Ter acesso ao valor dos salários dos servidores públicos, saber quais projetos receberam investimentos do prefeito e de onde vêm esses recursos e ter conhecimento de licitações e de quais empresas foram vencedoras dos certames são direitos de todos os cidadãos brasileiros. Menos para pouco mais de 520 mil moradores de 25 cidades mineiras. De acordo com levantamento feito por O TEMPO, essas pessoas não sabem o que é feito pelos chefes dos Executivos, pois eles descumprem a Lei de Acesso à Informação (LAI) e não divulgam os dados em seus sites institucionais nem via Portais da Transparência. Clique aqui para saber quais são e ver outros dados sobre o tema.
No página de internet da Prefeitura Municipal de Ibirité, cidade situada a 28 km de Belo Horizonte, há uma aba no menu superior, intitulada “transparência”. Ao clicar, entre as opções que aparecem, está o acesso ao Portal da Transparência. No entanto, o que se acessa é uma tela em branco com uma mensagem de erro.
Esse é só um dos diversos exemplos de inconsistências encontradas em mais outros dez municípios que também apresentaram falhas ou estavam em manutenção ou fora do ar. Nove evidenciaram outras incoerências variadas em seus sites oficiais que impossibilitam ao cidadão pesquisar qualquer uma das informações que obrigatoriamente deveriam ser divulgadas de acordo com a legislação. Outros cinco municípios nem sequer tinham site institucional.
O acesso à informações da gestão pública por qualquer cidadão é regulamentado na LAI (Lei 12.527/2011), que entrou em vigor em 16 de maio de 2012 e exigiu não só dos municípios, como também de União, Estados, Distrito Federal, Tribunais de Conta e Ministério Público a divulgação de dados pormenorizada sobre a administração em meios eletrônicos de acesso público.
A lei ainda determina que as informações sejam atuais. Porém, apesar de 97,1% dos municípios mineiros apresentarem os dados mais básicos sobre a administração do Executivo na internet, quase metade dessa amostra, 47,2%, não estava com seus sites atualizados no mês de dezembro, mês-referência para nortear o levantamento. O percentual se refere a 391 prefeituras.
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O levantamento também apontou que em 36 municípios mineiros, o Portal da Transparência é apenas uma maquiagem para o cumprimento da lei: apesar de existirem, não funcionam. Para Ney Ribas, presidente do Observatório Social do Brasil (OSB), que atua na causa da melhoria da gestão pública, todas essas dissonâncias persistentes quase oito anos desde que a LAI foi vigorada remontam à cultura do sigilo que há muitos anos foi praticada pela administração pública brasileira.
“Estamos vivendo um novo momento no país, em que a gestão pública está sendo mais cobrada. Porém, não basta apenas termos leis, precisamos exercer a cidadania exigindo qualidade dos serviços pelas quais pagamos por meio de impostos, começando pela transparência e integridade por parte dos gestores públicos”, defende.
Procurada, a Prefeitura de Ibirité não respondeu aos questionamentos até o fechamento desta edição.
Cinquenta e um portais não têm formulário
A transparência passiva, quando o poder público fornece informações mediante solicitações e pedidos do cidadão – chamada de Sistema de Informação ao Cidadão (SIC) – também foi avaliada por O TEMPO. O levantamento levou em consideração o cumprimento da obrigatoriedade de um formulário eletrônico para o pedido de informações (a lei também exige a existência de um canal presencial para a mesma finalidade), além da divulgação de um texto explicativo sobre a lei que garante o direito ao acesso à informação.
Ainda que 653 municípios informem sobre o que é a LAI e como ela é aplicada, 51 deles não apresentam formulário eletrônico para solicitar informações. Mesmo sua existência não é garantia de acesso. Em Perdões, por exemplo, a reportagem tentou solicitar um contrato na íntegra e, ao enviar o formulário preenchido, surgiu na tela uma mensagem de erro.
Além desse problema, a coordenadora do Observatório para Qualidade de Lei, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fabiana Soares, conta que não é tão raro o Poder Público se esquivar de responder a esses pedidos. “Usam-se justificativas sabidamente absurdas para negar o acesso à informação, e nem todo cidadão tem meios para recorrer. Não existe punição para justificativas absurdas que poderiam ser enquadradas como erros grosseiros”, critica ela, que orientou uma monografia sobre a LAI.
Procurada, a Prefeitura de Perdões não se manifestou.
