O jornalista mineiro Fernando Mitre, nascido no município de Oliveira, vai estar nesta quinta-feira (14) em Belo Horizonte, lançando o livro “Debate na Veia – Nos Bastidores da Tevê, A Democracia no Centro do Jogo”, pelas editoras Letras Selvagem e Kotter Editorial. Diretor nacional de jornalismo da Rede Bandeirantes de Televisão, Mitre idealizou, coordenou e participou de mais de 40 debates eleitorais, desde a época da redemocratização do país, na década de 1980. Ele conversou com O TEMPO sobre as histórias e curiosidades de grandes embates políticos ao longo de tantos anos e sobre a emoção que foi realizar a primeira edição, depois de um longo período de Ditadura Militar. “Eu vi que a democracia emociona”. Para Mitre, alguns debates definiram as eleições. O lançamento do livro em Belo Horizonte será na Academia Mineira de Letras, a partir das 19h30, com debate e entrada franca. Leia abaixo a entrevista:
De que forma o debate, a democracia e o jornalismo se encontram? O que o leitor vai descobrir, ao longo dessa história de debates, iniciada lá na década de 1980? A democracia foi o grande encontro em 1989, depois de todos aqueles movimentos, depois de todas aquelas mobilizações de rua, desde a campanha das Diretas. Finalmente, chegamos ao primeiro encontro, ao primeiro confronto de todas as forças políticas do país, ao vivo, na televisão. Foi uma emoção enorme. Ali se configurou, definitivamente, que a democracia tinha chegado ao país e que nós estávamos começando a trilhar o caminho da eleição, que foi o grande momento. Naquela fase da história brasileira, naquela fase da política brasileira, a informação e a emoção se encontravam o tempo todo. Então, naquela noite, no estúdio da Band, quando todas as bandeiras, todas as ideias, todos os propósitos se encontraram ao vivo, a emoção foi muito grande. Uma emoção realmente democrática. Eu vi que a democracia emociona.
Qual é a importância do debate eleitoral nos dias de hoje, com as redes sociais e a polarização? O debate é cada vez mais importante. O debate na televisão, que se transforma, evidentemente, numa praça pública, na campanha eleitoral. Todos os debates são importantes, mas o primeiro mostra ao telespectador, pela primeira vez, os candidatos em confronto. Isso é muito importante, porque uma coisa é uma entrevista coletiva de um candidato. É fundamental uma entrevista coletiva. Tem todas as perguntas ali etc. Mas quando o eleitor vê pela primeira vez os candidatos, não só respondendo perguntas, mas trocando perguntas entre eles e reagindo às críticas e às provocações, ele tem um quadro que, de alguma maneira, mostra de corpo inteiro os candidatos. Ali, estamos falando de ideias, estilos, programas e modo de agir. O conjunto de informações de um debate é muito importante para o eleitor. Ele está tendo ali muitas condições de fazer comparação, e a comparação é fundamental para a escolha.
Os debates continuarão sendo fundamentais? Não há nenhuma dúvida. Os debates foram fundamentais e continuarão sendo fundamentais. É claro que os debates passaram por fases muito diferentes. O Brasil mudou muito, o eleitor mudou muito, os candidatos mudaram muito, os assessores dos candidatos mudaram também. Então, é o que é democracia, ensaio e erro. Democracia, você vai aprendendo, você vai treinando a fazer os seus direitos serem respeitados, os seus candidatos serem mais explícitos. A cada eleição, o eleitor tem mais condição de exigir dos candidatos aquilo que deve ser exigido, que são as reais ideias, as reais propostas dos candidatos. Porque os problemas do dia a dia são cada vez mais duros, mais difíceis.
