O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) instaurou uma notícia de fato nesta sexta-feira (22) para analisar uma denúncia apresentada pelo ex-chefe de gabinete de Alexandre Kalil (PSD), Alberto Lage. Segundo a denúncia, uma reunião teria sido realizada na Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), durante o horário de expediente e em dia útil, para discutir e aprovar um plano de pré-campanha de Kalil ao governo de Minas.

De acordo com Lage, teriam participado da reunião o prefeito Alexandre Kalil, o secretário de Governo, Adalclever Lopes e o presidente do Conselho de Administração do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (SetraBH), Joel Paschoalini.

A notícia de fato não é uma investigação. Trata-se de um procedimento administrativo interno do MPMG em que o promotor de Justiça realiza uma primeira análise sobre os fatos contidos na denúncia. 

O promotor tem 30 dias, prorrogáveis por mais 90 dias, para decidir se arquiva a notícia de fato ou se abre uma investigação, que pode resultar ou não na apresentação de uma denúncia à Justiça. No caso da denúncia de Alberto Lage, o promotor responsável será Leonardo Barbabella, que atua na 17ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público.

Procurada para se posicionar sobre a abertura do procedimento, a Prefeitura de Belo Horizonte enviou uma manifestação do prefeito como resposta. “Agora sim, esse tipo de assunto deve ser esclarecido no Ministério Público e na Justiça, não pela imprensa”, disse Alexandre Kalil.

De acordo com Alberto Lage, o plano aprovado na reunião dividiu Minas Gerais em 19 regiões, sendo que cada uma delas contaria com dois coordenadores e equipe especializada, e que seriam necessários gastos com remuneração mensal, diárias, alimentação e auxílio deslocamento dos colaboradores. Também foi prevista a contratação de oito pessoas para a equipe de comunicação.

“A empreitada política se prestava, assim, à organização de uma pré-campanha eleitoral ao Governo do Estado de Minas Gerais. Embora não haja menção expressa em relação ao financiamento desses atos, a presença do Sr. Joel Jorge Paschoalini, Presidente do SETRA-BH, é absolutamente estranha e repugnante, haja vista o manifesto conflito de interesse, por se tratar de representante do sindicato patronal das empresas de transporte coletivo de ônibus de passageiros de Belo Horizonte”, escreveu Alberto Lage na manifestação enviada ao Ministério Público de Minas Gerais, ressaltando que Joel teria interesse direto no resultado da CPI da BHTrans na Câmara Municipal. 

Em nota, o SetraBH informou que Joel Paschoalini considera as alegações absurdas. "Acusações tão graves, que envolvem a personalidade de pessoas, precisam ser urgentemente esclarecidas nos fóruns competentes como o Ministérios Público e Tribunal de Justiça", disse a entidade.

O ex-chefe de gabinete anexou o suposto plano de pré-campanha intitulado “Projeto Raio-X de Minas Gerais” à manifestação, assim como uma foto de uma conversa de WhatsApp com o secretário-adjunto de Governo, Breno Carone, que teria lhe enviado o documento às 17h54 do dia 30 de junho. Carone foi procurado, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.

Também foi anexada uma foto de uma conversa com a secretária municipal de Assuntos Institucionais e Comunicação Social, Adriana Branco. Alberto Lage registrou todas as conversas mencionadas em cartório.

“Saí correndo porque estou atrasada. Esperei AK [Alexandre Kalil], mas ele está com Joel e Adalclever, não achei que o momento seria apropriado. Vou falar com ele por telefone amanhã”, diz a secretária em uma mensagem de WhatsApp enviada a Lage às 17h50 também no dia 30 de junho.

Adriana Branco foi procurada, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.

O Ministério Público de Minas Gerais confirmou a instauração da notícia de fato e disse que a denúncia foi recebida pela Ouvidoria e distribuída aleatoriamente para um dos promotores. "As informações devem ser analisadas nos próximos dias e a fim de não atrapalhar as apurações iniciais, outros detalhes serão divulgados em momento oportuno", disse o órgão.

Adalclever Lopes diz que Lage não se comprometeu a dizer a verdade

Na denúncia enviada ao Ministério Público de Minas Gerais, Alberto Lage disse também que em diversos momentos enquanto estava na PBH, o secretário de Governo, Adalclever Lopes, lhe disse que a administração municipal deveria ser mais simpática às demandas dos empresários de ônibus.

Ainda de acordo com Lage, o secretário de Governo atuou para reduzir o escopo da investigação realizada pela CPI da BHTrans na Câmara Municipal, “especificamente: condicionar a existência de um comitê de repactuação do contrato existente com o encerramento das atividades da CPI da BHTRANS”.

No último dia 21 de setembro, a PBH suspendeu o comitê de repactuação, condicionando sua volta ao fim da CPI e ao julgamento de uma ação civil pública que pede a nulidade do contrato. “A Prefeitura entende que não há como discutir a repactuação do contrato originado desse processo até que todas as suspeitas sejam apuradas e esclarecidas ou uma nova licitação aconteça”, disse a administração municipal na época.

