A nova política de preços da Petrobras, anunciada na semana passada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é outro componente importante no Plano de Recuperação Fiscal a ser apresentado por Minas Gerais ao governo federal.
A estatal abandonou a política de Preço de Paridade de Importação (PPI), que fazia a cotação dos combustíveis flutuar de acordo com o mercado internacional, apesar da maioria da produção se dar no território brasileiro.
A nova regra limita os impactos das flutuações externas no mercado interno, o que dá maior segurança ao consumidor e aos estados.
Por sinal, coincidentemente ou não, pela terceira vez em menos de um ano, o governo mineiro pediu o adiamento da entrega do Plano – o prazo da vez venceu em 15 de maio passado. A Secretaria do Tesouro Nacional aceitou o pedido: a nova data é 31 de maio.
Especialistas consultados por O TEMPO divergem se essa mudança na política nacional de preços de combustíveis vai ajudar ou atrapalhar o Estado, mas o secretário estadual de Fazenda Gustavo Barbosa garante que a arrecadação de imposto sobre os combustíveis vai aumentar.
Segundo ele, um acordo fechado entre os governadores, a União e o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu a metodologia “ad rem” para receita obtida via ICMS dos combustíveis, o que é visto com bons olhos.
“Você tem dois tipos de alíquota: a ad valorem, que era praticada até então, na qual o ICMS é cobrado como um percentual do litro de combustível; e a ad rem, que é um valor fixo. Se ele (o litro de combustível) vai para R$ 100 em uma determinada situação, o valor (de arrecadação com o imposto) já está pré-definido. A flutuação, para cima ou para baixo, não traz diferença nesse caso. O que traz diferença para o Estado é o consumo. Então, numa redução do preço dos combustíveis, a tendência é você ter um aumento de consumo. Neste caso, o Estado é beneficiado. A gente tem uma visão mais positiva (para o futuro)”, explica.
‘Lenha’
O economista Gelton Pinto Coelho, do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais, concorda com a visão do secretário Gustavo Barbosa: “A mudança da política de preços da Petrobras é muito recente, mas nos sinaliza algumas questões. O consumo de gás vai aumentar, pois trata-se de um público muito carente, que teve que usar lenha e álcool (por conta do alto preço) para cozinhar. Você vai aumentar a base de pessoas que poderão consumir o produto. Então, na verdade, não tem redução do ICMS. Isso serve também para os combustíveis. Um caminhoneiro vai conseguir fazer melhores fretes.”
Já João Batista Soares, secretário-geral do Sinfazfisco/MG, aposta num movimento contrário, no qual o governo sairia perdendo.
“No ano passado, quando tivemos um impacto residual da redução da alíquota (do ICMS), a gente teve uma arrecadação de R$ 14 bilhões só com combustíveis. Mesmo assim, foi maior que em 2021, porque o dólar disparou. Mas, neste ano, deve cair, porque não acredito num aumento da demanda, porque ainda vivemos um cenário de incerteza econômica, com a taxa de juros (Selic) elevadíssima. As famílias estão endividadas”, opina.
A adesão ao RRF
Na prática, a adesão de Minas ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) está garantida por uma decisão liminar do ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF). O Estado, porém, quer segurança jurídica para tratar sobre o plano com o governo federal, a partir da aprovação da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
O Regime de Recuperação Fiscal é a estrutura legal que permite a um Estado em crise financeira conquistar melhores condições para pagar suas dívidas. Minas aderiu ao RRF graças a uma liminar do Supremo Tribunal Federal.
Já o Plano de Recuperação Fiscal é um documento que o Estado em questão precisa enviar ao governo federal para homologação do acordo em questão.
Secretário fala em ‘aperto das contas’
Em entrevista exclusiva a O TEMPO, o secretário de Fazenda do governo de Minas, Gustavo Barbosa, diz que trabalha para apresentar o Plano de Recuperação Fiscal até o fim deste mês, mas que a queda de arrecadação provocada pela lei complementar 194 apertou as contas mineiras, aumentando ainda mais a complexidade das negociações com o governo federal.
A lei 194 limitou a alíquota do Imposto sobre operações relativas à Circulação de Mercadorias (ICMS) de vários serviços essenciais em 17%. O principal receio do secretário Gustavo Barbosa e do governo do Estado é que Minas tem só até 6 de julho para resolver a questão.
Isso porque nesta data se completa um ano da suspensão das dívidas mineiras com a União. A partir de 7 de julho, sem a recuperação fiscal acordada, a administração pode se ver obrigada a arcar com uma dívida pública hoje calculada em R$ 160,2 bilhões ) – dos quais 94,5% (R$ 151,36 bi) se referem a débitos com o governo federal e com instituições financeiras que têm a União como garantidora.
“A gente tem a pretensão de entregar até o fim do mês, mas não é tão simples. A gente está falando de um plano que envolve os próximos nove anos. Então, isso não é tão trivial. Temos nossas dificuldades. Tivemos uma redução da arrecadação em função das leis complementares 192 e 194 desde o ano passado. Mas, a gente tem feito ajustes para melhorar a receita. Vamos entregar um plano que se equilibra ao longo do tempo”, diz Gustavo Barbosa.
Alternativa refutada
Na visão do economista Gelton Pinto Coelho e do secretário-geral do Sinfazfisco João Batista Soares, parte do problema fiscal de Minas Gerais seria resolvido com uma melhor negociação dos débitos que a União tem com os estados por conta da Lei Kandir.
O texto de 1996 previa a desoneração do tributo estadual sobre as exportações. O pagamento seria quando o país não necessitasse mais dessas desonerações. Na prática, porém, o acordo para início da quitação da compensação só veio em 2020, após mais de duas décadas da criação da lei, por meio de acordo judicial.
A hipótese, no entanto, é veementemente refutada pelo secretário de Estado de Fazenda Gustavo Barbosa.
“Há quanto se fala em dívidas da Lei Kandir? Acho que há mais de 20 anos. Então, não só o governo Zema, mas os ex-governadores, todos eles abriram mão dessa receita?”, sustenta Barbosa.