Quando se fala dessa mudança dos debates desde 1989, qual é a evolução que o senhor enxerga? O que mudou?Como a democracia, que avança, que se aperfeiçoa, que passa por momentos, às vezes críticos, às vezes de alguma insegurança. No Brasil, a gente vê isso de vez em quando. Na verdade, é um conjunto de solavancos que vão aparecendo também nas campanhas eleitorais. Tem de tudo. Cada campanha tem circunstâncias próprias. É difícil você ir já com ideias pré concebidas para a campanha seguinte, baseado na campanha anterior. A campanha seguinte vai ser diferente, mas vai ter suas especificidades. Então, o candidato, também vai acompanhando essas mudanças. Mesmo durante a própria campanha, os solavancos vão criando novas condições e novas circunstâncias. Agora, uma coisa é certa, o candidato, no debate, sabe que vive um momento especial.
Por que? Ali, tudo pode acontecer, inclusive uma eleição pode ser definida num debate. Não é sempre que acontece, mas acontece. Comigo já aconteceu muitas vezes. Nós já produzimos aqui na Band cerca de 50 debates. Eu perdi a conta, mas não foram poucos os debates que, de fato, marcaram a campanha eleitoral e alguns até definiram. Eu tenho convicção de que alguns debates definiram a eleição aqui no estúdio da Band.
Tem algum debate que o senhor citaria como mais emblemático? São vários. Teve um debate. Eu lembrei dele aqui, mas poderia ter lembrado de outro. O debate para o governo estadual em São Paulo, entre Mário Covas e Paulo Maluf. Começou o debate, e o Paulo Maluf tinha sete pontos de vantagem nas pesquisas. Quando terminou o debate, ele estava com sete pontos de desvantagem. Houve uma mudança que mexeu com 14 pontos. Na verdade, sete, mas inverteu. Porque naquele debate, o Mário Covas resolveu fazer um confronto moral com o Maluf e foi muito eficiente nisso. O Maluf ficou encantoado o tempo inteiro. Ficou no canto do ringue o tempo todo, e o Mário Covas saiu vitorioso daquilo.
Lembra de algum presidencial? Teve um debate presidencial na Band no primeiro turno, entre o atual vice-presidente Geraldo Alckmin e o atual presidente Lula. Na época, eles eram adversários e disputaram a presidência da República. O Alckmin chegou com uma agressividade muito grande, até saindo do estilo dele, e teria ganhado o debate, segundo a avaliação de muita gente ali dentro do estúdio. Inclusive, o Lula ficou preocupadíssimo com aquele debate diante da agressividade do Alckmin. Então, a impressão que se teve, eu não tive a impressão, mas a impressão que se teve ali, acho que até o Lula pensou isso, que o Alckmin tinha ganhado o debate e que tinha levado vantagem nos votos. Mas foi o contrário. O Alckmin perdeu todas as condições de partir para cima depois, na disputa de votos, de partir para cima do Lula. Ele exagerou na agressividade. Deu a impressão de que estava vencendo o debate, mas, na verdade, ele perdeu votos.
É difícil avaliar quem ganhou e quem perdeu? Avaliar um debate é complicado. Tem muita sutileza. Aquilo que parece nem sempre é. Muitas vezes, o candidato ganha o debate. Se você considerar o debate como confronto de quem foi o mais irônico, o mais agressivo etc. Ganhou fulano. Sim, ele ganhou nesse sentido. Mas ganhou o voto? Nem sempre. Às vezes, até perdeu. Nesse caso, o candidato perdeu o voto. Nesse caso que citei, do Alckmin.
O senhor citou o presidente Lula. Agora é o terceiro mandato dele. O senhor percebe a mudança no perfil, na postura durante os debates? Eu acho que o Lula, é claro, ele evoluiu, ele mudou muito. Se bem que, de vez em quando, ele parece atuar ainda dentro de algumas referências de mandatos anteriores. Mas ele evoluiu como candidato, como debatedor. O Lula sempre foi um bom debatedor. Nesse último debate (2022), foi muito interessante. Não só o que foi para o ar, mas o que não foi também. Os bastidores desse último debate foram incríveis. Eu, até hoje, quando lembro daquilo, eu fico tenso, porque as tensões não faltaram naquele momento. Mas o Lula é um debatedor nato, embora ele já tenha deixado de ir a um ou dois debates. Como o Bolsonaro também é um nome de confronto.