Procurado, Adalclever Lopes classificou como “delirantes” o que chamou de “narrativas” de Alberto Lage. Ele citou a decisão do Conselho de Ética da Prefeitura de Belo Horizonte que arquivou uma outra denúncia apresentada por Lage de que o secretário de Governo teria pedido à uma agência publicitária fornecedora da PBH que realizasse uma pesquisa eleitoral.

No trecho da decisão enviado à reportagem por Lopes, é mencionado que Alberto Lage se recusou a assumir o compromisso de dizer a verdade em seu depoimento ao conselho devido à orientação de seu advogado.

“Assim, reitero que desnecessário qualquer comentário a respeito de denúncia realizada por cidadão que NÃO SE COMPROMETE A DIZER A VERDADE quando instado a confirmar as malfadadas narrativas apresentadas”, disse Adalclever Lopes a O TEMPO. A nota dele na íntegra está no final da reportagem.

Após a publicação desta matéria, Alberto Lage se manifestou sobre a resposta de Adalclever e solicitou a inclusão do seguinte posicionamento:

"Adalclever pode ficar tranquilo. No Ministério Público eu assumo compromisso quantas vezes for necessário. No Conselho de Ética que, como vimos ontem, o Prefeito faz o que quiser, não vou me comprometer a nada porque eu não sou bobo", disse.

Ele se referiu à nomeação nesta quinta-feira (21) do diretor da Faculdade de Direito da UFMG, Hermes Vilchez Guerrero, que defende o ex-presidente da BHTrans, Célio Bouzada, para uma vaga no Conselho de Ética da PBH.

Denúncia também foi enviada à Câmara Municipal

A denúncia enviada por Alberto Lage ao MPMG é a mesma que ele enviou à Câmara Municipal de Belo Horizonte na última sexta-feira (15). Na ocasião, o secretário-adjunto de Governo, Breno Carone, que aparece nas conversas anexadas à manifestação, refutou as denúncias realizadas por Lage.

De acordo com Carone, ao enviar a mensagem ele estava se referindo a uma reunião em que o secretário estava despachando pendências da secretaria e que o documento enviado e registrado em cartório por Lage trata-se de um rascunho de um relatório que terminou em mais 700 páginas em que Lage assina como colaborador técnico. 

“O documento seguinte, denominado “Raio X de Minas” não contém qualquer sugestão a estruturas de pré-campanha, a organizações eleitorais, a gastos de qualquer natureza que permitam a interpretação que tal documento pudesse ser ‘despachado’ para ‘definição’ de custos de pré-campanha, como sugerido”, afirmou Carone. 

O  secretário adjunto ainda enviou o restante da conversa, omitido por Lage, em que mostra o ex-chefe de gabinete falando sobre outro assunto, seis minutos depois do envio do documento. “Teste negativo, o menino tá feliz, acalmou”, diz Lage segundo o print enviado por Breno. 

“Estes três pontos refutam, sem qualquer espaço para dúvidas, qualquer possibilidade de uma reunião nefasta e ilegal como a apontada por ele”, concluiu Carone. 

Confira a nota na íntegra de Adalclever Lopes

“Novamente sirvo-me da decisão de arquivamento da denúncia elabora perante a Comissão de Ética para responder as delirantes narrativas do Sr. Alberto Lage. Peço a gentileza da publicação na íntegra da presente resposta, o que não ocorreu em outras oportunidades, cujos trechos essenciais e que demonstram que citado cidadão NÃO TEM COMPROMISSO COM A VERDADE foram excluídos da reportagem.

“... o Sr. Alberto Lage foi indagado se iria assumir o compromisso legal de dizer a verdade, tendo o mesmo se recusado a assumir dito compromisso, inclusive por orientação de seu advogado. Atitude sintomática. ... Indagado, em seu depoimento, se tinha conhecimento de qualquer forma de constrangimento a outro fornecedor do Município, excluído o caso envolvendo Cacá Moreno, o Sr. Alberto Lage disse que não tinha conhecimento amplo e nem tinha como provar qualquer outro caso (fls. 17, item 12). ... Em resumo, diante das provas colhidas e da fragilidade dos elementos de convicção apresentados pelo denunciante, voto pelo arquivamento deste procedimento, sem proposta de qualquer penalidade para o denunciado, por absoluta falta de justa causa (substrato fático probatório mínimo”.

Repita-se: o Sr. Alberto Lage disse que não tinha conhecimento amplo e nem tinha como provar qualquer outro caso (fls. 17, item 12.    

Assim, reitero que desnecessário qualquer comentário a respeito de denúncia realizada por cidadão que NÃO SE COMPROMETE A DIZER A VERDADE quando instado a confirmar as malfadadas narrativas apresentadas.”

 

Matéria atualizada às 18h56 para incluir posicionamento do SetraBH