interrupção voluntária da gravidez como prevê o artigo 128 do Código Penal”

Drogas

Fiz referência no combate às drogas. Inclusive enaltece o papel do Congresso, e deste Senado, no aprimoramento de leis que têm o objetivo de combate às drogas A discussão eventualmente existente,  e ela existe - no STF, foi levada por alguma instituição legitimada e o Supremo uma vez demandado acredito que tenha que analisar o tema. A minha visão, efetivamente, é que a droga é um mal e precisa ser combatido. E por isso este Senado têm aprimorado a legislação com esse objetivo

Marco temporal

Em tese, a nossa constituição prevê tanto de um lado o direito à propriedade e de outro o direito dos povos originários. Tanto a atividade legislativa como o eventual julgamento deverá sopesar esses valores e chegar a uma forma de conciliar esses valores. 

LGBTQIA+

Eu respeito todas as formas de expressão do afeto e amor. É um direito individual e fundamental as pessoas poderem da sua forma expressar o afeto e amor. Isso tem que ser 
Isso tem que ser respeitado pela sociedade. E acho que também pelas instituições. Temos hoje uma resolução do CNJ que viabiliza e dá eficácia a essa interpretação. E qualquer matéria que venha tratar desse assunto vai passar evidentemente pela Constituição da República, pelos fundamentos da Constituição, dentre eles a dignidade da pessoa humana. 

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