Como foi? Naquele debate dos dois, cada um agiu de acordo com as suas características, que são características de candidatos de confronto. Então, foi um debate muito interessante nesse sentido. O Lula, quando ele era bem mais jovem, na primeira eleição, Lula não tinha 40 anos, ele tinha 38, uma coisa assim. Ele era um líder sindical já muito experiente. Foi para o debate com muita segurança. Até me surpreendeu o Lula nos debates de 89. No primeiro debate do segundo turno, que foi aquele debate realizado nos estúdios da Manchete no Rio de Janeiro, Collor e Lula. Naquele debate, o Lula ganhou, não há nenhuma dúvida. Uma semana depois, teve o segundo debate, que foi na Band. Aí, o Lula perdeu. E as reações psicológicas do Lula naquele segundo debate mostraram que ele, naquele momento, não estava preparado para ter confronto. O que eu noto a partir daqueles anos todos é que ele foi não só amadurecendo, mas foi se transformando num debatedor mais seguro, com maior experiência, com uma capacidade de ironia, mais aperfeiçoada. Então, você nota isso, se você estudar cada um dos candidatos que tiveram vida política longa, inclusive disputando cargos, você vai sentindo essa evolução.
E em 2022? O Lula, em 2022, atuou muito bem nos debates, assim como o Bolsonaro também. O Bolsonaro é um debatedor, é um brigador. Ele se saiu bem naquele debate, não se saiu mal. O que houve no debate da Band é que como foi um debate inteiramente inovador, do ponto de vista técnico, as regras inovadoras, os candidatos não só podiam se movimentar à vontade, como podiam escolher os temas para conversar, podiam também escolher qualquer coisa ou perguntar para o outro. Poderia também contar o seu próprio tempo. O Lula perdeu o domínio e o controle do tempo. Então, houve um momento em que o Lula não tinha mais tempo, e o Bolsonaro tinha mais cinco minutos e meio. Aqueles cinco minutos e meio poderiam ter definido aquele debate. Mas o Bolsonaro, em vez de começar a falar das questões do dia a dia do eleitor - salário, saúde, emprego, ele começou a falar de Nicarágua, de Venezuela, e o público não tem muito conhecimento disso. Ele perdeu essa chance. Mas, ali, foi um momento em que o Lula vacilou. Ele não controlou o tempo.
Nos dias de hoje, o que é mais importante nessa preparação do candidato para ele participar dos debates? É lidar com essa pressão, é estar com as propostas na ponta da língua? Saber atacar mais os defeitos do opositor? Depende das circunstâncias que cercam a campanha. Cada campanha tem suas especificidades. Numa campanha polarizada, com muita agressividade, com ondas de ódio, o candidato tem que ser duro na hora do confronto. Em uma campanha mais tranquila, o candidato deve procurar enfatizar os conteúdos fundamentais, mais das questões que dizem respeito à vida da população. Eu diria até que isso é o debate ideal. Seja qual for o ambiente, o ideal é que o candidato faça isso. Mas, dependendo das tensões, dos tipos de confronto entre campanhas, dependendo das agressões, das acusações, enfim, de todas as circunstâncias que cercam aquele momento em que vai começar o debate, às vezes, o candidato tem de ser mais agressivo. Tem que ser mais eficiente no ataque. Mas isso depende da circunstância de cada campanha. Não existem padrões prontos nem fórmulas.
Qual é a tensão maior na condução dos debates ao longo desses anos? Depende muito do candidato? Claro, sempre depende dos candidatos, mas as tensões variam muito. Eu participava de todos os debates no começo. Depois, parei de participar. Porque eu articulava com os candidatos o ano inteiro o debate. Aí, na hora do debate, estava eu lá de novo, no cenário, fazendo perguntas. Mas as tensões são enormes, porque nem sempre você tem certeza de que o debate vai se realizar. Já tive problemas na véspera do debate.