Forma de apresentação dos dados também é empecilho
No levantamento sobre o cumprimento da Lei de Acesso à Informação, a reportagem checou a disponibilização de algumas das informações obrigatórias que devem constar, em tempo real, em sítios eletrônicos. São elas: a discriminação de receitas e despesas orçamentárias e financeiras; informes de processos licitatórios; contratos firmados entre administração pública e empresas privadas; folha de pagamento com discriminação do cargo, lotação do servidor e honorários. A coleta desses dados foi feita pela reportagem de O TEMPO diretamente nos sites institucionais, refazendo os passos de um usuário comum que busca dados públicos. Também foi verificado se as informações fornecidas eram atuais – considerando-se as divulgações feitas até o mês de dezembro.
Ainda que a lei exija a disponibilização desses dados em tempo real em sítios eletrônicos, ela não é precisa quanto à necessidade de reunir as informações no Portal da Transparência. Por isso, a checagem realizada pelo O TEMPO considerou não só municípios que reúnem as informações em uma página, mas também aqueles que disponibilizam esses dados espalhados pelo site do governo municipal.
Essa última possibilidade, constatada em boa parte dos sítios eletrônicos, é criticada pela coordenadora do Observatório para Qualidade de Lei, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fabiana Soares. Para ela, isso mostra que, apesar de a LAI ser um avanço contra a cultura do sigilo no poder público, não tem sido cumprida de forma completa.
“A forma de disponibilizar o dado e a informação nos portais públicos continua dificultando o acesso da população e o exercício do controle social. Não adianta existir no Portal da Transparência um monte de dado se a forma como ele é apresentado não respeita os princípios e as regras da LAI. Por exemplo, vários municípios disponibilizam os dados da execução orçamentária, mas no formato de imagem de tabela. Os dados estão lá, mas você não consegue utilizar os recursos do Excel para fazer análise. A LAI determina que os dados sejam disponibilizados em formato aberto”, reforça.
Controle é ineficaz e não gera punição
O não cumprimento da Lei de Acesso à Informação (LAI) e, consequentemente, da Lei da Transparência (Lei 131/2009), que exige a divulgação de receitas e despesas de toda entidade pública, com o prazo máximo de 24 horas em um site na internet, pode acarretar, entre as penalidades, a suspensão de transferências voluntárias de recursos da União às prefeituras, como estabelece a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a Lei 101/2000.
Conforme previsto em um convênio de cooperação técnica firmado com a União em dezembro de 2015, cabe ao Tribunal de Contas do Estado (TCE–MG) verificar e informar problemas na disponibilização pública de dados sobre receitas e despesas pelos municípios mineiros por meio de anotações no Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse (Siconv).
O sistema permite consultar as prefeituras adimplentes. Porém, também possui erro de acesso em sua página na internet. “O papel dos órgãos de controle é fundamental: os Ministérios Públicos e os Tribunais de Contas deveriam estar na linha de frente da exigência do cumprimento da LAI. Contudo, na prática, a ação não está tão bem costurada assim”, afirma Fabiana Soares, coordenadora do Observatório para Qualidade de Lei, da UFMG.
Ela lembra que, em 2016, o Ministério Público realizou um ranking de transparência ativa em municípios e Estados brasileiros. “Depois parou. Além disso, no mesmo período, o Ministério Público Federal apresentou, em vários locais do país, ações civis públicas com o objetivo de exigir o cumprimento da LAI. Essa estratégia não teve continuidade, infelizmente”, lamenta. “Seria fundamental que os Tribunais de Contas controlassem a qualidade do planejamento materializada nas leis orçamentárias”, afirma.
A reportagem solicitou ao Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCE-MG), via assessoria de imprensa, dados sobre o número de municípios que foram fiscalizados entre 2013 e 2019 em cumprimento à LAI e quantos foram penalizados por eventuais irregularidades. No entanto, até o fechamento desta edição, a Corte ainda não havia respondido aos pedidos.
As mesmas informações também foram solicitadas via formulário e-Sic. “Em resposta à sua solicitação, informamos que V. Sa. deverá formular seu questionamento (via ofício) e protocolar neste Tribunal de Contas, com o seguinte endereço: av. Raja Gabaglia , 1.315 – Luxemburgo – Belo Horizonte MG / CEP 30380-435”, diz, por e-mail, a resposta do órgão, que deveria zelar para que tais pedidos fossem respondidos pelos órgãos públicos do Estado.