Dirlene Marques

Representante da rede feminista de saúde e coordenadora do movimento feminista de minas gerais

Em entrevista ao Café com Política, da rádio Super 91,7 FM, a ex-candidata ao governo de Minas falou sobre a organização de um ato no Dia Internacional da Mulher, 8 de março, e destacou os desafios femininos na busca pelos espaços de poder.

O que vocês estão preparando e qual é o enfoque das atividades para o dia 8 de março?

Todo ano temos uma grande mobilização em Belo Horizonte, no Brasil e pelo mundo nessa data. Pelo mundo, se comemora o dia 8 de março como dia de luta, e não como dia de festa. É claro que é muito bom receber flores, chocolates etc., mas, na realidade, a demarcação desse dia é como um dia de lutas. E este ano, pela primeira vez, vai cair na semana do Carnaval. Em Belo Horizonte, de forma bem demarcada, o Carnaval tem assumido as pautas de resistência, as pautas das mulheres, com muita intensidade, tanto que nós temos vários blocos feministas, que vão estar com diversos movimentos nas ruas no dia 8. Vamos ligar duas questões fundamentais para nós. Primeiro, o crime de Brumadinho, que nós não podemos deixar passar impune e ser esquecido. Depois, o assassinado da (vereadora) Marielle Franco, que também está impune. Então, nós estamos ligando essas duas coisas e constituindo o nosso eixo, que vai se chamar “Nossas Vidas Valem Mais”. Valem mais do que o lucro das empresas, valem mais do que a especulação imobiliária, enfim. Esse é o eixo do nosso ato, que vai se concentrar na praça da Estação, a partir das 16h, com o lançamento de um livro escrito e organizado pelas prostitutas da Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig). Elas estão escrevendo um livro que mostra o sentido da vida delas na rua Guaicurus. Por isso, vamos passar pela Guaicurus, onde vamos fazer um ato com a participação das prostitutas daquela região, e depois vamos para a praça Sete, onde vamos ler um manifesto unificado com outros movimentos, que também se organizam nesse dia.

Você falava agora há pouco a respeito da morte de Marielle Franco. Estamos caminhando para um ano do crime e, até agora, com muitos questionamentos e pouquíssimas respostas. Passado quase um ano, que tipo de balanço você faz?

O assassinato da Marielle não foi um assassinato comum. Ele representou uma violência contra as mulheres negras, as mulheres lésbicas. Ela era uma mulher que veio da periferia, que era parlamentar, que defendia as causas dos direitos humanos e era socialista. Como mulher, com todo esse enfoque, ela estava incomodando. Então, nós precisamos não esquecer esse assassinato, porque faz parte de um processo contra todas as mulheres que representam esse processo.

A gente tem vivido uma explosão de casos de feminicídios em Minas Gerais. No Estado, nos primeiros 15 dias de janeiro, houve um feminicídio a cada dois dias, um dado estarrecedor. O movimento vai tocar também nesses casos que têm chocado a todos nós? E o que deve ser feito para prevenir esse tipo de coisa?

O feminicídio é algo que faz parte da história brasileira, é aquela questão de ter certo ódio contra as mulheres, é isso que nós chamamos de “machismo”. Ele não pode tolerar que a mulher tenha alguma autonomia, então ele vai fazer esses assassinatos. É claro que, na medida em se estimula o ódio contra os setores que são oprimidos na sociedade, as mulheres passam a ser um alvo privilegiado. Não é por acaso que isso tende a se intensificar. O movimento vai trazer isso com muita intensidade, inclusive nós temos uma ala contra a violência contra a mulher.

A senhora falava a respeito da questão das prostitutas. Por que em vez de se prostituírem, elas não vão trabalhar? Ou vocês estão tratando prostituição como trabalho?

É uma pergunta que eu repasso, feita por uma seguidora. Essa é uma grande polêmica dentro do movimento feminista. No nosso caso, inclusive todo esse movimento, que é o 8 de março unificado, nós defendemos o direito de que as mulheres possam decidir o que elas vão fazer. Isso não significa que todas nós defendemos a prostituição e a mercantilização do corpo. Tem movimentos que são contrários e que não aceitam a participação das prostitutas. Nós aceitamos porque achamos que isso é uma decisão que elas têm que tomar, e eu acredito que tem pessoas que estão ali porque não têm alternativa.

Voltando a falar dos feminicídios, na opinião da senhora, as penas deveriam ser endurecidas?

Eu não tenho dúvidas de que temos legislações boas. As legislações têm que ser cumpridas, e, mais do que isso, nós temos que trabalhar a questão da formação e da cultura. Se não atuarmos desde a infância e a adolescência nesse processo, nós vamos continuar construindo o machismo e vamos continuar estimulando a violência contra as mulheres. Por isso é que a educação é fundamental, por isso é que nós temos que trabalhar essa discussão do respeito às divergências, à diferença, desde a infância, para que isso não se reproduza ao longo da vida.

A respeito da participação da mulher na política, a senhora foi a única mulher que disputou o governo de Minas no ano passado. Notamos uma baixa participação delas na política, até pelo fato de as mulheres representarem 52% do nosso eleitorado. O que precisa ser feito para que essa realidade se modifique e para que a mulher possa ser ouvida e respeitada nos espaços de poder?

Essa é a mais longa das lutas. A participação das mulheres implica uma mudança da perspectiva social. Significa que, na nossa sociedade, onde é necessário você ter a exploração para que haja o lucro, o trabalho feminino vai ser sempre desqualificado, porque a mulher vai ter que assumir o trabalho doméstico. Então, é visto dentro da sociedade que ela, naturalmente, ocupe esse espaço. Quando ela sai para o espaço público, tem muito mais dificuldades. Nos anos 1970, a gente sempre dizia que as mulheres não ocupavam os espaços públicos porque elas não tinham formação, educação suficiente. Aí as mulheres correram para estudar, se formar e hoje são mais de 50% nas universidades e, mesmo assim, elas não ocupam os espaços de direção. Em todos os locais de trabalho, as mulheres têm uma grande presença, mas nas direções, não. Isso é a origem da lógica. Você tem que desvalorizar o trabalho das mulheres para que elas possam ser mais exploradas. É exatamente por isso que, ocupando os mesmo espaços, elas ganham menos, e também vão ter que dividir a sua atuação entre o espaço doméstico e o espaço público. Então, elas têm poucas condições de se jogar 24 horas por dia na disputa por espaço, como fazem os homens. Nós não somos formadas para essa lógica da competitividade que existe para esses espaços de direção. Há certa resistência das mulheres a fazer esse tipo de disputa. No meu caso, quando fui candidata ao governo, essa era uma das perguntas mais frequentes. Durante a campanha, fui cumprimentada por milhares de mulheres pela coragem que eu tive de ir fazer essa disputa, e eu me saí bem nas entrevistas e nos debates. Então, isso dava para as mulheres certa condição de pensar: “Eu também posso”. As mulheres passam a se ver nas outras, começa muito esse processo de empoderamento. Não é algo fácil. Se continuarmos nessa lógica em que nós estamos, vamos levar 200 anos para poder ter as mesmas condições, a não ser que a gente mude a estrutura econômica, que diz que a mulher ocupa o espaço privado, e o homem, o espaço público, Mas hoje, elas já sabem que podem e vão ocupar esses espaços de poder.